As tramas sociais da experiencia de trabalhadores ambulantes em Rio das Ostras/The social plots of the experience of street workers in Rio das Ostras.

Autorda Silva, Pollyana Luz Macedo

Introducao

O artigo em tela se insere no campo de estudos sobre o trabalho informal, conhecido, genericamente, como trabalho nao regulamentado por contrato juridico de emprego. A pesquisa adota como universo empirico de investigacao a experiencia de trabalhadores ambulantes integrantes do Programa Renda Alternativa, da cidade de Rio das Ostras (RJ).

Assim, na primeira parte, abordamos a formacao do mercado de trabalho no Brasil e os ciclos de reatualizacao da heterogeneidade e precarizacao, sublinhando a experiencia historica da informalidade. O padrao de desenvolvimento urbano-industrial iniciado no pais adotou fortes caracteristicas de atraso, tanto na agricultura, quanto no processo urbano.

Por ultimo, apreciamos, atraves dos depoimentos coletados, o trabalho ambulante como heranca, observando que a atividade e passada de geracao a geracao nas familias de trabalhadores desempregados; alem disso, encaramos o trabalho ambulante como uma experiencia social vivida pelos trabalhadores em sua intermitencia entre trabalho formal e informal. Sao experiencias particulares que marcam a trajetoria de um grupo especifico, inserido num contexto de contradicoes de classe.

Trabalho no Brasil: ciclos de reatualizacao

da heterogeneidade e precarizacao

a partir da experiencia historica da informalidade

A heterogeneidade das formas sociais de trabalho salta da historia da institucionalizacao e expansao do trabalho assalariado como uma das principais marcas do capitalismo dependente periferico nessa latitude da America do Sul. O trabalho na forma emprego e o trabalho informal atravessam a historia do assalariamento no pais, apos a extincao do trabalho escravo, perdurando no ciclo de modernizacao.

A historia brasileira dos direitos do trabalho e carregada de lutas e resistencias pelos trabalhadores, num pais que tem caracteristicas paternalistas, de conducao hierarquica e autoritaria como carro chefe de Estado. A coercao e o consenso se misturam quando adentramos nas primeiras formas das relacoes do trabalho no Brasil, no qual as perdas e ganhos da classe trabalhadora em prol dos direitos trabalhistas sao sentidos a cada conjuntura historica e conforme a dinamica das organizacoes politicas dos trabalhadores.

De modo geral, a informalidade perpassa a historia brasileira desde seus primordios. Na verdade, "no Brasil, fazer-se trabalhador ambulante constituia uma das estrategias mais antigas e recorrentes entre os segmentos pobres da populacao" (GOMES, 2006, p. 221), e essa heranca atravessou os tempos.

No inicio do seculo XX, o capitalismo agroexportador brasileiro necessitava de forca de trabalho livre no mercado nesse momento de expansao economica. A grande maioria dos escravos recem-libertados foi descartada ate mesmo deste intento capitalista de ser explorado e usufruido como forca de trabalho. O imigrante--a populacao europeia excedente--virou alvo dos capitalistas nativos e, por isso, das politicas publicas para o trabalho assalariado livre no pais.

Para a emergencia da forca de trabalho no Brasil, alem de realizar a expropriacao dos meios de producao atraves do limite ao acesso a terra e aos instrumentos produtivos, foi necessario, igualmente, segundo Kowarick (1987, p. 10), "um conjunto de transformacoes de cunho mais marcadamente cultural, para que os individuos despossuidos [...] nao so precisassem como tambem estivessem dispostos a trabalhar para os outros".

A questao residia no porque da nao utilizacao dos trabalhadores livres que se faziam presentes e se aglomeravam no periodo da escravidao, cujo contingente intensificou-se apos a abolicao. Dois argumentos se faziam relevantes para a formacao do mercado de trabalho ainda nesse periodo. Um era o movimento higienista, que espraiava o discurso da nao utilizacao da forca de trabalho dos brasileiros livres, pois eram denominados inaptos para o trabalho nos moldes do capitalismo classico, sendo considerados "vadios" e "indolentes", ou, ate mesmo, indisciplinados para o trabalho. Assim, a solucao foi a migracao de grande parte da forca de trabalho europeia, com o intuito de "esbranquicar" a forca de trabalho brasileira, alem do discurso de que os imigrantes europeus dominavam e estavam mais acostumados com a rotina do trabalho livre.

Outro ponto relevante neste argumento diz respeito a sua funcionalidade capitalista para a ascensao e acumulacao do capital, principalmente se pensarmos que para tal objetivo e necessaria uma forca de trabalho sobrante--exercito industrial de reserva--para o rebaixamento do custo da forca de trabalho (KOWARICK, 1987).

Uma das mudancas relevantes a destacar, nesse periodo, diz respeito a Reforma Pereira Passos, que marcou um novo episodio para a atividade dos trabalhadores informais das ruas, fundamentalmente os localizados no Rio de Janeiro. A partir de uma nocao de higienizacao da cidade, a reforma consistia em um amplo projeto de urbanizacao e revitalizacao, apoiado na crenca de que era necessario eliminar as doencas e epidemias (principalmente febre-amarela) que rondavam as ruas e vielas do Rio de Janeiro. Assim, era preciso dar um novo conceito de Brasil que despontava no panorama mundial.

A Reforma Pereira Passos, diante de varias leis e decretos baixados, interferia diretamente no cotidiano, principalmente dos ambulantes e mendigos. "A populacao que se comprimia nas areas afetadas pelo bota abaixo de Pereira Passos teve ou de apertar-se mais no que ficou intocado, ou de subir nos morros adjacentes, ou de deslocar-se para a cidade nova e para os suburbios da Central" (CARVALHO, 1998, p. 40).

Nessa conjuntura, o trabalhador ambulante da epoca tambem seria alvo da reforma urbanistica. O primeiro passo foi a regulamentacao da atividade, que ocorreu atraves do Decreto no 997, de 13 de outubro de 1904, oficializando o funcionamento de feiras nos fins de semana nas ruas e logradouros da cidade do Rio de Janeiro. Visando o controle, por parte do Estado, sobre tal atividade, "os ambulantes sofreram perseguicoes, controle e criticas, ja que suas praticas eram consideradas insalubres e atrasadas. Todavia, nesta epoca, a preocupacao era com a higiene e limpeza da cidade" (GOMES, 2006, p. 221).

Nesse periodo, o Estado aparecia como guardiao absoluto dos interesses da nacao, simbolizando uma entidade outorgante de um bem--as leis sociais. Segundo Vianna (1978), entre os anos de 1891 e 1919, a Republica respirava a ortodoxia liberal no cenario politico. O espraiar ideologico liberal era sinonimo de modernidade, "acentuando o dominio da ordem natural, perturbada sempre que o Estado intervem na atividade particular" (VIANNA, 1978, p. 47). Nesta epoca, entendia-se que o individuo deve prover por meios proprios sua subsistencia, sendo a "questao social" entregue as parcas e fragmentadas acoes filantropicas.

Alem do excedente de trabalho, a genese do mercado de trabalho era caracterizada por "alta instabilidade do emprego, flexibilidade dos salarios, ausencia completa de legislacao trabalhista e uso indiscriminado de mulheres e criancas perfazendo extensas jornadas" (BARBOSA, 2008, p. 210).

Diante da inseguranca ocupacional do periodo, abundancia e variedade das ocupacoes faziam parte do cenario do mercado de trabalho em ascensao, que se fazia heterogeneo. Proliferavam-se trabalhos autonomos das mais variadas prestacoes de servicos, que subsistiam numa economia de consumo que acentuava as contradicoes de classe.

O trabalho autonomo especialmente nessa epoca, nao podia ser pensado fora de uma relacao determinante pautada pela equacao capital/ forca de trabalho--que permitia no maximo uma reproducao truncada da classe trabalhadora--pois, em ultima instancia, dependia da renda gerada nesse circuito. E mais, o crescimento horizontalizado desse amplo setor de servicos, vinculado a 'economia de subsistencia urbana', adequava-se a expansao do setor capitalista e ampliava a sua taxa de acumulacao, em vez de se opor a ela. (BARBOSA, 2008, p. 222-223). Alem disso, ja se fazia presente o trabalho domiciliar, que ocupava o espaco privado da casa como forma de geracao de renda, seja atraves de artesanato, seja de empreitadas de segmentos da producao textil, a qual se vincula a interposicao entre a esfera publica e privada.

Em termos de acumulacao e...

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