As nuances da responsabilidade civil do estado em matéria ambiental frente aos danos decorrentes de impactos provocados por fenômenos naturais

AutorHenrique Rosmaninho Alves - Elcio Nacur Rezende
CargoMestre em Direito Ambiental pela Escola Superior Dom Helder Câmara - Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
Páginas81-113
Rev. direitos fundam. democ., v. 19, n. 19, p. 81-113, jan./jun. 2016.
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
AS NUANCES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM MATÉRIA
AMBIENTAL FRENTE AOS DANOS DECORRENTES DE IMPACTOS
PROVOCADOS POR FENÔMENOS NATURAIS
NUANCES OF THE STATE’S LIABILITY IN ENVIRONMENTAL MATTER FRONT THE
NATURAL PHENOMENA'S DAMAGE
Henrique Rosmaninho Alves
Mestre em Direito Ambiental pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Graduado em Direito
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor das disciplinas Direito
Ambiental e Direito Imobiliário no Instituto Minas de Educação e Cultura. Advogado.
Elcio Nacur Rezende
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre e Doutor em Direito
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor do Programa de Pós-
graduação strictu sensu da Escola Superior Dom Helder Câmara. Editor da revista Veredas do
Direito. Procurador da Fazenda Nacional.
Resumo
Apresenta-se como problema a ser resolvido pelo presente estudo a
(im)possibilidade de responsabilização do Estado pelos danos sofridos
pelos administrados, provocados por fenômenos naturais. Em
decorrência da responsabilidade civil objetiva adotada pela
Constituição da República no que tange à atuação estatal e ao meio
ambiente, adotou-se como hipótese a possibilidade do Estado ser
responsável civilmente pelos danos provocados por eventos naturais
independentemente de culpa. Trata-se de um estudo jurídico-teórico
no qual predominaram pesquisas bibliográficas e a análise das
normas de gestão de riscos de desastres e ordenação urbanística.
Adota-se como marco teórico a concepção de gestão de riscos de
desastres de Delton Winter de Carvalho e Fernanda Libera
Damacena, e a noção de responsabilidade civil de Clarisse Ferreira
Jardim, Sergio Cavalieri Filho, José Rubens Morato Leite e Patryck
Ayala. A responsabilização estatal apresenta como uma de suas
características a compensação dos afetados pelos danos suportados,
fator imprescindível para que os atingidos possam reestruturar-se e
lograr novamente o acesso aos direitos fundamentais obstaculizados
pelo evento adverso, entre os quais o Direito Fundamental ao Meio
Ambiente Ecologicamente Equilibrado, imprescindível para a
concretização da dignidade humana, e, consequentemente, o gozo de
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uma vida plena. Acredita-se que o presente estudo pode contribuir
efetivamente para a comunidade acadêmica, por versar sobre tema
pouco explorado e para a sociedade em geral, por buscar a resolução
de um problema que afeta grande parcela da população nos seus
direitos mais essenciais, como os direitos fundamentais à saúde,
moradia e meio ambiente, ordinariamente afetados pelo impacto de
fenômenos naturais.
Palavras-chave: Desastres Naturais. Responsabilidade Civil. Dano
Ambiental.
Abstract
The present study aim to discuss the (im)possibility of the
accountability of the State by the damages caused by natural
phenomena to the civil user. Due to the liability adopted by the
Brazilian Constitution, which regards to State’s action and the
environment, it is adopted as a hypothesis the possibility of the State
being civilly charged by the damage of natural disasters regardless of
fault. This study adopts a legal-theoretical approach in which were
done the revision of the literature that concerns to the Environmental
Law and Liability, the analysis of the official data from the Civil
Defense department, the standards about environmental protection,
risk and disaster management, and urban planning. Is adopted as a
theoretical framework the national Law Nº 10.257/2001 and Law
12.608/2012, the approach of management of the risk and disaster by
Delton Winter de Carvalho and Fernanda Dalla Libera Damacena, and
the idea of liability proposed by Clarisse Ferreira Jardim, Sergio
Cavalieri Filho, José Rubens Morato Leite, Patryck Ayala, and Delton
Winter de Carvalho. Is considered that the present study can
effectively contribute to the academic community since it discuss a
non-widely study topic and aim to find resolution to problem that
affects part of the society’s basic rights.
Keywords: Natural Disasters; Liability; Environmental Damage.
1 INTRODUÇÃO
Os danos ambientais resultantes de fenômenos naturais vêm crescendo
paulatinamente nos últimos anos no Brasil conforme se verifica da análise do Atlas
Brasileiro de Desastres Naturais 1991-2010 (disponível em:
) e dos Anuários Brasileiros de
Desastres Naturais de 2011 e 2012 (disponível em:
945d-649626acf790&groupId=185960> e
3.pdf>). Diante desse cenário de degradação é imprescindível verificar a
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responsabilidade estatal, visto que o Estado tem por dever a proteção e preservação
do meio ambiente e a garantia de uma vida digna aos seus administrados, nos termos
do artigo 225 da Constituição, ao passo que também é portador de maiores recursos
que se aplicados podem diminuir os encargos dos atingidos.
Busca-se ao longo do texto identificar se em casos de danos ambientais
(patrimoniais e extrapatrimoniais) provocados pelos impactos de fenômenos naturais,
configurar-se-á a responsabilidade civil do Estado e de que modo essa
responsabilidade se dará.
Trata-se de um estudo jurídico-teórico no qual foram investigados os aspectos
da responsabilidade civil do Estado em casos de danos provocados por desastres
naturais. Investigou-se quais são os deveres legais de atuação do Estado no intuito de
minimizar a vulnerabilidade a eventos naturais e qual a relação entre a omissão estatal
e a concretização do dano, para então adentrar nos aspectos jurídicos e práticos da
responsabilidade civil do Estado em matéria ambiental. Predominaram os estudos
bibliográficos, relativos à doutrina de Direito Ambiental e Responsabilidade Civil e a
análise de dados dos órgãos oficiais de defesa civil.
Adota-se como marco teórico as Leis 10.257/2001 e 12.608/2012, a concepção
de gestão de riscos de Delton Winter de Carvalho e Fernanda Dalla Libera Damacena,
e a noção de responsabilidade civil dos autores Clarisse Ferreira Jardim, Sergio
Cavalieri Filho, José Rubens Morato Leite, Patryck Ayala e Delton Winter de Carvalho.
A fim de proporcionar maior clareza de raciocínio dividiu-se o presente estudo
em 5 capítulos.
O primeiro capítulo destina-se a demonstrar como os desastres naturais
podem ser causas de danos socioambientais. Nesse momento apresentam-se os tipos
de fenômenos naturais ensejadores de danos mais frequentes no Brasil e no mundo e
quais são as espécies de danos mais comuns no país.
No segundo momento busca-se expor quais são os deveres estatais relativos à
prevenção de desastres. Para tanto, aborda-se no segundo capítulo as competências
constitucionais dos entes federados em matéria ambiental e urbanística, para
posteriormente, no terceiro capítulo identificar quais são os deveres específicos
(presentes nas leis nº 10.257/2001 e 12.608/2012) de atuação do Estado na gestão de
riscos de desastres naturais.
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O quarto capítulo versa sobre responsabilidade civil, iniciando com uma
introdução aos aspectos gerais do tema, para posteriormente discutir-se os pontos
mais polêmicos do instituto.
No derradeiro capítulo menciona-se as interferências dos princípios da
precaução e da prevenção em matéria de responsabilidade civil do Estado em casos
de desastres naturais.
O estudo reveste-se de grande relevância principalmente porque os direitos
afetados pelos desastres naturais, via de regra, encontram-se no rol dos direitos
fundamentais, indispensáveis para o gozo de uma vida boa e plena. O direito à saúde,
à integridade física, à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado são
alguns dos direitos afetados pelos impactos de fenômenos naturais intensos previstos
constitucionalmente que são imprescindíveis para a concretização da dignidade
humana.
Acredita-se que o presente estudo possa trazer importantes contribuições para
a comunidade acadêmica, ao passo que, ao vincular-se com uma abordagem crítica e
minuciosa dos direitos fundamentais realizada pela Revista Direitos Fundamentais e
Democracia, proporcionará aos leitores o acesso a diferentes perspectivas e
inovadoras idéias de concretização de tais direitos, formuladas pelos mais capacitados
autores do país.
