As partes no processo de execução (ii)
Autor | Humberto theodoro júnior |
Ocupação do Autor | desembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito |
Páginas | 103-128 |
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O art. 7791do novo Código indica quem pode ser sujeito passivo da execução, arrolando:
I - o devedor, reconhecido como tal no título executivo;
II - o espólio, os herdeiros ou os sucessores do devedor;
III - o novo devedor que assumiu, com o consentimento do credor, a obrigação resultante do título executivo;
IV - o fiador do débito constante em título extrajudicial;
V - o responsável tributário, assim definido em lei.
Dentro da sistemática do Código, a legitimação passiva pode ser dividida em:
-
devedores originários, segundo a relação obrigacional de direito substancial: "devedores" definidos pelo próprio título;
-
sucessores do devedor originário: espólio, herdeiros ou sucessores, bem como o "novo devedor";
-
apenas responsáveis (e não obrigados pela dívida): o "fiador do débito" e o "responsável tributário".
Os sucessores, a título universal, praticamente ocupam o mesmo lugar do devedor primitivo e com ele se confundem na qualidade jurídica.
Quanto à última espécie de sujeitos passivos da execução, decorre ela da moderna distinção, que juridicamente se faz entre "dívida" e "responsabilidade".2
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Sabe-se que o devedor, embora vinculado à obrigação, não pode ser física e corporalmente compelido a cumpri-la. Mas seu patrimônio fica sempre sujeito a sofrer a ação do credor, caso o crédito não seja devidamente satisfeito.
Nota-se, destarte, um desdobramento da obrigação em dois elementos distintos:
-
um de caráter pessoal, que é a dívida (Schuld); e b) outro de caráter patrimonial que é a responsabilidade (Haftung) e que se traduz na sujeição do patrimônio a sofrer a sanção civil.
Para o credor, os dois elementos passivos da obrigação (dívida e responsabilidade) correspondem a dois direitos distintos: a) direito à prestação, que se satisfaz pelo cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor; e b) direito de garantia ou de execução, que se satisfaz mediante intervenção estatal, por meio da execução forçada.3Do lado passivo, normalmente os dois elementos se reúnem numa só pessoa, o devedor, e é certo que não pode existir dívida sem responsabilidade. Mas, o contrário é perfeitamente possível, pois uma pessoa pode sujeitar seu patrimônio ao cumprimento de uma obrigação sem ser o devedor.
É o que se passa, por exemplo, com o fiador, diante da dívida do executado, ou com o sócio solidário diante da dívida da sociedade: "o devedor é um, o responsável é outro".4A propósito, o Código Civil Português (de 1966), em seu art. 818, regulava expressamente essa situação, dispondo que "o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objeto de ato praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado".
A norma é completada pelo art. 735 do novo CPC lusitano (de 2013), onde se afirma, no nº 1, que "estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda". No nº 2 se acrescenta que "nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele".
Tem-se, aí, a consagração legal evidente da dissociação dos elementos da obrigação, ou seja, a dívida e a responsabilidade.
Há, portanto, profunda diferença de natureza jurídica entre a relação que vincula o devedor ao credor - que é de direito material - e a relação que sujeita o responsável ao juízo de execução - que é de direito processual. Enquanto na primeira existe obrigação, na segunda há sujeição. Assim, os bens do responsável (devedor ou não) sofrem os efeitos da execução em virtude de sujeição inerente à relação de direito processual, que torna os bens do mesmo responsável destinados à satisfação compulsória do direito do credor.5
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Para início da execução forçada, sempre que o responsável não for o primitivo obrigado, terá o credor que provar a responsabilidade do executado initio litis, já que o processo de execução não apresenta, em seu curso, fase probatória, e só pode ser aberto mediante demonstração prévia de direito líquido, certo e exigível do promovente contra o executado.
Observe-se, por último, que o sujeito passivo da execução, para comparecer em juízo, tem de satisfazer os pressupostos processuais comuns, isto é, deve ser capaz ou estar legalmente representado ou assistido, e ainda atuar por meio de advogado.
O primeiro legitimado passivo para a execução forçada, segundo o art. 779, I,6 do NCPC é "o devedor, reconhecido como tal no título executivo".
