As Transformações Socias e as Aspirações do Mundo Gay - A Força da Sociedade da Informação e a Aceleração do Tempo Histórico

AutorDjalma Pizarro
Ocupação do AutorTabelião do 2º Ofício de Notas de Uberlândia
Páginas93-124

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Já foi tratado em tópicos anteriores que o legislador constituinte brasileiro de 1988 ponderou acerca da união estável homoafetiva, recusando-a expressamente.

Não devemos olvidar acerca da relativa juvenilidade da Carta Política Brasileira de 1988, assim, as operações e transformações do entendimento e da aceitação da união homoafetiva foram cimentando-se ao longo de um período histórico também notadamente curto.

Aqui sobreleva a força da sociedade da informação, funcionando como pano de fundo e vetor das transformações sociais.

Nestes tempos modernos em que a rapidez das informações no planeta sugere a existência de uma sociedade da informação, ancorada na navegação eletrônica, na TV digital e na intercomunicação instantânea e simultânea, evidente que o rescaldo dessa nova era causa efeitos em todas as áreas sociais, e, no Direito das Famílias, não poderia ser diferente.

Analisamos, a título exemplificativo, um ato de fúria de um jornalista iraquiano contra o então presidente americano, George W. Bush, em visita ao Iraque, em dezembro de 2008. O jornalista Muntadar al-Zaidi, de 30 anos, atirou os sapatos contra o ex-presidente americano, sendo imediatamente detido pelas autoridades locais do Iraque. O ataque ocorreu em Bagdá durante uma entrevista conjunta entre o primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki, e Bush, que fazia sua última visita

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ao país como presidente antes de deixar o cargo. Antes de atirar os sapatos, que não atingiram o alvo, Zaidi gritou: "Isto é por todas as viúvas, os órfãos e aqueles que foram mortos no Iraque. Esse é o seu beijo de despedida do povo iraquiano, seu cachorro".

Na cultura árabe, agredir alguém com um sapato é considerado um insulto gravíssimo. Após o incidente, Zaidi ganhou fama e manifestações de apoio em vários países do mundo árabe e também em outras partes do mundo, como se destaca abaixo141. O jornalista que atirou o sapato em Bush foi considerado herói no Iraque, consoante notícias veiculados na mídia.

O jornalista iraquiano que atirou os sapatos em George W. Bush foi detido,142e interrogado pelas autoridades. No entanto, em Bagdá, multiplicaram-se as manifestações em defesa deste jornalista, que foi considerado um autêntico herói no Iraque.

Centenas de iraquianos exigiram a libertação do jornalista, que teve a ousadia de atirar um par de sapatos na cara do ainda presidente norte-americano.

O pedido de libertação começou pela voz dos responsáveis pela Televisão Pública Iraquiana, que alegaram que este jornalista apenas exerceu o direito de liberdade de expressão.

No entanto, as autoridades de Bagdá descreveram o incidente dos sapatos como "um ato vergonhoso". Em comunicado, o Governo iraquiano alegou que as ações daquele jornalista danificaram a imagem da comunicação social no Iraque.

Ainda assim, nas ruas da capital, e em particular no distrito de Sader City, as manifestações pipocaram ruidosamente.

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De acordo com os correspondentes das agências internacionais, a maior parte destes manifestantes apoiavam o líder xiita Moqtada al-Sadr.

A palavra de ordem dos protestos foi chamar de herói o homem que atirou um par de sapatos em direção daquele que ocupava o lugar mais poderoso do mundo.

De acordo com a Associated Press, o jornalista foi interrogado para se saber se alguém lhe pagou para atirar os sapatos em direção a Bush.

Houvesse o fato ocorrido há uns 25 anos atrás, mais ou menos por ocasião da promulgação da Carta Política Brasileira de 1988, o evento não teria similar repercussão; ao revés, no seio da sociedade digital da informação, em que o evento é publicado e revelado on-line aos "quatro cantos" do mundo global, por certo a propagação é algebricamente superior.

A agressão revelou-se como um símbolo midiático, fomentado pela rapidez da sociedade da informação. Foi erguida uma enorme estátua de um sapato na cidade iraquiana de Tikrit, removida pelas autoridades locais um dia depois.

O episódio "da sapatada" virou jogo de videogame, história em quadrinhos e amealhou uma legião de fãs do atirador, bem como de um correspondente número de detratores. Contudo, esse mesmo jornalista, que ganhou notoriedade, foi vítima do próprio veneno, pois também foi alvo "de sapatada" em aparições ulteriores.

O exemplo foi colocado para demonstrar e comprovar que a sociedade da informação alterou o comportamento social em termos globais, pois, com a revolução dos costumes e a indignação do tratamento diferenciado provocado contra a comunidade gay, mais as consequentes reações veiculadas pelo mundo digital, dentro da sociedade da informação, podemos afirmar que tais propulsores funcionaram como móveis para a telepatia universal do mundo gay.

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São cada vez mais comuns as notícias de movimentos gays e simpatizantes, bem como a mídia também demonstra cenas de preconceito e discriminação contra os homossexuais.