Diversos direitos fundamentais são habitualmente rigorosamente afetados em
cenários de desastre natural e o intercâmbio de informações constitui-se em uma
importante ferramenta para otimizar a prevenção e aumentar a resiliência nas áreas
vulneráveis.
Destaca-se ainda que como não como esgota o tema, a investigação deixa
espaço para futuras observações acerca de pontos cruciais da responsabilização do
Estado por danos oriundos dos impactos de fenômenos naturais, e devido ao fato de
versar sobre assunto ainda pouco debatido, traz concepções novas para o meio
acadêmico e instiga a formulação de novas pesquisas sobre o tema.
2 OS DESASTRES NATURAIS COMO A CAUSA DE DANOS SOCIOAMBIENTAIS
Os desastres naturais são responsáveis anualmente por consideráveis
prejuízos para a humanidade, que subdividem-se em danos patrimoniais (destruição de
residências por deslizamentos, por ex.) e extrapatrimoniais (óbitos, enfermidades,
ferimentos leves e graves, por ex.).
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A elevação da incidência de desastre naturais em todo o planeta fez com que o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD os elencasse no
Relatório de Desenvolvimento Humano 2014 como uma das seis principais ameaças
ao desenvolvimento. (disponível em:
)
No Brasil o Decreto 7.257/2010 definiu desastres em seu artigo 2º, inciso II,
como “resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre um
ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais ou ambientais e
consequentes prejuízos econômicos e sociais”. (BRASIL, 2010)
O Instituto de Pesquisas Espaciais conceituou desastres naturais como “o
resultado de eventos adversos que causam grandes impactos na sociedade [...] são
causados pelo impacto de um fenômeno natural de grande intensidade sobre uma área
ou região povoada, podendo ou não ser agravado pelas atividades antrópicas”.
(BRASIL, 2007, p.5)
O Ministério da Integração, na Política Nacional de Defesa Civil de 2007
determinou que os desastres naturais “são aqueles provocados por fenômenos e
desequilíbrios da natureza. São produzidos por fatores de origem externa que atuam
independentemente da ação humana.” (BRASÍLIA, 2007, p.40 Disponível em:
8f47-147552c57f94&groupId=10157>).
Diversos fenômenos naturais podem ser responsáveis por impactos que
resultem em danos materiais, humanos e ambientais, como as enchentes, terremotos,
avalanches, seca, deslizamentos de terra, tsunamis, furacões, erupções vulcânicas,
vendavais, entre outros.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais catalogou os tipos de fenômenos
naturais mais recorrentes em todos os continentes e no Brasil:
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Gráfico 1 Distribuição por continente dos desastres naturais ocorridos no
globo (1900-2006)
Legenda: IN inundação, ES escorregamento, TE tempestade, SE seca,
TX temperatura extrema, IF incêndio florestal, VU vulcanismo, TR
terremoto e RE - ressaca.
Fonte: (BRASIL, 2007, p.7)
Gráfico 2 Tipos de Desastres Naturais ocorridos no Brasil (1900-2006)
Legenda: IN inundação, ES escorregamento, TE tempestade, SE seca,
TX temperatura extrema, IF incêndio florestal, TR terremoto.
Fonte: (BRASIL, 2007, p.8)
Percebe-se pela leitura do gráfico 2 que as inundações, escorregamentos de
terra e tempestades são os eventos naturais responsáveis por desastres mais
recorrentes no Brasil.
Os fenômenos naturais devido à sua força e imprevisibilidade (muito mitigada
pelo avanço tecnológico) possuem grande poder de destruição, ocasionando os mais
variados danos à população.
O Ministério da Integração, por intermédio do Centro Nacional de
Gerenciamento de Riscos e Desastres elaborou o Anuário Brasileiro de Desastres
Naturais relativos aos anos de 2011 e 2012, em que se verificaram quais são os
fenômenos naturais responsáveis pelos maiores danos à população brasileira.
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Tabela 1: Danos Humanos por Tipo de Evento de Desastre - 2011
Fonte: (BRASIL, 2012, p.33)
Tabela 2: Danos Humanos por tipo de Evento de Desastre 2012
Fonte: (BRASIL, 2013, p.33)
Nota-se pela análise das tabelas dos Anuários Brasileiros de Desastres
Naturais de 2011 e de 2012 que os fenômenos naturais causadores de maiores danos
à sociedade são as inundações, enxurradas e deslizamentos de terra/movimentos de
massa. Apenas no que tange aos óbitos e aos desabrigados, no biênio 2011/2012 as
inundações foram responsáveis por 93 óbitos e 101.685 desabrigados, as enxurradas
foram responsáveis por 544 óbitos e 101.601 desabrigados e os deslizamentos de
terra/movimentos de massa foram responsáveis por 498 óbitos e 8.357 desabrigados.
que se mencionar que os danos provocados por fenômenos naturais são
potencializados por alguns fatores antrópicos, que aumentam a vulnerabilidade de um
determinado local ou comunidade aos impactos resultantes dos mesmos.
Delton Winter de Carvalho e Fernanda Dalla Libera Damacena citam 5 fatores
de potencialização dos riscos e custos dos desastres na sociedade contemporânea,
quais sejam: condições econômicas modernas; mudanças climáticas; destruição de
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infraestrutura verde e construída; crescimento populacional e tendência demográfica; e
decisões acerca da ocupação do solo. (CARVALHO; DAMACENA, 2013, p.47)
Em estudo denominado “Mapa mental das enchentes urbanas” a Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ identificou como os maiores responsáveis
por tais fenômenos a impermeabilização do solo e a disposição inadequada de
resíduos sólidos, o que se encaixa na destruição da infraestrutura verde, citada por
Carvalho e Damascena. (UFRRJ, 2014)
É notório que a destruição das infraestruturas verdes e construídas, as
mudanças climáticas e as decisões acerca da ocupação do solo são matérias de nítido
caráter ambiental (destruição das infraestruturas verdes e mudanças climáticas) e
urbanístico (destruição das infraestruturas construídas e decisões acerca da ocupação
do solo), o que demonstra a necessidade de se conhecer as competências do poder
público nessas esferas para a averiguação de eventual responsabilização pelos danos
ocorridos em desastres naturais.
2.1 A relação entre a urbanização brasileira e a vulnerabilidade socioambiental
dos centros urbanos
A urbanização brasileira ocorreu em um curto período de tempo e foi marcada
por uma grande explosão demográfica.
Conforme ensinamentos de Milton Santos, em 1940 a população total do Brasil
era de 41.326.000 habitantes, sendo que 26,35% desses residiam em áreas urbanas.
Nos cinquenta anos posteriores a população total do país triplicou, enquanto a
população urbana aumentou mais de 7 vezes de tamanho. (SANTOS, 2005, p.32)
O grande aumento da população urbana, todavia não foi acompanhado de
políticas públicas de habitação e saneamento básico, o que resultou em ocupações
irregulares em encostas de morros, beiras de rios e estradas e loteamentos
clandestinos, todos desprovidos de serviços básicos como energia elétrica,
calçamento, entre outros, que desencadearam no fenômeno conhecido como
favelização.
Luiz Paulo Conde afirma que “a ausência do poder público, extremamente
burocratizado e elitizado contribuiu para estimular o processo de favelização das
cidades”. (CONDE, 1992, p.15)
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De fato a população de baixa renda, desprovida de recursos para adquirir sua
casa própria, na busca desesperada por moradia se instalou em locais vulneráveis às
intempéries da natureza, grande parte das vezes distantes dos bairros centrais
providos de infraestrutura, mas capazes de possibilitar mão de obra para as cidades, o
que atendia o interesse da elite, que possuía oferta de mão de obra barata e não tinha
que habitar próxima aos seus empregados.
