As potências do cinema

AutorAndré Piazera Zacchi
CargoDoutorando do Curso de Pós-Graduação em Literatura da UFSC
Páginas113-128
doi:10.5007/1984-784X.2015v15n24p113
113
|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 15, n. 24, p. 113-128, 2015|
AS POTÊNCIAS DO CINEMA
André Piazera Zacchi
UFSC/CAPES
RESUMO: O cinema, segundo Jacques Rancière, é uma multiplicidade de conceitos que, sob o
mesmo nome, permite estabelecer um espaço de pensamento. A distância entre um conceito e outro
é o que separa, mas também o que propõe uma relação. Entre cinema e política há também
distâncias, intervalos, desvios, abordados pelo autor em As distâncias do cinema (Les écarts du
cinema). Walter Benjamin defendia certas potências progressivas do cinema, mas reconhecia seus
usos fascistas. Jacques Rancière reencontra nas distâncias uma possibilidade, não do cinema em
geral, mas de cada filme, ter ainda uma força política. Essa força, para ambos, está na tensão
dialética da imagem, ou seja, na sua capacidade de suspensão de discursos, de juízos, de síntese.
PALAVRAS-CHAVE: Cinema. Política. Rancière.
CINEMA POTENCIES
ABSTRACT: Cinema, according to Jacques Rancière, is a multiplicity of concepts that, under the same
name, can establish a space of thought. The distance between one concept and another is what
separates, but also proposes a relation. Between cinema and politics there are distances, intervals,
detours, discussed by the author in Interval s of cinema (Les écarts du cinema). Walter Benjamin used
to defend some progressive potencies of cinema, but recognized its fascist uses. Jacques Rancière
rediscovers a possibility of the distances, not from cinema in general, but from each film, still having
a political force. This force, for both authors, is in the dialectic tension of image, in its ability to
suspend speeches, judgments, synthesis.
KEYWORDS: Cinema. Politics. Rancière.
André Piazera Zacchi é Doutorando do Curso de Pós-Graduação em Literatura da UFSC.
doi:10.5007/1984-784X.2015v15n24p113
114
|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 15, n. 24, p. 113-128, 2015|
AS POTÊNCIAS DO CINEMA
André Piazera Zacchi
O ensaio de Walter Benjamin sobre a obra de arte1, quase 40 anos após a
invenção do cinematógrafo, ainda compartilhava as esperanças depositadas
no cinema em seus primórdios, uma arte das massas, capaz de ser politica-
mente ativa e emancipadora. Entretanto, ainda no mesmo ensaio, diagnostica
usos fascistas do aparelho, suas apropriações contrarrevolucionárias. Essa des-
confiança fica mais evidente no ensaio de 1938, descoberto por Giorgio
Agamben em 1982 e publicado na Itália recentemente, em 2012, Was Ist
Aura? (O que é aura?).2 Neste, Benjamin coloca o cinema como expediente
que permite à burguesia lançar seu olhar às classes populares sem ser olhada
de volta, ou seja, uma técnica capaz de também de anestesiar a força do olhar
proletário devolvido à classe dominante. Jacques Rancière, depois de encer-
rado o c. XX, com o benefício do olhar retrospectivo, testa ainda a validade
de algumas teses benjaminianas, defendendo que “não existe política do ci-
nema”.3 Sua contribuição decisiva para o debate é que o filme, sim, pode ter
contundência política, mas não por um discurso político que porventura as-
suma, por contar a história de uma greve ou de casos de exploração do traba-
lho, e nem simplesmente por assumir uma forma de ruptura com a narrativa
tradicional hollywoodiana, hipoteticamente transparente, mas especialmente
pela capacidade do filme de fazer entrar em relação o visível com o dizível,
pelo jogo de expectativas, concretizações e frustrações que a narrativa impõe,
por estender ou encurtar espaçamentos, acelerar ou retardar o tempo. E mais,
pela capacidade do leitor, do crítico, de fazer essas relações jogarem no
campo da política, da estética, de estender a dialética que está nas imagens
para um lugar (e um tempo) onde e quando possam rearranjar os lugares
1 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e
técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo
Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 165 e ss.
2 Idem, Charles Baudelaire. Un poeta lirico nell’età del capitalismo avanzato. A cura di Giorgio
Agamben, Barbara Chitussi, Clemens-Carl Härle. Vicenza: Neri Pozza, 2012.
3 RANCIÈRE, Jacques. As distâncias do cinema. Trad. Estela dos Santos Abreu. Org. Tadeu
Capistrano. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. p. 121.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT