Aspectos da teoria jurídica da empresa

AutorBetyna Ribeiro de Almeida
Páginas236-254

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1. Introdução

Desde os tempos mais remotos é possível identificar na civilização humana a prática de atos que poderiam ser considerados comerciais. Por não ter meios para produzir todos os bens materiais necessários à sua subsistência, o homem conseguiu, através do escambo, uma maneira de suprir suas necessidades.

Estas necessidades cresceram com o passar do tempo, e a economia de escambo, em que participavam das relações comerciais produtor e consumidor diretamente, tornou-se ineficiente, forçando a criação de padrões monetários, representativos de valor.

Passou-se, então, à economia de mercado, que vigora até hoje, obviamente com diversas modificações decorrentes da própria evolução da Humanidade.

A criação de padrões monetários facilitou e estimulou o desenvolvimento do comércio, trazendo a necessidade de uma definição e regulamentação desta atividade.

Surge, então, o primeiro critério de definição da atividade comercial, dispondo que seriam comerciais os atos praticados por componentes de determinadas corporações de ofício. Só poderiam praticar o que se entendia por comércio as pessoas que fizessem parte destas verdadeiras "castas".

Não se pode negar a influência da estrutura da sociedade da época, extremamente estratificada. O critério utilizado para a determinação da atividade comercial era subjetivo, importava saber quem era o praticante do ato, e não o ato em si.

As Revoluções Liberais, em especial a Francesa, propuseram ideais de igualdade entre os homens, o que fez com que o critério de definição da atividade comercial utilizado até então não mais fosse compatível com a ordem que passara a viger. A ordem que se impunha não poderia aceitar um modelo que deferia apenas a determinada classe de pessoas a condição de comerciante.

A atividade comercial passa a ser considerada a partir da prática de certos atos, os chamados atos de comércio. Comerciante seria aquele que praticasse atos de comércio; passava-se, então, a um critério objetivo de consideração da atividade comercial. Tal sistema tem vigência até hoje

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identificando esta atividade, apesar de vir sofrendo certas modificações.

Durante certo tempo o sistema dos atos de comércio funcionou perfeitamente para regulamentar a atividade comercial. No entanto, a sociedade dos nossos dias apresenta necessidades de regulamentação que não conseguem ser supridas pelo sistema objeti-vo. O setor de serviços, crescente em todas as economias, não tem sua atividade incluída no sistema dos atos de comércio, o que demonstra uma necessidade de substituição.

Nos dias de hoje faz-se necessária a substituição de toda noção de comerciante pela de empresário. Para suprir tal necessidade surge a teoria da empresa, ampliando o alcance do Direito Comercial, tendo em vista que empresa seria a unidade económica voltada para a produção e circulação de bens e serviços.

Vem ocorrer, então, um retorno ao critério subjetivo de avaliação da atividade comercial, pois se passa a considerar a figura do empresário, ou seja, do praticante do ato.

Não se poderia esquecer que um novo Código Civil está na iminência de entrar em vigor, extinguindo a dicotomia hoje existente no Direito Privado. Este novo Código, ao tratar da atividade comercial, o faz sob a égide da teoria da empresa.

Cabe-nos, então, analisar as mudanças que decorrerão deste novo enquadramento legal da atividade comercial, principalmente no que tange à utilização da teoria da empresa para as atividades atualmen-te reguladas pelo Direito Civil.

O presente trabalho tem o propósito de examinar diferentes aspectos teóricos da teoria da empresa, bem como determinar a maneira como foi apresentada no novo Codex.

2. Histórico

Segundo o jurista Tulio Ascarelli1 sempre existiram regras sobre matéria mer-cantil, inclusive no Código de Hamurabi. Ocorre que jamais houve um sistema de Direito Comercial até que surgisse a civilização comunal, ou seja, as corporações de ofício, durante o feudalismo. No entender de Fábio Ulhôa Coelho, "a história do Direito Comercial é normalmente dividida em quatro períodos. No primeiro, entre a segunda metade do século XII e a segunda metade do século XVI, o Direito Comercial é o Direito aplicável aos integrantes de uma específica corporação de ofício, a dos comerciantes. Adota-se, assim, um critério subjetivo para definir seu âmbito de incidência".2

2. 1 Primeiras normalizações

Nas civilizações antigas surgiram, ainda no bojo do Direito rudimentar que se operava, algumas regras de Direito Comercial, embora, não constituíssem um sistema nesta época.

