As lacunas constitucionais e o Direito como integridade: análise de um caso concreto

AutorBruno Amaro Lacerda - Juliana Martins de Sá Müller
CargoDoutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas102-118
102
DOI: 10.5433/2178-8189.2016v20n1p102
* Doutor e Mestre em Direito
pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG).
Professor Adjunto III da Uni-
versidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF). E-mail: bruno-
alacerda@ig.com.br.
** Mestre em Direito pela Uni-
versidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). E-mail:
julianamartinsmuller@gmail.
com.
AS LACUNAS CONSTITUCIONAIS E O
DIREITO COMO INTEGRIDADE:
ANÁLISE DE UM CASO CONCRETO
CONSTITUTIONAL GAPS AND THE LAW AS
INTEGRITY: ANALYSIS OF A CASE
* Bruno Amaro Lacerda
**Juliana Martins de Sá Müller
Resumo: Este artigo discute a possibilidade de reconhecimento
de lacunas constitucionais a partir de uma visão do Direito
como integridade. A proposta é pensar a relação entre lacunas
e integridade a partir de uma controvérsia jurídica bastante
conhecida, a referente à viabilidade constitucional das uniões
estáveis entre pessoas do mesmo sexo, reconhecidas pelo STF
na ação direta de inconstitucionalidade nº 4277. O intuito é
mostrar que as decisões proferidas, incluindo a do STF e as
de outros Tribunais que o precederam no exame da questão,
foram erroneamente justicadas com o recurso à ideia de
preenchimento de uma lacuna, escapando assim aos limites de
uma argumentação judicialmente adequada.
Palavras-chave: Lacunas; Integridade; Ativismo judicial.
Abstract: This paper discusses the possible recognition of
constitutional gaps and loopholes, using the perspective of law
as integrity. The objective of this study is to deliberate about the
connection between constitutional gaps and integrity using a
famous legal controversy: the constitutional viability of same-
sex unions, decided by the Brazilian Supreme Court on the
Direct Unconstitutionality Action No. 4277. Therefore, what
we aim to show is that, while examining the issue, the rulings
of the Supreme Court´s and other courts were falsely justied
based on answers for the constitutional gap, which escaped the
limits of appropriate judicial reasoning.
Keywords: Gaps; Integrity; Judicial activism.
Como citar: LACERDA, Bruno Amaro; MÜLLER, Juliana
Martins de Sá. As lacunas constitucionais e o direito
como integridade: análise de um caso concreto. Scientia
Iuris, Londrina, v. 20, n. 1, p. 102-118, abr. 2016. DOI:
10.5433/2178-8189.2016v20n1p102. ISSN: 2178-8189.
SCIENTIA IURIS, Londrina, v.20, n.1, p.102-118, abr.2016 | DOI: 10.5433/2178-8189.2016v20n1p102
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INTRODUÇÃO
A Constituição de 1988, em seu artigo 226, §3º, reconheceu a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, equiparando-a ao
casamento para ns de proteção jurídica. Posteriormente, ela foi regulamentada
pela Lei 9.278/96 e rearmada pelo artigo 1.723 do Código Civil de 2002.
Os pares homossexuais, não abrangidos por essas leis, clamaram então por
igualdade de tratamento e começaram a buscar o reconhecimento jurídico de
suas uniões, com a questão chegando até o Supremo Tribunal Federal.
Em 05 de maio de 2011, o STF deu provimento ao pedido aduzido na
ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 4277, reconhecendo a união
estável entre pessoas do mesmo sexo. Dentre os argumentos utilizados estavam
o respeito à liberdade individual e o direito fundamental à igualdade. Mas,
antes da decisão do Supremo, os tribunais brasileiros já vinham enfrentando
o problema. Diante do silêncio do constituinte e da omissão do legislador, os
juízes necessitavam de um critério seguro para prolatarem decisões justas. Nesse
contexto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), repetidas vezes
(como se pode ver nos processos de números 70003967676, 70030880603 e
70018971804), solucionou os casos que lhe chegaram com base na analogia,
nos costumes e nos princípios gerais do direito (como prescreve o artigo 4º
que tratavam a questão como uma lacuna, mais especicamente uma lacuna
da Constituição.
Isso suscita um problema de teoria do direito: pode-se falar na existência
de lacunas constitucionais? Sustenta-se comumente que os conteúdos que
faltam na Constituição foram omitidos pelo poder constituinte originário
conscientemente: seriam, assim, lacunas no sentido político e não no sentido
normativo, e por essa razão os juízes não estariam autorizados a supri-las. Deste
modo, tais omissões não deveriam ser consideradas propriamente lacunas, pois
estas só se dão infraconstitucionalmente.
Além disso, a Constituição é a norma que determina as competências
dos magistrados e, se fosse aceita a existência das referidas lacunas, a adoção
dos critérios da LINDB daria aos juízes um poder normativo equiparado ao
do constituinte derivado. Deste modo, preencher o que é considerado ausente
na Constituição é uma pretensão que, como procuraremos mostrar, não cabe
ao Judiciário, mas ao Legislativo, na sua condição de reformador do texto
constitucional.
SCIENTIA IURIS, Londrina, v.20, n.1, p.102-118, abr.2016 | DOI: 10.5433/2178-8189.2016v20n1p102

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