Nesse sentido Raquel Rolnik defende a existência de um apartheid que dividiu
as cidades brasileiras em centro e periferias. Aduz a autora que:
O “centro” é o ambiente dotado de infraestrutura completa, onde estão
concentrados o comércio, os serviços e os equipamentos culturais; e onde
todas as residências de nossa diminuta classe média têm escritura
devidamente registrada em cartório. a “periferia” é o lugar feito
exclusivamente de moradias de pobres, precárias, eternamente inacabadas, e
cujos habitantes raramente têm documentos de propriedade. (ROLNIK, 1997,
p.200-201)
Importa mencionar que embora muitos autores atribuam a desorganização da
urbanização brasileira à ausência de planejamento do poder público, Raquel Rolnik e
Edésio Fernandes afirmam que foi justamente esse planejamento o grande
responsável pelo modo como ela transcorreu:
São usuais, nos momentos em que voltam à mídia os dramas da “periferia” e
das “favelas”, as análises que culpam o Estado por não ter planejado, por não
ter políticas habitacionais ou mesmo por ter “se ausentado”. Entretanto é
flagrante o quanto o planejamento, a política habitacional e de gestão do
solo urbano tem contribuído para construir este modelo de exclusão
territorial. (ROLNIK, 1997, p.200-201, grifo nosso)
Aqueles municípios que fizeram algum esforço de planejamento urbano
fizeram-no de forma a desconsiderar as realidades socioeconômicas das
cidades, reservando para os pobres os lugares fora das áreas do mercado, tais
como áreas públicas ou ambientalmente inadequadas à presença humana.
(FERNANDES, 2006, p.17)
Mariza Rios assevera que em razão de existirem pessoas que moram em
locais perigosos, como encostas e beira de rios, “o advento do período pluvial é
preocupante em várias regiões. Deixa sem dormir várias famílias e acaba sepultando,
em pleno século XXI, inúmeras pessoas.” (RIOS, 2012, p.124)
Indubitavelmente o processo de urbanização brasileiro proporcionou a
exposição da população dos grandes centros (especialmente a população com poder
aquisitivo) a riscos de desastres naturais, que conforme mencionado supra vem se
concretizando nos últimos anos e provocando vultuosos danos materiais e humanos à
população.
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3 COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DO ESTADO EM MATÉRIA AMBIENTAL E
URBANÍSTICA
A Constituição da República de 1988 estabeleceu uma série de competências
em matéria ambiental e urbanística a serem exercidas pelo Estado, por meio dos entes
federados.
Ressalte-se o caput do artigo 225 o qual impõe ao Poder Público e à
coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente
equilibrado para as presentes e futuras gerações.
Nota-se que o poder público citado no caput do artigo 225 engloba todos os
entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), os três poderes
(judiciário, legislativo e executivo), as autarquias, empresas públicas, entre outros.
O dever de proteger o meio ambiente possui intrínseca relação com os
desastres naturais, ao passo que a destruição das infraestruturas verdes e as
mudanças climáticas (alteração do meio ambiente natural) são fatores de
vulnerabilização das comunidades aos impactos provenientes de fenômenos naturais.
No que tange ao meio ambiente a CR/88 determina, no que se refere à
competência legislativa, que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da
natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e
controle da poluição; proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e
paisagístico; responsabilidade por dano ao meio ambiente; e ao Município legislar
sobre assuntos de interesse local (art.24, VI, VII, VIII e art.30, I da CR/1988).
Com relação à competência administrativa, a CR/88 atribui competência
comum a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para proteger bens
de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e
os sítios arqueológicos; proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer
de suas formas; preservar as florestas, a fauna e a flora (art.23, III, VI e VII da
CR/1988).
As florestas, mangues, matas ciliares, topos de morros, áreas
permeáveis, vegetações de encostas de morros são infraestruturas naturais que
prestam serviços ecossistêmicos à comunidade que mitigam os riscos de desastres
naturais. A proteção do meio ambiente, combate a poluição e preservação da flora são
competências de todos os entes federados, que se não observadas resultarão na
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destruição das infraestruturas naturais e em mudanças climáticas que favorecerão
exponencialmente a ocorrência de desastres. Referidos entes federados, se
comprovado que a destruição das infraestruturas naturais contribuiu para a ocorrência
de um desastre natural, deverão ser responsabilizados civilmente, em respeito ao
disposto nos artigos 225, §3º e 37, §6º.
Relativamente à matéria urbanística indubitavelmente foi o Município o
eleito pela CR/88 para deter as maiores competências. O artigo 30, inciso VIII
determina que compete ao Município a promoção do adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano. O artigo 182 estabelece que a política de desenvolvimento urbano, executada
pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei têm por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar
de seus habitantes.
Quando os responsáveis pela ocorrência de desastres naturais forem
justamente fatores urbanísticos como a desordenada ocupação do solo, indispensável
será a responsabilização do ente municipal, visto que a esse cabe promover o
adequado ordenamento do solo urbano de modo a proporcionar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem estar de seus habitantes, o
que não coaduna com a exposição a riscos de morte e de danos patrimoniais.
4 DEVERES DO ESTADO NA ORDENAÇÃO DO TERRITÓRIO URBANO E NA
PREVENÇÃO DE DESASTRES NATURAIS
A Constituição da República de 1988 atribuiu algumas competências ao Estado
no que concerne à ordenação do território urbano, principalmente à União e aos
Municípios em seus artigos 21, IV e 182.
A legislação infraconstitucional encarregou-se de delimitar os deveres do
Estado na ordenação do território urbano e na prevenção de desastres naturais, mais
precisamente na Lei 10.257/2001, vulgarmente conhecida como Estatuto da Cidade
e na Lei nº 12.608/2012 que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil
PNPDEC.
O Estatuto da Cidade estabelece como diretrizes da política urbana o
planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população
e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de
modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos
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sobre o meio ambiente (efeitos negativos esses dentre os quais se destacam a criação
de áreas potencialmente sujeitas a risco de desastres naturais e o aumento da
vulnerabilidade das áreas de risco existentes). Determina também a ordenação e
controle do uso do solo, de forma a evitar a exposição da população a riscos de
desastres; a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e
construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico, o que
se concretizado manteria os serviços ecossistêmicos das infraestruturas naturais
existentes e consequentemente minimizaria o potencial destruidor dos impactos
oriundos dos fenômenos naturais.
A lei 10.257/2001 atribuiu a União a competência para, entre outros assuntos
de interesse da política urbana, “legislar sobre normas gerais de direito urbanístico;
legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios em relação à política urbana, tendo em vista o equilíbrio do
desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional; promover, por iniciativa própria e
em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, programas de
construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento
sico; instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,
saneamento básico e transportes urbanos; elaborar e executar planos nacionais e
regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”.
(BRASIL, 2001)
No que tange à atuação municipal na ordenação do território urbano, o
Estatuto das Cidades reitera a Constituição da República ao determinar ao Município a
elaboração do Plano Diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento e
expansão urbana.
A Lei 12.608/2012 alterou o Estatuto da Cidade e incluiu a obrigatoriedade do
plano diretor para as cidades incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas
suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou
processos geológicos ou hidrológicos correlatos. O plano diretor das cidades incluídas
no cadastro em tela devera conter “mapeamento contendo as áreas suscetíveis à
ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos
geológicos ou hidrológicos correlatos; planejamento de ações de intervenção
preventiva e realocação de população de áreas de risco de desastre; medidas de
drenagem urbana necessárias à prevenção e à mitigação de impactos de desastres;
identificação e diretrizes para a preservação e ocupação das áreas verdes municipais,
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quando for o caso, com vistas à redução da impermeabilização das cidades”. (BRASIL,
2012)
Nota-se a preocupação com a manutenção das infraestruturas naturais, no
caso com a permeabilidade do solo.
No artigo 42-B o Estatuto da Cidade determina aos municípios que
pretenderem expandir seu perímetro urbano, que delimitem os trechos com restrições
à urbanização e os trechos sujeitos a controle especial em função de ameaça de
desastres naturais, mais uma medida municipal a fim de prevenir futuros riscos.
A Lei 12.608/2012 vulgarmente conhecida como Lei da Política Nacional de
Proteção e Defesa Civil inovou o ordenamento jurídico brasileiro aos inserir regras
específicas sobre gestão de desastres. Determina referida lei que é dever da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios adotar as medidas necessárias à
redução dos riscos de desastre, sendo que a incerteza quanto ao risco de desastre não
constituirá óbice para a adoção das medidas preventivas e mitigadoras da situação de
risco. Percebe-se claramente a opção pelo princípio da precaução pela legislação em
análise.