"Os historiadores encontraram normas desta natureza no Código de Manu, na índia; as pesquisas arqueológicas, que revelaram a Babilónia aos nossos olhos, acresceram à coleção do Museu do Louvre a pedra em que foi esculpido há cerca de dois anos a.C. o Código do Rei Hamurabi, tido como a primeira codificação das leis comerciais."3

Os romanos tampouco formularam um sistema que se pudesse denominar Direito Comercial. Suas atividades económicas eram basicamente ligadas à propriedade e atividade rurais, portanto não era necessário um Direito que regulasse especificamente as atividades mercantis. A prática de algumas atividades mercantis era, inclusive, considerada degradante aos patrícios e senadores.

A aproximação da decadência de Roma e o consequente início das transformações nas estruturas económicas levaram

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a uma expansão comercial. As leis proibitivas relativas à atividade comercial acabaram por ser relaxadas ou contornadas.

A invasão bárbara e o início do feudalismo impediram o desenvolvimento do capitalismo que se iniciava.

2. 2 As corporações de ofício

O primeiro período histórico do Direito Comercial, entendido como um sistema, inicia-se na segunda metade do século XII. Datam desta época as primeiras corporações de artes e ofícios, que surgiam concomitantemente ao aparecimento das cidades. De acordo com o professor Rubens Requião4 os romanos já se reuniam em colégios, que poderiam ser considerados como os embriões das corporações medievais. Nestes colégios, assim como nas corporações, os comerciantes se reuniam para defender seus interesses, numa época tão refratária às suas atividades.

Tais corporações floresceram principalmente na Península Itálica, tanto pela importância de Veneza, Génova, Florença e Amalfi no comércio internacional pelo Mar Mediterrâneo quanto por suas localizações estratégicas para as cruzadas. No entanto, estas associações se espalharam por toda a Europa Ocidental, em especial em áreas sem a presença de um poder centralizado, como a Alemanha, onde foi constituída a famosa Hansa Teutônica, liderada pelas cidades de Hamburgo e Liibeck.

Os comerciantes e artesãos constituíam jurisdições próprias, fundamentando as decisões nos usos e costumes que conheciam e praticavam. Assim começou a se consolidar um Direito Comercial oriundo das regras corporativas e da jurisprudência das decisões dos cônsules designados para a resolução dos conflitos que surgiam. Como hão havia um Direito Comum para regular a atividade comercial, e o herdado dos romanos era demasiadamente formal, foi necessária a criação de um novo Direito.

As ligas e corporações foram adquirindo tamanho poder político e militar que seus estatutos passaram a se confundir com os estatutos das próprias cidades. Os tribunais classistas, julgando com base na equidade e nos usos e costumes, passaram a atrair disputas entre comerciantes, e não-comerciantes.

"Temos, nesta fase, o período estritamente subjetivista do Direito Comercial a serviço do comerciante, isto é, um Direito corporativo, profissional, especial, autónomo, em relação ao Direito territorial e civil, e consuetudinário. Como o comércio não tem fronteiras, e as operações mercantis se repetem em massa, transpira nítido seu sentido cosmopolita."5

2. 3 A formação dos Estados

Com a formação dos primeiros Estados na Europa Ocidental e com a ascensão do mercantilismo passa-se à segunda etapa do desenvolvimento do Direito Comercial, ocorrida na última metade do século XVI

Rubens Requião6 considera o Código de Savary, ordenança de Colbert, como o . primeiro Código Comercial moderno. Apesar de ainda se basear na figura do comerciante, começou a estender o Direito Comercial aos praticantes de atos de comércio, mesmo que não fossem eles regularmente considerados comerciantes. Trata-se de uma passagem do sistema siibjetivo puro parao eclético.

"No processo de unificação nacional da Inglaterra e da França, a uniformização das normas jurídicas sobre as atividades económicas desempenha papel de especial importância, antecedendo em certa medida a própria criação da identidade cultural e política."7

A jurisdição das corporações de ofício foi totalmente absorvida pelos tribunais

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no país da Commori Law, já na França elas foram perdendo a competência aos poucos, mas continuou a existir um Direito dos comerciantes, fundado em seus usos e costumes e só a eles aplicável. O Direito Inglês adotou, desde aqueles tempos, a equity, o que fez com que, ao contrário do Direito de raiz romanística, não conhecesse a distinção entre atividades civis e comerciais.

2. 4 A codificação, napoleonica

"O terceiro período (séculos XIX e primeira metade do século XX) se caracteriza pela superação do critério...

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