Como acentua Berenice Dias143, a Suprema Corte Americana derrubou a Lei do Texas que criminalizava a sodomia, decisão erga omnes contra mais 12 Estados americanos. Ainda de acordo com a jurista, os países do Leste Europeu, ao ingressarem no Conselho da Europa, descriminalizaram os atos homossexuais praticados entre os adultos. Também a Áustria terminou com a distinção de idade para as relações heterossexuais (14 anos), e homossexuais (18 anos).144Vale ressaltar que a Dinamarca reconheceu a homossexualidade em junho de 1989, permitindo aos casais homossexuais o registro da união civil, com os mesmos direitos do casal heterossexual.145E que a união civil na Holanda acontece desde 1988, garantindo os benefícios trabalhistas e previdenciários entre os conviventes. O casamento foi permitido em 2001.146Em agosto de 1993, a Noruega permitiu o registro das uniões homoafetivas. Na Suécia, o regime legal compareceu no ano de 1994, garantido os direitos anteriores. Em 1996, Groenlândia, Hungria e Islândia aprovaram leis que garantiram os mesmos direitos aos homoafetivos (em relação aos heterossexuais). A parceria sexual foi reconhecida na Finlândia em setembro de 2001. Em julho de 2002, os alemães admitiram o registro de uniões junto a autoridades civis, com o nome de "parceria de vida".147Na Inglaterra, a partir de setembro de 2001, reconheceu-se o registro de parceria de casais homossexuais, com os mesmos direitos do casamento heterossexual.148

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Destacamos que o parlamento português aprovou o Decreto 56/ VIII, em 15.03.2001, protegendo as uniões de fato, independentemente do sexo dos parceiros. Em 2004, a concessão de direitos aos parceiros homossexuais foi acatada em Luxemburgo, Itália e Áustria, além de Andorra e Eslovênia. Em 2005, houve adesão da Nova Zelândia. A República Tcheca consentiu a união civil homoafetiva em março de 2005, garantindo os benefícios previdenciários, plano de saúde, e a decisão sobre o funeral do parceiro. Na Suíça, a concordância da união homo-afetiva ocorreu em 2007.149Até o ano de 2009, dez dos 50 Estados norte-americanos conferiam direitos às uniões homoafetivas. No Havaí, em 1997, foi aprovado o instituto dos "beneficiários recíprocos". Parcerias domésticas entre pessoas do mesmo sexo foram reconhecidas na Califórnia (1999), Maine (2004), Columbia (2006), Washington (2007) e Oregon (2008).150Enfatizamos, também, que Buenos Aires e Rio Negro foram as primeiras cidades da América Latina a reconhecerem os direitos dos casais, independentemente da orientação sexual. Todavia, a primeira legislação federal foi a do Uruguai, em janeiro de 2008, que legalizou a união dos casais homossexuais.151No Brasil, "o silêncio é constrangedor", nas palavras de Berenice Dias,152 pois o Projeto de Lei 1151, datado de 1995, está engavetado no Congresso.

Entretanto, malgrado o vergonhoso silêncio da Casa das Leis no Brasil, foi aprovada nesse entremeio a Lei Maria da Penha, (Lei 11340/2006)153, que define família como relação de afeto, independente da orientação sexual.

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1 Declaração dos Direitos Sexuais

A Declaração dos Direitos Sexuais, produzida no XIV Congresso Mundial de Sexologia, realizado em Valência, na Espanha, foi referendada dois anos depois no XXX Congresso Mundial de Sexologia, realizado em Hong Kong (China), que ditou os seguintes itens, que se constituem em uma principiologia da liberdade sexual:154Direito à liberdade sexual - os indivíduos têm o direito de expressar a sua opção sexual, livre de qualquer forma de coerção;

Direito à autonomia sexual, integridade sexual e à segurança do corpo sexual - decisões autônomas que o indivíduo tem o direito de tomar sobre a própria vida sexual, num contexto de ética pessoal e social;

Direito à privacidade sexual - desde que não interfiram nos direitos sexuais de outrem;

Direito à igualdade sexual - livre de qualquer discriminação;

Direito ao prazer sexual - inclui o autoerotismo;

Direito à expressão sexual - o indivíduo tem o direito de expressar sua sexualidade por intermédio da comunicação, de toques, do amor;

Direito à livre associação sexual - possibilidade de se casar e de dissolução do casamento;

Direito às escolhas reprodutivas livres e responsáveis - direito de decidir sobre filhos e o direito aos métodos de regulação de fertilidade;

Direito à informação baseada no conhecimento científico;

Direito à educação sexual compreensiva - deve ou deveria envolver todas as instituições sociais e dura por toda a vida;

Direito à saúde sexual.

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2 Princípios de Yogyakarta

A Comissão Internacional de Juristas e o Serviço Internacional de Direitos Humanos desenvolveram um projeto com vistas a criar um conjunto de princípios internacionais sobre a aplicação internacional às violações dos direitos humanos, com base na orientação sexual e identidade de gênero.

Tais especialistas se...

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