A PNPDEC abrange as ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta
e recuperação voltadas à proteção e defesa civil, havendo, no entanto, a opção pela
prioridade às ações preventivas relacionadas à minimização de desastres.
Os objetivos da PNPDEC são elencados no artigo 5º, incisos I a XV, quais
sejam:
I - reduzir os riscos de desastres;
II - prestar socorro e assistência às populações atingidas por desastres;
III - recuperar as áreas afetadas por desastres;
IV - incorporar a redução do risco de desastre e as ações de proteção e defesa
civil entre os elementos da gestão territorial e do planejamento das políticas
setoriais;
V - promover a continuidade das ações de proteção e defesa civil;
VI - estimular o desenvolvimento de cidades resilientes e os processos
sustentáveis de urbanização;
VII - promover a identificação e avaliação das ameaças, suscetibilidades e
vulnerabilidades a desastres, de modo a evitar ou reduzir sua ocorrência;
VIII - monitorar os eventos meteorológicos, hidrológicos, geológicos,
biológicos, nucleares, químicos e outros potencialmente causadores de
desastres;
IX - produzir alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência de
desastres naturais;
X - estimular o ordenamento da ocupação do solo urbano e rural, tendo em
vista sua conservação e a proteção da vegetação nativa, dos recursos hídricos
e da vida humana;
XI - combater a ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis e de risco e
promover a realocação da população residente nessas áreas;
XII - estimular iniciativas que resultem na destinação de moradia em local
seguro;
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XIII - desenvolver consciência nacional acerca dos riscos de desastre;
XIV - orientar as comunidades a adotar comportamentos adequados de
prevenção e de resposta em situação de desastre e promover a autoproteção;
e
XV - integrar informações em sistema capaz de subsidiar os órgãos do
SINPDEC na previsão e no controle dos efeitos negativos de eventos adversos
sobre a população, os bens e serviços e o meio ambiente. (BRASIL, 2012)
Para alcançar os objetivos propostos a Lei 12.608/2012 distribuiu algumas
competências aos entes federados.
Dentre os deveres estipulados pela PNPDEC para a União, destacam-se a
promoção de estudos referentes às causas e possibilidades de ocorrência de
desastres de qualquer origem, sua incidência, extensão e consequência; o apoio aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios no mapeamento das áreas de risco, nos
estudos de identificação de ameaças, suscetibilidades, vulnerabilidades e risco de
desastre e nas demais ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e
recuperação; a instituição e manutenção de sistema de informações e monitoramento
de desastres; a instituição e manutenção cadastro nacional de municípios com áreas
suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou
processos geológicos ou hidrológicos correlatos; a instituição e manutenção sistema
para declaração e reconhecimento de situação de emergência ou de estado de
calamidade pública; a instituição do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil; a
realização do monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico das áreas de
risco, bem como dos riscos biológicos, nucleares e químicos, e a produção de alertas
sobre a possibilidade de ocorrência de desastres, em articulação com os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios. (BRASIL, 2012)
Aos Estados compete instituir o Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil;
identificar e mapear as áreas de risco e realizar estudos de identificação de ameaças,
suscetibilidades e vulnerabilidades, em articulação com a União e os Municípios;
realizar o monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico das áreas de risco, em
articulação com a União e os Municípios; apoiar a União, quando solicitado, no
reconhecimento de situação de emergência e estado de calamidade pública; apoiar,
sempre que necessário, os Municípios no levantamento das áreas de risco, na
elaboração dos Planos de Contingência de Proteção e Defesa Civil e na divulgação de
protocolos de prevenção e alerta e de ações emergenciais. (BRASIL, 2012)
Os Municípios foram incumbidos de identificar e mapear as áreas de risco de
desastres; promover a fiscalização das áreas de risco de desastre e vedar novas
ocupações nessas áreas; declarar situação de emergência e estado de calamidade
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pública; vistoriar edificações e áreas de risco e promover, quando for o caso, a
intervenção preventiva e a evacuação da população das áreas de alto risco ou das
edificações vulneráveis; organizar e administrar abrigos provisórios para assistência à
população em situação de desastre, em condições adequadas de higiene e segurança;
manter a população informada sobre áreas de risco e ocorrência de eventos extremos,
bem como sobre protocolos de prevenção e alerta e sobre as ações emergenciais em
circunstâncias de desastres; prover solução de moradia temporária às famílias
atingidas por desastres. (BRASIL, 2012)
Percebe-se que as competências mais importantes com relação à prevenção
de desastres são destinadas à União e principalmente ao Município, como o
mapeamento e fiscalização das áreas de risco e a realocação das pessoas residentes
em áreas de alto risco ou em edificações vulneráveis. Se os danos ocorridos nos
desastres naturais resultarem da omissão estatal nas tarefas impostas pela PNPDEC e
pelo Estatuto das Cidades, necessária será a averiguação de responsabilidade civil,
razão pela qual, passar-se-á ao estudo do referido instituto.
5 ASPECTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A palavra responsabilidade tem sua origem no latim responsus, do verbo
respondere que significa responder, pagar, designando uma ideia de reparar,
recuperar, restituir ou ressarcir. (LEITE; AYALA, 2010, p.119)
Conceitualmente Silvio Rodrigues aduz que a responsabilidade civil é a
“obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por
fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”, denotando uma
clara intenção por parte do instituto do dever de se impor ao causador de um dano o
dever de repará-lo ao prejudicado. (RODRIGUES, 2008, p.6)
A responsabilidade civil origina-se de duas fontes, quais sejam, o contrato ou a
lei. A responsabilidade civil contratual é aquela que deriva do descumprimento de um
acordo de vontade pactuado pelas partes, nessa modalidade há um vínculo jurídico
entre o causador do dano e a vitima resultante de um negócio jurídico. a
responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana fundamenta-se na inobservância da
lei, “na responsabilidade extracontratual, o agente infringe um dever legal” e como
consequência provoca um dano a outrem. (GONÇALVES, 2007, p.21)
A responsabilidade civil subdivide-se em subjetiva e objetiva. A
responsabilidade civil subjetiva, também denominada de “teoria da culpa” utiliza como
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fundamento da obrigação de reparar o dano a culpa lato sensu (dolo ou culpa, essa
designada pela negligência, imprudência ou imperícia) do agente. Conforme aduz
Clarisse Ferreira Jardim “a culpa é pressuposto decisivo, determinante, para a
caracterização desta espécie de responsabilidade civil”, que possui como elementos
essenciais a conduta comissiva ou omissiva dotada de dolo ou culpa por parte do
agente, o dano suportado pela vítima e o nexo de causalidade entre referida conduta e
o citado dano. (JARDIM, 2010, p.63)
No que tange à responsabilidade objetiva, essa caracteriza-se pela dispensa
da culpa para a sua incidência. A responsabilidade civil objetiva possui como
elementos essenciais a conduta omissiva ou comissiva, o dano e o nexo de
causalidade.
5.1 Responsabilidade civil estatal
A responsabilidade civil incide no ordenamento jurídico brasileiro sobre os
particulares, pessoas físicas e jurídicas e sobre o Estado, este representado pelas
pessoas jurídicas de direito público interno: entes federativos, autarquias, demais
entidades de caráter público criadas por lei.
Yussef Cahali sustenta que a responsabilidade civil do Estado é a obrigação
legal que lhe é imposta “de ressarcir os danos causados a terceiros por suas
atividades.” (CAHALI, 2007, p.13)
A responsabilidade civil estatal rege-se pelo caráter objetivo conforme exposto
no artigo 37, §6 da CR/88:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
e, também, ao seguinte:
§ - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL, 2009)
Reiterando a opção constitucional pela responsabilidade civil objetiva do
Estado, o artigo 43 do Código Civil de 2002 determina que:
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente
responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a
terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se
houver, por parte destes, culpa ou dolo. (BRASIL, 2002)
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Ocorre que a responsabilização objetiva do Estado é recente, ao longo dos
anos sucederam-se diversas alterações no que concerne à responsabilidade civil do
Estado, como demonstrar-se-á a seguir.
