As sociedades de advogados e a empresarialidade

AutorNewton Silveira
Páginas7-12

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Durante anos fui assistente do professor Waldírio Bulgarelli no Curso de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Depois, passei à autonomia de reger as aulas de Teoria Geral do Direito Comercial.

Nesse primeiro período assisti ao professor Bulgarelli em suas aulas de Teoria da Empresa, que resultaram na publicação de sua tese A Teoria Jurídica da Empresa (Análise Jurídica da Empresarialidade), editada em 1985 pela Editora Revista dos Tribunais.

Bulgarelli orgulhava-se do que denominou de Escola Paulista de Direito Comercial, profundamente influenciada pelo direito comercial italiano - influência, essa, devida, em muito, a Tullio Ascarelli, que conviveu com as Arcadas no período da II Grande Guerra, onde pontificou através de suas aulas e escritos. Dedicou Bulgarelli sua tese à "memória dos professores Sylvio Marcondes e Oscar Barreto Filho, que tanto contribuíram para a construção da Teoria Jurídica da Empresa".

Na "Introdução" de sua tese Bulgarelli lamentava o fato de que a palavra "empresa" era utilizada com um variado número de significados, "o que, certamen-te, não contribui para a certeza e segurança características do ordenamento jurídico" (p. 9 - isso nos idos de 1985!).

Referindo-se ao Código Comercial francês, que já empregava a palavra "empresa", escreveu Bulgarelli: "Aliás, não foi sem razão que esse período histórico inicial, em relação à empresa no plano jurídico, foi denominado (por certo sem mordacidade e mais com o significado de desprezo ou falta de maior atenção) de período de ignorância na França" (p. 11).

Importante destacar a seguinte constatação de Bulgarelli: "Historicamente, a empresa tendo nele [no Direito] se inserido timidamente, quase esquivamente, graças ao elastério dado à noção econômica de comércio, a partir do momento em que assumiu a hegemonia econômica, tomando vestes próprias, acarretou, naturalmente, a inversão dos papéis: o comerciante passa a ser um tipo de empresa (a empresa comercial) e não a empresa um tipo de comerciante" (p. 14).

É em seguida (item 6, p. 19) que Bulgarelli introduz o termo "empresarialidade", "termo que utilizamos para exprimir numa idéia geral e abstrata aquilo que é próprio da empresa".

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E acrescenta, à p.41: "Sem dúvida, a razão maior é que a empresa é um novo instituto que não guarda relação direta com a linha de inspiração romanística e para a qual é necessária nova postura. (...). Outra das possibilidades que se coloca na trajetó-ria da doutrina da empresa é a referente à linguagem". E conclui: "(...) razão pela qual, a fim de clarificar terminologicamen-te o fenômeno, na sua complexa projeção, adotamos o termo 'empresarialidade'".

Esse o panorama do direito de empresa antes do advento do Código Civil de 2002. À época de seu Projeto (n. 634-B/1975) afirmava Rubens Requião que ali não se definia empresa, mas empresário.

Na verdade, o art. 966 do CC/2002 define empresa como atividade econômica organizada de produção e distribuição de bens e serviços, sendo empresário aquele que a exerce profissionalmente. Excetua-se a atividade intelectual, objeto de seu parágrafo único.

A atividade intelectual (individual ou sob sociedade) não constitui atividade empresarial, nos expressos termos do parágrafo único do art. 966 do CC/2002: "Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa".

Não se transmuda ela em empresa em decorrência do emprego de auxiliares ou colaboradores enquanto os sócios praticarem a atividade-fim (intelectual) e os colaboradores e auxiliares praticarem ativida-de-meio.

Assim, uma clínica radiológica com dois sócios médicos não se desnatura por empregar técnicos de Radiologia, já que a função precípua de fornecer laudos e subscrevê-los sob responsabilidade médica é dos sócios.

O mesmo se diga quanto às sociedades de engenheiros que subscrevem o Atestado de Responsabilidade Técnica/ART.

E assim é em todas as profissões liberais regulamentadas, como os advogados, médicos, engenheiros, contabilistas e agentes da propriedade industrial, quer atuem autonomamente ou através de sociedades uniprofissionais.

Não influi na espécie de sociedade não-empresária o fato de manter auxiliares ou colaboradores, portanto nem o seu porte, maior ou menor, pois ser não-em-presário, na forma do parágrafo único do art. 966, é conceitual, e não estrutural.

Também não influi o tipo societário adotado (exceto o da sociedade anônima), pois tais sociedades seguem...

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