O STJ e as novas competências previstas na Emenda Constitucional n. 45/2004: 'Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude'

AutorPedro Lino de Carvalho Júnior
CargoProcurador do Trabalho ? PRT/5ª Região
Páginas57-75

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1. Introdução

Será que a Emenda Constitucional n. 45, promulgada em 8.12.2004 e em vigência desde
31.12.2004, alargou consideravelmente a competência da Justiça do Trabalho?

Aos olhos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tudo indica que não, a julgar pelo entendimento manifestado em recentes súmulas editadas por esta Corte de Justiça, bem como em face de outros precedentes jurisprudenciais dela originários que configuram atos de verdadeira rebeldia aos ditames da reforma constitucional.

O mais grave neste fato é a lamentável circunstância de que parte da responsabilidade por tais assenhoramentos da competência do Judiciário Trabalhista há de ser creditada a parcela razoável de juslaboralistas, os quais, de uma forma ou de outra, e na maioria das vezes de extrema boa-fé, contribuíram (e ainda contribuem) para o crescente esvaziamento das suas novas atribuições, conforme se demonstrará a partir do exame de algumas situações específicas.

Não se trata de repetir a velha fórmula “competência é poder”, o que, em última instância, desprestigia a função judiciária aos olhos da sociedade, ao vê-la enredada com disputas intestinas somente prejudiciais ao cidadão que a ela se socorre. Trata-se sim de acatar os comandos do constituinte derivado que, por razões já conhecidas, promoveu uma reforma no Poder Judiciário, da qual resultou o aumento incontestável da competência da Justiça Laboral, cujo alcance não pode e não deve ser restringido.

2. O direito de greve as as ações possessórias

Em momento anterior à EC n. 45/04 era habitual o aforamento perante a Justiça comum, pelos empregadores, de ações possessórias (interdito proibitório, manutenção e reintegração de posse) para evitar piquetes dentro ou na porta da empresa, ou mesmo no intuito de impedir ou reprimir o esbulho nas chamadas “greves de ocupação”.

As novas diretrizes constitucionais, no entanto, desenharam outro perfil às ações que contornam o movimento paredista:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
(...)

II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;”

Pois bem. É incontroverso que os atos que eventualmente venham a caracterizar uma agressão à posse do empregador seriam praticados em razão do exercício do direito de greve, cuja abusividade somente pode ser declarada pela Justiça Laboral (Súmula n. 189 do TST). Não teria sentido a Justiça do Trabalho reconhecer a legalidade do movimento paredista e o Judiciário Comum declarar a ilicitude de tais condutas, na medida em que lícito e ilícito são polos antagônicos.

A propósito, os participantes da greve não possuem animus domini. Não pretendem “usucapir” o bem do seu empregador. Não tencionam obrar benfeitorias e acessões, perceber os “frutos” da coisa e nem exercer o “direito de retenção”. Em suma, almejam o óbvio: o exercício do direito constitucional de greve, que pode ou não ser exercido abusivamente, como afirmado.

Assim, inquestionável a competência do Judiciário Trabalhista para dirimir eventuais contendas entre trabalhadores e empregadores que envolvam a prática de atos de agressão à posse destes, até porque tais condutas não são um fim em si mesmo, porém significam um meio para o exercício do movimento paredista, cuja legalidade, insista-se, há de ser perquirida na especializada.

Deveras, em semelhante conjuntura, as ações possessórias no foro trabalhista ganham um matiz especial: perdem o caráter essencialmente patrimonialista de que, em regra,2

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se revestem na jurisdição comum, para se confundirem com os próprios limites do direito de greve, pois a causa de pedir subjacente é uma questão estritamente trabalhista.

Felizmente, o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n. 579648/ MG, julgado em 10.9.2008, mais uma vez reiterando pronunciamentos anteriores no sentido de que “a determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil (Conflito de Jurisdição n. 6.959), bastando que a questão submetida à apreciação judicial decorra da relação de emprego”, deliberou que a ação de interdito proibitório, cuja causa de pedir decorre de movimento grevista, é da competência da Justiça do Trabalho:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL — COMPETÊNCIA JURISDICIONAL — JUSTIÇA DO TRABALHO X JUSTIÇA COMUM — AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO — MOVIMENTO GRE-VISTA — ACESSO DE FUNCIONÁRIOS E CLIENTES À AGÊNCIA BANCÁRIA: “PIQUETE” — ART. 114, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA — JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL — COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.
1. A determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil (Conflito de Jurisdição n. 6.959), bastando que a questão submetida à apreciação judicial decorra da relação de emprego.
2. Ação de interdito proibitório cuja causa de pedir decorre de movimento grevista, ainda que de forma preventiva.
3. O exercício do direito de greve respeita a relação de emprego, pelo que a Emenda Constitucional n. 45/2003 incluiu, expressamente, na competência da Justiça do Trabalho conhecer e julgar as ações dele decorrentes (art. 114, inciso II, da Constituição da República).
4. Recurso extraordinário conhecido e provido para fixar a competência da Justiça do Trabalho. (RE n. 579.648 , Relator(a) p/ Acórdão: Min. Cármen Lúcia, Julgamento:


10.9.2008 , Órgão Julgador: Tribunal Pleno, DJe-043 DIVULG 5.3.2009 PUBLIC
6.3.2009).”