5.1.1 Evolução da responsabilidade civil estatal
A responsabilidade civil do Estado sofreu diversas alterações ao longo dos
séculos, passando da irresponsabilidade absoluta a responsabilidade subjetiva e
finalmente a responsabilidade objetiva.
Nos Estados absolutistas na primeira metade do século XIX foi criada a teoria
da irresponsabilidade absoluta do Estado, também conhecida como responsabilidade
feudal, regalista ou regaliana. Essa teoria era baseada na ideia de soberania estatal e
“confirmava a autoridade incontestável do ente perante os administrados, sendo
inconcebível o Estado aparecer como transgressor, posto que este era o próprio direito
organizado”. (JARDIM, 2010, p.63) Nesse contexto os atos ilícitos praticados por
funcionários públicos no exercício da função eram tidos como atos praticados em nome
próprio, ensejando exclusivamente a responsabilidade pessoal dos mesmos.
Na segunda metade do século XIX surge a teoria civilista, na qual a
responsabilidade civil do Estado tinha como pressuposto uma ação culposa dos
funcionários públicos. Caso ausente o elemento culpa não havia que se falar em
responsabilidade civil estatal.
A teoria civilista da responsabilidade civil estatal esteve presente no Código
Civil de 1916 e nas Constituições de 1934 e 1937, até que em 1946 a Constituição
adotou a responsabilidade civil objetiva para o Estado.
A teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado baseia-se na
desnecessidade da ocorrência de culpa do agente público para a imputação da
obrigação de reparar o dano, bastando a presença de um comportamento, um dano e
o nexo de causalidade entre ambos.
A responsabilidade objetiva do estado foi adotada pela Constituição da
República de 1988 em seu artigo 37, §6 e pelo Código Civil em seu artigo 43, conforme
já citado, porém os dispositivos em tela não demonstram claramente se tal modalidade
de responsabilidade estende-se também aos danos resultados da omissão do Estado.
5.1.2 Responsabilidade do Estado por omissão
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A responsabilidade civil estatal pode ocorrer em casos de ação ou omissão. No
que concerne à responsabilidade derivada de conduta comissiva a doutrina é pacífica
em aceitar a responsabilidade objetiva, variando apenas quanto à modalidade, risco
administrativo ou risco integral. Já no que tange à responsabilidade civil em casos de
omissão do Estado existe divergência doutrinária quanto ao caráter subjetivo ou
objetivo da responsabilidade estatal.
Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que “é razoável que o Estado
responda objetivamente pelos danos que causou, mas só é razoável e impositivo que
responda pelos danos que não causou quando estiver de direito obrigado a impedi-
los”. (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p. 1014)
Se o Estado não agiu, não pode ser autor do dano. E se não foi o autor, só
cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano, isto é, no caso
de descumprimento de um dever legalmente imposto. Logo, a
responsabilidade por ato omissivo do Estado seria sempre responsabilidade
por um ato ilícito proveniente de negligencia, imprudência ou imperícia (culpa),
o que remete à responsabilização com base na teoria da responsabilidade
subjetiva. Nesse caso, a responsabilidade Estatal não restaria configurada
apenas pela demonstração da ausência do serviço e o dano sofrido,
dependendo da imposição legal de atuação Estatal naquela circunstância, sob
pena de excessiva e abusiva punição. (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p. 1014)
De fato não é razoável exigir do Estado que indenize alguém por dano
resultante da abstenção de uma atividade que não lhe incumbia realizar,
consequentemente, se o Estado for responsabilizado por deixar de fazer algo que por
exigência legal deveria fazer haverá indiscutivelmente culpa, seja por negligência,
imprudência ou imperícia.
Respeitável parte da doutrina, no entanto, defende a responsabilidade objetiva
nos casos de omissão estatal, como Hely Lopes Meirelles e José de Aguiar Dias.
Os elementos da responsabilidade civil por omissão estatal são a omissão do
Estado em realizar dever legalmente lhe atribuído e o dano provocado a outrem
decorrente desta omissão. Verificada a presença de ambos os elementos,
caracterizada estará a responsabilidade civil do Estado por omissão.
que se ressaltar as duas modalidades de omissão citadas pela doutrina,
quais sejam, omissão genérica e omissão específica.
A omissão genérica decorre do mero dever legal do Poder Público de fazer
algo, independentemente da existência de uma possibilidade efetiva de concretização
deste dever. É o que ocorre com o dever do Estado de proteger o meio ambiente.
Quanto à omissão específica, entende-se essa como aquela que se concretiza
quando o Estado diante de uma possibilidade fática de atuação, em que deve agir de
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modo a evitar ou prevenir o dano, deixa de fazê-lo, como acontece quando em uma
fiscalização que se constate a existência de pessoas residindo em áreas de risco muito
alto de deslizamentos, deixa de realocá-los conforme determina a lei 12.608/2012.
5.2 Responsabilidade civil em matéria ambiental e a omissão estatal nos casos
de desastres naturais
A Lei 6.938/1981 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente
reservou artigo próprio para a responsabilidade civil em matéria ambiental,
estabelecendo que os responsáveis por danos ao meio ambiente, sejam eles
particulares ou o poder público, terão que indenizá-los independentemente de culpa.
O artigo 14, § 1º do referido diploma determina:
Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal,
estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à
preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela
degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o
poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou
reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para
propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio
ambiente. (BRASIL, 1981)
Percebe-se que na seara ambiental vigora a responsabilidade civil objetiva,
sendo que os danos causados ao meio ambiente deverão ser reparados
independentemente de culpa do degradador.
Quando o Estado for o causador do dano ambiental a responsabilidade
objetiva possui dupla fundamentação, tanto no que concerne à responsabilidade civil
estatal, de caráter objetivo como já visto, quanto pela responsabilidade civil objetiva em
matéria ambiental.
É notório que os danos provocados por desastres naturais possuem
considerável contribuição do Estado, por meio da sua omissão no dever de ordenar
adequadamente o solo urbano; fiscalizar as áreas de risco a fim de evitar a
continuidade da sua ocupação; realocar a população residente em área de alto risco;
impedir a retirada das matas ciliares, de encostas e topos de morros; promover
adequado sistema de drenagem de aguas pluviais; evitar a impermeabilização
excessiva do solo; entre outros deveres de prevenção a desastres naturais já citados
em capítulo próprio.
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Todos esses deveres estatais estão previstos nas Leis 10.257/2001 (Estatuto
da Cidade) e 12.608/2012 (Política Nacional de Proteção e Defesa Civil), a omissão
desses deveres potencializa os impactos provenientes dos fenômenos naturais,
ocasionando diversos danos patrimoniais (destruição de moradias e móveis
domésticos, por exemplo) e extrapatrimoniais (óbitos, enfermidades, ferimentos, entre
outros), além dos danos ambientais como destruição de matas ciliares, de vegetações
de encostas e do assoreamento de rios, que potencializarão futuros desastres naturais,
formando um círculo vicioso de potencialização de riscos.
É importante mencionar que não apenas o dano patrimonial e extrapatrimonial
ambiental deverão ser indenizados pelo poder público, mas também os danos ao
patrimônio privado e a esfera pessoal dos afetados, resultantes dos fenômenos
naturais e da inércia do poder público. Referidos danos à esfera pessoal dos afetados
decorrentes do dano ambiental são denominados dano por ricochete e possuem o
mesmo tratamento dispensado ao dano ambiental no que concerne à
responsabilização objetiva por sua reparação.
5.3 Teoria do Risco Administrativo x Teoria do Risco Integral
A teoria objetiva da responsabilidade civil estatal subdivide-se em teoria do
risco administrativo e teoria do risco integral.
A possibilidade de afastamento da responsabilidade civil do Estado mediante
as excludentes do nexo causal consubstancia-se na maior diferença entre a teoria do
risco administrativo e a teoria do risco integral.
Para a teoria do risco integral a simples verificação do prejuízo sofrido pelo
administrado em consequência da conduta do poder público implica o dever de
reparação, não havendo qualquer possibilidade de exclusão do nexo de causalidade.
Conforme Carvalho “a teoria do risco integral [...] obriga a reparação de todo e
qualquer dano, não admitindo nenhuma causa de excludente de responsabilidade”.
(CARVALHO, DAMACENA, 2013, p.125)
Cavalieri Filho aduz que “a teoria do risco administrativo importa em atribuir ao
Estado a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa.
Segundo o autor “toda lesão sofrida pelo particular deve ser ressarcida,
independentemente de culpa do agente público que a causou. O que se tem que
verificar é, apenas, a relação de causalidade entre a ação administrativa e o dano
sofrido pelo administrado”. (CAVALIERI FILHO, 2010, p.243)
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Para Morato Leite e Patryck Ayala:
Entende-se por riscos criados, os produzidos por atividades e bens dos
agentes que multiplicam, aumentam ou potencializam um dano ambiental. O
risco criado tem lugar quando uma pessoa faz uso de mecanismos,
instrumentos ou de meios que aumentam o perigo de dano. Nestas hipóteses,
as pessoas que causaram dano respondem pela lesão praticada, devido à
criação de risco ou perigo, e não pela culpa. (LEITE; AYALA, 2010, p.132)
Carvalho e Damacena asseveram que a teoria do risco administrativo permite
ao Estado afastar sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal entre
sua conduta e o dano, mediante as excludentes de fato exclusivo da vítima, caso
fortuito e força maior e fato exclusivo de terceiro. (CARVALHO, DAMACENA, 2013,
p.125)
Em razão de não conceber-se a caracterização do Estado como um garantidor
universal admite-se ao mesmo eximir-se da responsabilidade de reparar o dano em
casos de excludentes de ilicitude como a culpa exclusiva da vítima. Com relação ao
fato exclusivo de terceiro e ao caso fortuito e força maior é importante tecer alguns
comentários.
Primeiramente cabe distinguir caso fortuito e força maior. Embora não haja
consenso na doutrina com relação à conceituação de ambos, entende-se por força
maior o evento externo ao serviço público, decorrente de fato natural, tendo como
pressupostos a irresistibilidade e a exterioridade e eventualmente a imprevisibilidade.
Com relação ao caso fortuito esse ocorre quando do acontecimento de evento
imprevisível interno ao funcionamento da atividade estatal que seja imprevisível e
inevitável.
Nos casos de desastres naturais é recorrente a arguição de força maior por
parte do Estado para evadir-se da responsabilidade de reparar os danos. Ocorre que
com o avanço da tecnologia os fenômenos naturais são cada vez mais previsíveis e
como anualmente a intensidade desses fenômenos vem se acentuando, é provável
que eventos mais intensos do que os ocorridos venham a acontecer, e
consequentemente provoquem danos mais intensos dos que os até então
verificados. Nesses casos acredita-se que apenas aqueles eventos que a ciência não
possua meios de prevenção (inevitáveis, irresistíveis) sejam capazes de provocar a
exclusão do nexo de causalidade por omissão estatal, como, por exemplo, a queda de
um meteoro ou um incêndio florestal provocado pela queda de um raio, visto que
mesmo com a ciência da queda de um meteoro ou da ocorrência de uma tempestade
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de raios, não existem mecanismos capazes de impedir os impactos provocados por
tais fenômenos.
No que tange à ocorrência de casos fortuitos (morte em massa de agentes de
defesa civil ou incêndio em galpão de suprimentos) que impeçam o cumprimento das
obrigações legais em casos de desastres por parte do Estado, acredita-se que o
mesmo não poderá eximir-se da responsabilidade de reparação dos danos em virtude
do princípio da eficiência da atuação estatal, previsto no caput do artigo 37 da CR/88,
do qual se depreende que o Estado deve possuir um aparato capaz de arcar com
eventuais adversidades decorrentes de sua estrutura interna.
No caso da excludente fato exclusivo de terceiro, defende-se que como o
Estado tem o dever constitucional de proteger e preservar o meio ambiente, não pode
permitir que determinada pessoa o deteriore a ponto de provocar danos a outrem.
Caso isso ocorra ao Estado caberá indenizar a vítima, em razão de sua omissão na
fiscalização do comportamento degradador alheio e de seu grande poder econômico,
restando o direito de regresso contra o terceiro causador do dano.
Percebe-se então que em casos de desastres naturais, apenas a culpa
exclusiva da vítima e eventualmente a força maior serão aptos a excluir o nexo de
causalidade entre a omissão estatal e o dano causado, visto que o avanço da
tecnologia e a probabilidade de fenômenos naturais cada vez mais intensos eliminam a
possibilidade de exclusão por força maior em grande parte dos casos e o dever
genérico de proteger o meio ambiente e promover o direito de todos ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado extirpa a possibilidade de afastamento da responsabilidade
nos casos de fato exclusivo de terceiro.
Importante mencionar que o nexo de causalidade entre a conduta omissiva ou
comissiva do Estado e o dano decorrente dos impactos provocados por eventos
adversos é indispensável, ou seja, deve ser demonstrado que referido comportamento
comissivo ou omissivo do Estado potencializou o poder destruidor dos fenômenos
naturais. Ocorre que como o poder público possui notoriamente mais meios de
produção de provas, a mera verossimilhança do alegado pelos afetados deve ser apta
a provocar a inversão do ônus da prova em face do Estado, de modo a proporcionar
uma relação mais equânime entre a Administração e o administrado.
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6 A COMPLEXIDADE DO NEXO CAUSAL EM MATÉRIA AMBIENTAL E A TEORIA
DA PROBABILIDADE
Não obstante o Estado responda pelos danos causados por sua inércia,
mesmo que esses tenham ocorrido não exclusivamente em decorrência dela,
demonstrar o nexo de causalidade entre a ausência de conduta estatal e o dano não é
tarefa fácil.
A prova do nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano ecológico
(esse incluindo o dano ambiental ou ecológico puro e o dano à esfera pessoal do
afetado ou dano por ricochete) não é simples, em razão da cumulatividade e da
extensão temporal dos fatores desencadeadores do dano.
A fim de evitar a irresponsabilidade por danos ambientais nos casos em que
não há certeza científica de quem e em que proporção provocou o dano, surgiu na
Espanha a Teoria das Probabilidades, que trata-se de um “instrumento hermenêutico
destinado a facilitar a prova do nexo causal à vítima”. (CARVALHO, 2013, p. 160)
Delton Winter de Carvalho assevera que a teoria das probabilidades é sensível
à complexidade e às incertezas científicas que permeiam os danos ambientais, ao
passo que determina que o legitimado ativo não terá que demonstrar o nexo de
causalidade com exatidão científica, mas que a sua configuração se dará sempre que
o juiz se convencer da existência de uma probabilidade determinante ou considerável
da relação de causalidade entre a atividade e o dano. (CARVALHO, 2013, p.160)
Em consonância com a teoria das probabilidades sustenta Canotilho:
Só existe responsabilidade civil se houver provada a existência de uma relação
causa-efeito entre o fato e o dano. Esta relação de causalidade não tem que
ser determinística, como uma relação mecânica, mas deve ser uma
causalidade probabilística. Considera-se que um determinado fato foi a causa
de um determinado dano se, de acordo com as regras da experiência normal,
aquele tipo de fato for adequado a causar aquele tipo de dano. (CANOTILHO,
1998, p. 142)
A teoria das probabilidades apresenta-se extremamente útil para a análise do
nexo de causalidade dos danos ambientais decorrentes de desastres naturais, nos
quais busca-se a responsabilização do Estado pela omissão dos seus deveres
constitucionais de proteção do meio ambiente e adequada ordenação do território
urbano, e dos deveres legais estabelecidos no Estatuto da Cidade e na PNPDEC.
Nesse aspecto mostrar-se-ia útil uma inversão no ônus da prova em face do
Estado, cabendo a esse demonstrar a ausência do nexo de causalidade entre sua
omissão e a concretização do dano, visto que o mesmo possui poderes infinitamente
maiores do que os particulares afetados, o que lhe possibilita o maior acesso a meios
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de provar a ausência do nexo de causalidade, proporcionando então um equilíbrio
entre as partes. Essa inversão do ônus da prova deve ocorrer apenas nos casos em
que ficar demonstrada a verossimilhança do alegado pelos afetados no que tange à
omissão estatal enquanto causa (ainda que concorrente) do dano sofrido.
que se mencionar que em casos de desastres naturais em que os danos
ocorridos atinjam a esfera do mínimo existencial do ser humano, não há sequer que se
perquirir o nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano causado, vide que o
Estado brasileiro fundamenta-se pela dignidade humana e tem como objetivos a
erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e
regionais (art. 1º, III e art.3º, III da Constituição da República).
Nesse sentido Tiago Fernstenseifer:
O Estado brasileiro, independentemente da sua responsabilização pelos danos
causados às vitimas de desastres naturais relacionados às mudanças
climáticas, diante do seu papel constitucional de guardião dos direitos
fundamentais e da dignidade da pessoa humana, tem o dever de assegurar a
todas as pessoas condições mínimas de bem-estar (individual, social e
ecológico). [...] O respeito e a proteção à dignidade humana necessitam do
engajamento material do Estado, na medida em que a garantia da dignidade
humana pressupõe uma pretensão jurídica prestacional do indivíduo ao
mínimo existencial. [...] Sem o acesso a tais condições mínimas, não há que se
falar em liberdade real ou fática, quanto menos em um padrão de vida
compatível com a dignidade humana. A garantia do mínimo existencial (social
e ecológico) constitui-se, em verdade de uma premissa ao próprio exercício
dos demais direitos fundamentais, sejam eles direitos de liberdade, direitos
sociais ou mesmo direitos de solidariedade, como é o caso do direito ao
ambiente. (FERNSTENSEIFER, 2010, p.18-20)
Como a maioria dos desastres naturais ocorridos no país incidem em áreas
ocupadas por populações de baixa renda, como favelas e aglomerações ribeirinhas,
em que os afetados perdem suas casas e objetos pessoais, ficando muitas vezes
completamente desamparados, em grande parte dos casos a busca pelo nexo de
causalidade entre a omissão estatal e o dano será desnecessária ante a obrigação
estatal de promoção do mínimo existencial, que nesses casos, resultará na obrigação
de reparação dos danos sofridos.
7 A INTERFERÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO E DA PREVENÇÃO NA
RESPONSABILIDADE CIVIL EM MATÉRIA DE DESASTRES NATURAIS
Os princípios da precaução e da prevenção são reconhecidamente alguns dos
mais importantes princípios norteadores do direito ambiental pátrio.
O princípio da precaução refere-se à obrigação, em casos de incerteza
científica sobre a concretização do dano, da adoção das medidas minimizadoras mais
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eficazes segundo o conhecimento científico vigente, e desde que economicamente
viáveis, no intuito de prevenir eventual degradação ambiental.
Conforme dispõe o Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro:
De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser
amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades.
Quando houver ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de
absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar
medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação
ambiental. (NAÇÕES UNIDAS, 1992)
No que tange ao princípio da prevenção, José Adércio Leite Sampaio assevera
que “a prevenção é a forma de antecipar-se aos processos de degradação ambiental,
mediante adoção de medidas de gerenciamento e de proteção dos recursos naturais.”
(SAMPAIO; WOLD; NARDY, 2003, p.70).
Nos dizeres de Paulo de Bessa Antunes “o princípio da prevenção aplica-se a
impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com segurança, estabelecer
um conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente para a identificação dos
impactos futuros mais prováveis”. (ANTUNES, 2010, p. 45).
José Adércio afirma que a precaução e a prevenção encontram-se intimamente
ligadas, e cita Hunter, Salzman e Zaelke, que consideram a prevenção um meio de
aplicação do princípio da precaução. (SAMPAIO; WOLD; NARDY, 2003 p.70-71)
Carvalho e Damacena no livro “Direito dos Desastres” elencam referidos
princípios como basilares de tal direito, chegando a afirmar que “juntamente com a
precaução e a prevenção, o princípio da informação forma o que se pode denominar
de uma tríade principiológica básica do direito dos desastres”. (CARVALHO;
DAMACENA, 2013, p.43)
Aplicados à gestão de desastres, os princípios da precaução e da prevenção
passam a visar à proteção da esfera do mínimo existencial do ser humano, como sua
vida, moradia e integridade física, que são periodicamente afetados pelos impactos
resultantes dos fenômenos naturais.
Relevante mencionar que a Lei nº 12.608/2012 determina expressamente no
§2º do artigo 2º que “a incerteza quanto ao risco de desastre não constituirá óbice para
a adoção das medidas preventivas e mitigadoras da situação de risco”, sendo que
referido diploma estabelece a prioridade às ações preventivas relacionadas à
minimização de desastres como uma das diretrizes da PNPDEC. (BRASIL, 2012)
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No que concerne as funções da responsabilidade civil em matéria ambiental
Herman Benjamin aduz que incluem-se nela a compensação das vítimas, a prevenção
de acidentes, a minimização dos custos administrativos do sistema e a retribuição.
que se destacar quanto à responsabilidade civil em matéria ambiental (a
qual abarca obviamente os desastres naturais) “o estímulo à prevenção de danos
futuros e o envio de uma certa mensagem expiatória”. (BENJAMIN, 2007, p.15)
O círculo que gestão de riscos adotado pela PNPDEC (adoção medidas
preventivas e mitigatórias, ações de preparação, ações de resposta e
recuperação/reconstrução) não abarca a compensação financeira/ambiental, restando
aos afetados por desastres o recurso ao poder judiciário para a reparação e
compensação de seus prejuízos materiais. Ocorre que a reconstrução possui notório
caráter preventivo, ao passo que exige que sejam tomadas medidas de redução ou
quando possível extinção dos riscos que provocaram a destruição anterior.
Salienta-se que a responsabilidade civil por danos ambientais (aqui
englobados os danos por ricochete) pode exercer importante função na redução dos
riscos exercida pela fase de reconstrução, ou mesmo na prevenção de danos futuros
em casos em que ainda não ocorreu nenhum dano. Para tanto que se permitir a
determinação da paralisação de atividades promotoras de risco (como por exemplo, a
ocupação de áreas vulneráveis) e da adoção de medidas preventivas e mitigadoras do
risco (como a realocação da população residente em áreas de alto risco, ou a
construção de muros de contenção de encostas) independentemente da concretização
de algum dano.
Importante mencionar os ensinamentos de Carvalho e Damacena:
...o Direito dos Desastres trabalha com um círculo de gestão do risco, de
maneira que a responsabilização do Estado nessas circunstâncias não está
apenas voltada à reparação de danos, mas à prevenção e mitigação. [...]
Assim, um regime de responsabilidade civil do Estado em caso de desastres
deve, nos moldes das recomendações e conclusões da comissão constituída
pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNUMA -, levar
em consideração ‘tanto os riscos previsíveis quanto os imprevisíveis, assim
como os danos presentes e futuros’. [...] a circularidade no gerenciamento dos
riscos de desastres ambientais enfatiza, em todos os momentos de qualquer
evento ambiental severo, a função dos aspectos preventivos da
responsabilidade civil por riscos ambientais intoleráveis (riscos ilícitos) ante o
dever de proteção estatal intergeracional constitucionalmente assegurado.
(CARVALHO; DAMACENA, 2013, 137-139)
Conforme demonstrado os danos provocados por desastres naturais
atingem a esfera do mínimo existencial do ser humano, sendo muitas vezes fatais e,
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portanto, irrecuperáveis, razão pela qual a verificação de risco de danos futuros ao
bem ambiental (macro e micro) ou à esfera do mínimo existencial dos administrados
“ensejaria a condenação do ente estatal às medidas preventivas necessárias
(obrigação de fazer e não fazer), a fim de evitar sua concretização ou minimizar as
consequências futuras de um desastre ocorrido”, em respeito aos princípios
norteadores do direito ambiental explicitamente aceitos pela legislação de proteção e
defesa civil da prevenção e da precaução. (CARVALHO; DAMACENA, 2013, p.139)
8 A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO ESTADO COMO MECANISMO DE ACESSO
DOS AFETADOS POR DESASTRES NATURAIS
AO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE
EQUILIBRADO
Em decorrência do determinado pelo artigo 225 da CR/1988 o poder público
tem a obrigação de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado
para presentes e as futuras gerações.
Da leitura do caput do artigo 225 em comento é possível concluir que o poder
público tem o dever de proporcionar o acesso a todos (cidadão e estrangeiros) no seu
território, a um meio ambiente salubre, que não exponha os que neles vivam a
problemas de saúde e desconfortos que impossibilitem uma vida plena.
Para “defender” e “preservar” o meio ambiente o poder público deve atuar de
duas maneiras, uma preventiva e outra repressiva.
No que concerne à atuação preventiva, ela consubstancia-se no dever de
evitar o dano ambiental, desse modo, o Estado na sua esfera de atuação deve
observar as medidas necessárias de proteção ambiental para não provocar
degradações, como normas de construções, manutenção de áreas verdes, matas
ciliares, áreas permeáveis, tratamento de efluentes, destinação adequada de resíduos,
e deve sujeitar a observância dessas também por pessoas físicas e jurídicas, por
intermédio de lei e de fiscalizações periódicas.
Ocorre que não raras vezes o próprio Estado e as pessoas físicas e jurídicas
descumprem as normas de proteção ambiental e dessa forma acabam provocando
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danos ambientais. A atuação repressiva incide exatamente quando o dano ambiental já
está concretizado, e pode ocorrer nas esferas civil, penal e administrativa.
A responsabilização civil tem basicamente duas funções, uma inibitória, qual
seja, evitar a transgressão da norma (no caso do direito ambiental, de modo mais
genérico, visto que nesse âmbito prescinde-se do elemento culpa, evitar o dano
ambiental) e uma compensatória, na qual há a reparação do dano causado à vítima (no
âmbito do direito ambiental a recuperação do dano ambiental e a compensação dos
danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes do dano ambiental).
Há que se ressaltar que os danos ambientais possuem uma peculiaridade: por
vezes são irreversíveis, ou seja, não são passiveis de recuperação plena.
No caso dos desastres naturais a fundamentação para a responsabilização
civil do Estado muitas vezes é a omissão de deveres de proteção ambiental que lhe
são constitucional e legalmente impostos, deveres esses já abordados.
A transformação do espaço que abriga a vida humana realizada pelos
impactos dos eventos adversos desencadeia problemas de saúde e o
desmoronamento de casas que deixam anualmente milhões de pessoas desabrigadas
pelo Brasil.
O dano ambiental provocado pelo impacto de fenômenos naturais intensos não
afeta apenas o direito fundamental ao meio ambiente, via de regra, estende seus
efeitos a outros direitos fundamentais, como moradia, saúde, vida e integridade física.
Tal fenômeno denomina-se dano ambiental reflexo, que pode ter natureza patrimonial
(caso da destruição total ou parcial de residências) ou extrapatrimonial (casos de
óbitos ou ferimentos).
Os direitos afetados nos eventos adversos são diversos, alguns deles
irreversíveis, como o direito à vida e a integridade física. A amplitude dos danos é
grande, são atingidos direitos fundamentais de primeira dimensão (vida, por. ex.), de
segunda dimensão (direito à saúde e moradia, por. ex.), e direitos de terceira
dimensão, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Em casos de desastres naturais, via de regra, os direitos mais afetados pelos
danos suportados são o direito à moradia, à saúde e ao meio ambiente saudável. A
responsabilização civil do Estado, quando cabível, em inúmeros casos não será apta a
restabelecer o acesso a tais direitos, em razão do caráter irreversível dos danos, como
acontece com as vitimas fatais.
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Ocorre que a indenização paga pelo Estado (dimensão compensatória da
responsabilidade civil) em decorrência de sua responsabilização civil possibilita aos
atingidos que, independentemente de outra atuação estatal (obras de redução da
vulnerabilidade em áreas de risco, por. ex.), procurem formas de acesso aos bens
degradados, por vezes em locais diversos do que sofreram os danos, em locais
ambientalmente salubres e em moradias adequadas, ou mesmo, quando possível, no
local da ocorrência do dano, por intermédio da adoção de medidas de prevenção de
risco (medidas estruturais, por ex. reflorestamento de encostas, construção de muros
de contenção e observância de medidas adequadas de engenharia na construção dos
imóveis).
A responsabilização civil do Estado em casos de desastres naturais traduz-se,
portanto, em um instrumento de fundamental importância para propiciar aos atingidos
que recomponham suas vidas e retomem o acesso aos direitos obstaculizados pelos
danos sofridos.
Há que se destacar que embora o Estado não seja um segurador universal, o
princípio da dignidade humana baliza toda a atuação estatal brasileira, razão pela qual,
quando for afetada a esfera do mínimo existencial dos atingidos, independentemente
da existência de omissão estatal, essa (esfera do mínimo existencial) deve ser
restabelecida pelo Estado, em respeito ao direito à vida, que tem como seu
componente implícito a dignidade humana.
9 CONCLUSÃO
A Teoria do Risco Administrativo é consagrada teoria no concernente à
Responsabilidade Civil do Estado em matéria ambiental, por não conceber-se o Estado
como um garantidor universal, razão pela qual não se admite juridicamente que o
mesmo seja obrigado a reparar danos que não advieram de sua atividade ou de
eventual inadimplemento de suas obrigações.
Nos casos de danos ambientais decorrentes da omissão do Estado, pugna-se
pela responsabilização deste com base no critério subjetivo, visto que só é razoável
responsabilizar o Estado pela omissão de uma atividade que ele está obrigado a fazer,
o que já implica culpa, seja na modalidade negligência, imperícia ou imprudência.
Em consequência da adoção do critério subjetivo para a responsabilidade civil
do Estado por omissão é indispensável a demonstração do nexo de causalidade entre
o dano e a omissão estatal, o que nem sempre será fácil, em razão do caráter
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cumulativo e multifacetado do dano ambiental. Propõe-se, contudo, pela inexorável
inversão do ônus da prova em desfavor do Estado nas ações indenizatórias
promovidas por vítimas de desastres naturais, quando houver verossimilhança no
alegado por essa (relativa ao nexo de causalidade entre a conduta do Estado e o dano
sofrido) visto que esse possui maior acesso a mecanismos de prova, o que equilibra a
relação processual entre referidas partes, homenageando-se a distribuição dinâmica
do onus probandi e a isonomia entre as partes.
Nos casos de danos decorrentes de desastres naturais, em decorrência do
avanço tecnológico, capaz de prever diversos fenômenos naturais, defende-se que a
exclusão do nexo de causalidade somente poderá ser ensejada em casos extremos de
força maior, quando a ciência ainda não tiver meio de evitar o dano e nos casos de
culpa exclusiva da vítima.
O caso fortuito (evento imprevisível interno ao funcionamento da atividade
estatal que seja imprevisível e inevitável) e o fato exclusivo de terceiro não devem ser
aptos a afastar a responsabilidade do Estado, visto que esse deve atuar com eficiência
e possuir um aparato capaz de arcar com eventuais adversidades decorrentes de sua
estrutura interna e possui o dever constitucional de proteger e preservar o meio
ambiente, o que não permite que abstenha-se de fiscalizar o comportamento das
pessoas ao ponto delas serem capazes de deteriorar o meio ambiente. Caso isso
ocorra, ao Estado caberá indenizar a vítima, em razão de sua omissão na fiscalização
do comportamento degradador alheio e de seu grande poder econômico, restando o
direito de regresso contra o terceiro causador do dano.
A responsabilização do Estado, quando cabível, é indispensável para retomar,
dentro do possível, a “ordem” estabelecida anteriormente ao desastre. Uma das
facetas da responsabilização trata-se da compensação, à qual deve ser capaz de
proporcionar, quando possível, aos afetados, o acesso aos direitos fundamentais
atingidos pelo desastre, como uma moradia segura, menos vulnerável a futuros
eventos adversos, atendimento médico adequado e o gozo de um meio ambiente
salubre, apto a proporcionar por aqueles que nele residem, uma existência digna, livre
de riscos de contaminação e de danos físicos por acontecimentos abruptos.
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