Aspectos Materiais sobre a Responsabilidade Tributária dos Sócios e Administradores das Sociedades Limitadas

AutorAntônio de Moraes Rêgo Gaspar
CargoMestrando em Direito Tributário pela PUC/SP - Especialista em Direito Tributário pela FGV/RJ - Especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário do Maranhão - Advogado
Páginas231-247

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1. Introdução

A norma tributária tem o objetivo de regular relações que envolvem prestações pecuniárias compulsórias, cobradas mediante atividade administrativa vinculada. Os sujeitos que participam dessas relações encontram-se atrelados por expressa determinação legal, o que afasta qualquer cará-ter negocial entre as partes.

O direito tributário corresponde a um subsistema positivado, cujo isolamento di-dático foi concebido apenas para a facilita-ção da aproximação cognoscente. Por isso, as normas que o compõem se entrelaçam com outros ramos do direito positivo, o que é salutar para que se possa proceder a um estudo mais completo e aprofundado sobre uma série de questões, especialmente as concernentes à responsabilidade tributária.

É justamente o que será feito neste artigo, em que se analisam os casos de responsabilidade tributária dos sócios e administradores das sociedades limitadas. Pelo próprio tema, percebe-se a necessidade de busca por conceitos que não se encontram na legislação tributária, mas sim no corpo legislativo cível, mais especificamente na parte em que trata de matéria empresarial.

Para que os sócios e administradores sejam responsabilizados por obrigações tributárias da sociedade que administram ou de que fazem parte é necessário que seja superada a separação patrimonial que vigora nas sociedades limitadas, numa nítida desconsideração da personalidade jurídica. Tais aspectos também demandam o cotejo entre a legislação cível e tributária, a fim de que os institutos aqui analisados sejam compreendidos em toda sua amplitude.

É de se ter em conta que as normas tributárias atuam em setor específico das relações humanas, o que faz com que o seu campo de atuação seja diverso do campo das normas cíveis. Mesmo assim, a configuração da pessoa jurídica, aspetos sobre sua dissolução e a posição dos sócios e administradores para com a sociedade fazem com que várias consequências tributárias sejam internalizadas pelo sistema do Direito.

Dessa forma, o presente trabalho abordará criticamente os seguintes aspectos: (i) conceito de sociedade empresária limitada; (ii) conceito de sócios e administradores; (iii) aspectos gerais sobre a sujeição passiva tributária; (iv) desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária; e (v) responsabilidade dos sócios e administradores, modalidade de responsabilidade tributária de terceiros.

2. Conceitos propedêuticos
2. 1 Sociedade limitada

O termo "sociedade empresária", como se percebe à primeira vista, é formado por dois vocábulos que, em união, servem para designar um tipo específico de sociedade: aquela voltada para a exploração de atividades empresariais, econômicas. Assim, para se chegar a uma delimitação semântica que tenda à precisão, os termos serão aqui analisados separadamente, para que, em momento posterior, seja feito um encontro entre os seus respectivos con-

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teúdos de significação, com o intuito de apresentar uma definição satisfatória do conceito de "sociedade empresária".

Quando duas ou mais pessoas atuam no sentido de desenvolver atividade econômica em conjunto, a composição dos respectivos interesses pode assumir diversas formas, indo de um simples acordo verbal até a formalização de uma sociedade. Nesses casos podem ocorrer variações no regime jurídico aplicável à união em questão, com reflexos, por exemplo, no campo tributário, determinante na apuração dos custos da atividade.

A criação de uma sociedade corresponde ao mais alto grau de comprometimento jurídico entre agentes exploradores de atividade econômica. O marco da sua existência é o registro em Junta Comercial, que corresponde à introdução de norma individual e concreta no sistema, em cujo antecedente encontra-se formalização da linguagem juridicamente competente, conforme está previsto nos arts. 45 e 985 do CC. De acordo com as premissas do construti-vismo lógico-semântico, para que um fato seja reconhecido pelo Direito, deve ingressar no sistema conforme as regras internamente estabelecidas. Assim, afasta-se, desde já, qualquer teoria que repute a existência de pessoa jurídica desvinculada da sua criação formal, como acontece com a posição doutrinária que entende ser o marco inaugural da personalidade jurídica o início da exploração da atividade econômica, mesmo sem a devida inscrição. Andou bem, portanto, o atual Código Civil ao incluir em tópico referente às sociedades não personificadas aquelas sociedades não regularizadas perante os órgãos competentes, cujo regime jurídico encontra-se previsto nos arts. 986 a 990.

A sociedade regular possui patrimônio próprio e personalidade jurídica diferente das dos seus sócios. Logo, é titular de direitos e obrigações ínsitos à sua existência. Tais entes são sempre dotados de personalidade jurídica, apesar de este atributo não estar necessariamente ligado à limitação da responsabilidade dos seus integrantes, levando-se em conta que no Brasil existem sociedades em que os sócios respondem integralmente com o seu patrimônio, como ocorre no caso da sociedade empresária em nome coletivo.

Segundo Fábio Ulhoa Coelho,1 a ordem jurídica, ao "personificar" um ente, dispensa a especificação de quais atos o sujeito personificado pode realizar, de modo que será permitida a concepção de quaisquer atos jurídicos, salvo se houver expressa vedação normativa. Desse modo, a personalidade jurídica inerente às sociedades empresárias corresponde a uma autorização genérica para a prática de atos jurídicos, respaldada pela separação patrimonial em relação aos seus sócios.

Aprofundando um pouco mais o estudo a respeito da sociedade empresária, convém assinalar que o adjetivo que a qualifica como "empresária" é relativo ao substantivo "empresa" e possui função especifica-dorado signo "sociedade". "Empresa" possui várias acepções, dentre as quais se encontram as seguintes: (i) pessoa jurídica; (ii) estabelecimento; (iii) instituição; (iv) empreendimento; e (v) atividade econômica organizada. A multiplicidade de sentidos deve-se ao fato de o Código Civil utilizar o vocábulo sob análise em diversas situações distintas, a teor do que se observa nos casos dos arts. 978 e 1.172. Com efeito, conforme assevera Paulo de Barros Carvalho,2 o legislador vale-se de linguagem técnica, que se assenta sobre o discurso natural e não é fruto de um trabalho sistemático. Por isso, é comum que haja impropriedades e ambiguidades nos textos legais.

"Empresária" é sociedade que explora certa atividade econômica, e não os seus sócios, visto que, além de ambos possuírem personalidades jurídicas diversas, é a própria sociedade o agente atuante na economia. Essa tomada de posição privilegia o

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princípio da autonomia da pessoa jurídica, um dos cânones do direito societário. Segundo Fábio Ulhoa, "empresário, para todos os efeitos de direito, é a sociedade, e não os seus sócios. É incorreto considerar os integrantes da sociedade empresária como titulares da empresa, porque essa qualidade é da pessoa jurídica, e não dos seus membros".3

Já que empresária é a sociedade, o que seria "empresa"? Em conformidade com a linha de raciocínio aqui exposta, Maria Rita Ferragut define empresa como "atividade econômica organizada, que visa à obtenção de lucros mediante o oferecimento, ao mercado, de bens e serviços, gerados mediante a organização dos fatores de produção, tais como força de trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia".4

De acordo com as definições dos conceitos de "sociedade" e de "empresa", pode-se extrair claramente que "sociedade empresária" é a reunião protocolar de pessoas com o objetivo precípuo de explorar "profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços" (art. 966 do CC). A respectiva criação deve ocorrer de acordo com as regras juridicamente determinadas, fazendo com que nasça ente dotado de personalidade jurídica distinta da personalidade dos seus sócios.

Especificamente sobre as sociedades limitadas, é de se dizer que estas fazem parte do gênero das sociedades empresárias. O regime aplicável é o previsto nos arts. 1.052 a 1.087 do CC, inclusive no que diz respeito à sua criação e dissolução. Na existência de alguma omissão legislativa, podem ser utilizadas, em caráter supletivo, as normas que disciplinam as sociedades simples ou anônimas, a depender de deliberação dos sócios em contrato social, conforme preceitua o art. 1.053.

Outro assunto de relevo refere-se à natureza da sociedade limitada, se de pessoas ou de capital. A resposta depende da análise do contrato social. Caso este coloque entraves para a transferência de quotas (alienação, sucessão etc.), a sociedade é de pessoas. Se o contrato não determinar qualquer óbice, a sociedade limitada será de capital. Tal distinção apresenta-se muito relevante para a configuração da responsabilidade dos sócios, e será retomada com mais profundidade em tópico específico. Quando o contrato social for omisso a respeito do tema, o caput do art. 1.057 do CC determina que a cessão total ou parcial de quotas seja aprovada por, pelo menos, um quarto dos titulares do capital social, de modo que a sociedade limitada será de pessoas se o contrato social não estipular a matéria especificamente.

Por fim, nas sociedades limitadas, a exemplo do que também ocorre nas anônimas, todos os sócios respondem de forma limitada pelas obrigações sociais. O máximo de perdas que os sócios...

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