Não obstante, mesmo após este entendimento ter sido acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça continua a se posicionar, em vários feitos e em especial nos Conflitos de Competência que lhes chegam à apreciação, no sentido de que o pedido em ação de interdito proibitório, para garantir o acesso a imóvel em que se localiza o bem do empregador, é de natureza civil e a competência para julgá-lo é da Justiça Estadual, como se lê do recente julgado proferido no AgRg no Agravo de Instrumento n. 801.134 — DF (2006/0154208-1).

A obstinação em preservar tal ponto de vista acaba por impor, em última instância, limitações ao direito de greve, na medida em que, como leciona Carolina Tupinambá,3 ao se referir às decisões do judiciário comum, as “liminares concedidas nas ações possessórias” servem como “poder de barganha aos empregadores, com prejuízo dos empregados”, pois estes, em casos tais, são praticamente “proibidos de se aproximarem da sede da empresa”.

Como se não bastasse o absurdo da tese acima exposta e a teimosia em fazê-la prevalecer, partindo da Justiça Estadual e para piorar as coisas, outra ameaça desponta no horizonte do direito de greve: trata-se da indevida utilização do Código de Defesa do Consumidor como instrumento para obstaculizá-lo.

Lamentavelmente, alguns membros do Ministério Público Estadual, com o beneplácito do judiciário respectivo, em greves envolvendo o sistema de transporte coletivo de ônibus, têm proposto ações civis públicas para fixação de percentuais mínimos de circulação da frota, fundadas especialmente na legislação consumerista e na regra da essencialidade do serviço. Por exemplo, na Comarca de Uberlândia (MG), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais,

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diante de movimento grevista dos trabalhadores em transporte coletivo, moveu Ação Cautelar Preparatória de Ação Civil Pública perante o juízo de 1º grau, a fim de que o sindicato dos motoristas4 colocasse à disposição da municipalidade e do sistema de trânsito municipal, até final da lide, o percentual mínimo de 40% da frota existente, sob pena de multa diária. Deferida a medida, o ente coletivo obreiro interpôs recurso, no qual, dentre outras arguições, suscitou a preliminar de incompetência absoluta do juízo estadual para o processamento da ação.

Entretanto, em 21.10.2008, nos autos do Agravo de Instrumento n. 1.0702.08.438320-8/001 da 6a Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o Relator, Des. Edilson Fernandes, rejeitou a preliminar referida e expressamente ressaltou, no seu voto, que não se tratava de hipótese de discussão do direito de greve (?):

“Ao contrário do que sustenta o agravante não se trata a espécie de discutir a legalidade do direito de greve dos trabalhadores em transportes coletivos urbanos de Uberlândia, mas sim tutelar a defesa da ordem jurídica e o direito difuso da coletividade, ainda que de maneira reduzida, de utilizar esse serviço essencial e indispensável, o que legitima reconhecer a competência da Justiça Comum Estadual.”

Ironicamente, porém, ao manter os termos da liminar, invocou o art. 11 da Lei n. 7.783/89 (Lei de Greve) para preservar-lhe os efeitos, além de demonstrar suas preocupações com os prejuízos financeiros (?!) acarretados pelo movimento paredista:

“Analisando o primeiro requisito (‘fumus boni iuris’), tem-se que o mesmo se faz presente, pois o serviço público de transporte coletivo não pode sofrer integral solução de continui-dade na sua prestação, pena de violar norma legal (art. 11, da Lei n. 7.783/89) em face da essencialidade desse serviço.

(...)

O deferimento da liminar também se justifica pela existência do perigo da demora decorrente da necessidade de resguardar, de forma emergencial e transitória, a permanência de no mínimo 40% da frota de veículos de transporte rodoviário prestando serviços à população, até que dê solução à situação de indefinição narrada na peça vestibular, minimizando, assim, os prejuízos financeiros e transtornos provocados pelo movimento paredista consoante informam as declarações de f. 270/279-TJ.” (grifou-se).

Se as portas dos interditos possessórios se fecharam à Justiça Comum no particular...

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