Se se trata de execução de sentença, o executado será o vencido no processo de conhecimento e sua identificação far-se-á pela simples leitura do decisório exequendo. Convém lembrar, todavia, que não apenas o réu pode ser vencido, pois também o autor, quando decai de seu pedido, é condenado aos efeitos da sucumbência (custas e honorários advocatícios), assumindo, assim, a posição de vencido e sujeitando-se à execução forçada, sob a modalidade de cumprimento de sentença (NCPC, art. 513).7Também o opoente (art. 682),8o denunciado à lide (art. 125),9bem como o chamado ao processo (art. 130),10quando integrados à relação processual e vencidos, são partes legítimas para sofrerem a execução forçada, de acordo com o teor do título executivo judicial (sentença condenatória).
Da mesma forma, se a execução for de título extrajudicial, será sempre legitimado passivo aquele que figurar no documento negocial como devedor.
Pode, no entanto, haver mutações na responsabilidade pela dívida, após a corporificação da obrigação no título seja judicial ou não. É o que passaremos a ver nos itens seguintes.
46.1. O devedor em regime de recuperação judicial
O STJ, interpretando o alcance da eficácia da recuperação judicial sobre a inexigibilidade dos títulos executivos do empresário em dificuldade de solvência (Lei nº 11.101/2005), fixou o entendimento no sentido de que "o deferimento do pedido de recuperação judicial não obsta o prosseguimento de eventual execução movida
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em face de seus respectivos avalistas, tendo em vista o caráter autônomo da garantia cambiária oferecida".11Em outros termos, o que prevalece é justamente o art. 49, § 1º, da Lei nº 11.101/2005, que "prevê que os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (REsp nº 1.333.349/SP, DJe 02/02/2015)".12Nos termos do art. 6º da referida Lei, a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial acarretam a suspensão das execuções singulares movidas contra a empresa devedora e seus sócios solidários. Essa regra não se estende, portanto, aos cotistas eventualmente coobrigados pela dívida da sociedade, cujas execuções prosseguirão normalmente.1347. Sucessores
A morte é o fim natural e obrigatório da pessoa humana e com ela extingue-se a personalidade e a capacidade jurídica, transmitindo-se direitos e obrigações do defunto aos sucessores legais.
I - Espólio
Enquanto não se ultima a partilha e não se fixa a parcela dos bens que tocará a cada herdeiro ou sucessor, o patrimônio do de cujus apresenta-se como uma universalidade que, embora não possua personalidade jurídica, é tida como uma unidade suscetível de estar em juízo, ativa e passivamente.
Daí o disposto no art. 796, do NCPC,14onde se lê que "o espólio responde pelas dívidas do falecido".
Sobre a representação processual do espólio, o assunto foi largamente tratado quando se abordou a legitimação ativa e nada há de se acrescentar (item 33, retro).
II - Herdeiros
Ultimada a partilha, desaparece a figura da herança ou espólio, como massa indivisa, e cada herdeiro só responderá pelas dívidas do finado "dentro das forças da herança e na proporção da parte que lhe coube" (art. 796)15.
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Embora o herdeiro suceda automaticamente ao defunto nas relações ativas e passivas, seus patrimônios não se confundem. Por isso, "se a execução não tiver começado ao tempo da sucessão, enquanto o herdeiro não tenha aceitado a herança não poderá incidir execução em seus bens pessoais por obrigação da herança, nem tampouco executar nesta obrigação do herdeiro".16Mesmo depois de aceita a herança, em homenagem ao princípio de que o patrimônio de terceiro não está sujeito à execução, a penhora por dívida do de cujus só deve alcançar os bens que o herdeiro "tenha recebido do autor da herança",17salvo, naturalmente, se tiver ocorrido alienação, hipótese em que serão alcançados outros bens do sucessor até a proporção da cota hereditária.
Se a execução já estiver em curso quando ocorrer o óbito do devedor, sua substituição pelo espólio ou pelos sucessores dar-se-á pela habilitação incidente, com observância dos arts. 11018e 687 a 692,19do NCPC, suspendendo-se o processo pelo prazo necessário à citação dos interessados (art. 313, I e § 1º).20Ocorrendo a morte antes do início da execução, esta será ajuizada diretamente contra espólio, representado pelo inventariante, se não houver partilha e se a inventariança não for dativa; ou contra os herdeiros, se o inventariante for dativo ou se já existir partilha. Se ainda não tiver sido partilhada a herança, os herdeiros figurarão no processo como representantes do espólio, e não como devedores diretos da obrigação exequenda. Responderão pela execução, in casu, apenas os bens integrantes da massa hereditária.
III - Sucessores causa mortis e inter vivos
O art. 779, II, do NCPC, indica, para o caso de falecimento do devedor, a legitimidade passiva do espólio, dos herdeiros ou sucessores.
Como já se explicou, no exame da legitimação ativa, cujos ensinamentos se aplicam...
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