As testemunhas de jeová e a transfusão de sangue forçada

AutorCristiano Chaves de Farias
CargoPromotor de justiça na Bahia
Páginas12-13

Page 12

Alguns temas jurídicos causam tamanha divergência na sociedade que impedem a afirmação de uma solução única, pronta e acabada. Muita vez, inclusive, os argumentos (contrários e favoráveis) apresentados se mostram razoáveis e convincentes, malgrado contrapostos. São assuntos sobre os quais não há consenso, estando envoltos, quase sempre, em perspectiva religiosa, moral, ética, antropológica, psicológica etc. Por isso, a filosofia do direito vem denominando esses temas como desacordos morais razoáveis.

Não tenho dúvida de que um dos maiores desacordos morais razoáveis existentes na atualidade diz respeito à possibilidade de procedimento transfusional forçado às pessoas que se recusam à transfusão voluntária em razão da crença religiosa, como é o caso das testemunhas de Jeová. Poderia o Poder Judiciário impor uma transfusão de sangue contra a vontade da própria pessoa?

Tenho estudado esse tema minuciosamente há mais de 15 anos, acompanhando as decisões sobre os casos que surgiram, bem como a literatura a respeito (não apenas jurídica) e a compreensão do tema em outros países. E, sem dúvida, a dificul-dade em chegar a uma conclusão segura se mantém.

O cenário que se descortina no plano internacional é de respeito à autonomia privada, garantindo a autonomia pros-pectiva (preventiva) do paciente e, por conseguinte, permitindo à pessoa (no gozo de sua plena capacidade) se recusar à transfusão de sangue, inclusive por motivos religiosos. Entende-se que se trata de diretiva válida antecipada de vontade que deve ser respeitada, sob pena de violação da dignidade do titular. Recentes julgamentos do tribunal de Ontário, Canadá, da corte de cassação da Itália e da suprema corte de justiça da Argentina confirmam essa tendência de respeito à vontade humana.

Em nosso sistema jurídico, a evolução do estudo da matéria revela uma inclinação por essa solução. Doutrinadores de escol publicaram suas pesquisas encaminhando soluções nessa esteira, nas quais reconhecem a impossibilidade de transfusão contra a vontade do titular. Veja-se, em nossa literatura jurídica, a contribuição de Gustavo Tepedino e Anderson Schereiber (Rj), Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Álvaro Villaça Azevedo (sP) e Luís Roberto Barroso (df), dentre outras substanciosas publicações. Também eu venho sustentando esse entendimento desde a primeira edição de nosso Curso de Direito Civil: Parte Geral (Juspodivm), tendo promovido uma ampliação e atualização consideráveis na edição de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT