As Igualdades formal e material como os fundamentos da justiça

AutorGabriel Goldmeeir
CargoMestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorando em Educação pelo Institute of Education da University of London (bolsista CAPES)
Páginas43-60
Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 43-60
AS IGUALDADES FORMAL E MATERIAL
COMO OS FUNDAMENTOS DA JUSTIÇA
Formal and material equality as the fundaments of justice
Gabriel Goldmeier*
Resumo: Procurar-se-á aqui mostrar que o princípio da justiça pode ser derivado de uma ideia
básica de igualdade que não é apenas formal. Para tal, desenvolveremos o que consideramos ser
a justif‌i cativa para a aceitação da igualdade como esse princípio anterior à justiça: o apelo parcial
a bases factuais, mas também à intuição. A seguir, mostraremos que a promoção da justiça depen-
de do estabelecimento de uma igualdade formal entre os homens, mas que essa não é suf‌i ciente
e que, portanto, devemos também buscar estabelecer algum tipo de igualdade material entre eles.
Palavras-chave: Justiça. Igualdade formal. Igualdade material.
Abstract: We will try to show here that the principle of justice can be derived from a basic idea of
equality that is not just formal. To this end, we will develop what we consider to be the justif‌i cation
for the acceptance of equality as a basic principle of justice: the partial appeal to factual bases, but
also to intuition. Below, we will show that the promotion of justice depends on the establishment of
a formal equality among men, but that it is not enough and that, therefore, we should also seek to
establish some kind of material equality between them.
Keywords: Justice. Formal equality. Material equality.
1 A justiça, a primeira virtude de um Estado
Costumamos dizer que uma organização estatal é virtuosa se for social e
economicamente estável, ef‌i ciente, justa, solidária etc. De todas essas virtu-
des, a maioria dos f‌i lósofos políticos coloca a justiça como a mais importante,
aquela que deve ser priorizada. John Rawls inicia Uma teoria da justiça (UTJ)
af‌i rmando que “a justiça é a primeira virtude das instituições sociais, assim como
a verdade o é dos sistemas de pensamento” (1971, p. 3). Dada a centralidade
desse conceito na ref‌l exão sobre as políticas estatais, procuremos analisá-lo
com atenção.
Iniciemos nossa ref‌l exão a partir de duas importantes af‌i rmações sobre a
justiça. Em primeiro lugar, cabe notar que, sendo ela a virtude primeira, é de-
ver de um Estado ter como f‌i m realizá-la, isso porque as virtudes estatais talvez
entrem em conf‌l ito, e a af‌i rmação de sua primazia implica que, quando um Estado
* Mestre em Filosof‌i a pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorando em Educa-
ção pelo Institute of Education da University of London (bolsista CAPES).
Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 43-60
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tiver que optar entre uma ou outra, deve ser ela a escolhida. Contudo, cabe notar
que as ações estatais podem ser justas, indiferentes à justiça ou injustas. Por
exemplo, prender um indivíduo sadio que mata outrem por motivo fútil é justo;
escolher a direita como o sentido obrigatório para trafegar é indiferente à justi-
ça; matar uma pessoa que estacionou em local proibido é injusto. Assim, o Esta-
do deve aplicar a primeira lei, pode optar por aplicar ou não aplicar a segunda
(poderia determinar que todos devem trafegar pela esquerda), e não pode apli-
car a terceira.
2 Os sentidos da justiça
Ref‌l itamos, pois, sobre o signif‌i cado que normalmente empregamos ao
falar em justiça. Em primeiro lugar, percebamos que o termo “justo”, assim co-
mo “banco”, não é unívoco. “Banco” tem pelo menos dois signif‌i cados comple-
tamente distintos: um deles faz referência a um artefato utilizado para sentar; o
outro, a uma instituição que realiza uma série de operações f‌i nanceiras. O termo
“justo” também varia. Em relação a essa variação, três signif‌i cados utilizados
para avaliar as ações de um Estado (e que também podem ser aplicados a in-
divíduos) merecem nossa análise. Dizemos que um Estado justo é aquele
que: (i) faz cumprir as leis; (ii) elabora leis e políticas a partir de princípios jus-
tos; (iii) promove resultados sociais justos.
O item (i) trata do que, desde Aristóteles, classif‌i camos como o justo le-
gal, ou seja, a justiça como conformidade à lei. Dos outros itens, que atribuem
ao Estado justo a virtude de elaborar leis pautadas em princípios justos (ii) ou de
produzir resultados justos (iii), podemos dizer que são justos no sentido moral.
Como o interesse desse artigo é o de ref‌l etir sobre políticas elaboradas pelo
Estado e sobre os resultados obtidos através de sua aplicação para, em boa
medida, esclarecer se são justas, indiferentes à justiça ou injustas, focaremos
nossa análise não na conformidade com a lei, mas no aspecto moral da justiça.
É bastante difícil determinar o que torna uma ação moralmente justa.
No intuito de buscar esse esclarecimento, é de grande valia perceber que, ao
contrário dos dois usos citados do termo “banco”, que são homônimos1 por
acaso – ou seja, é uma coincidência que, para expressar qualquer uma das
ideias, usemos o mesmo nome – em relação aos três usos do termo “justo”
que apresentaremos abaixo, a homonímia não se estabelece por acaso, mas,
seguindo a sugestão de Aristóteles, por muita proximidade.2 Identif‌i car em que
1 O fenômeno da homonímia é apresentado por Aristóteles em Categorias (1a1-2): “Quando coi-
sas têm apenas o nome em comum e a def‌i nição do ser que corresponde ao nome é diferente,
elas são chamadas homônimas” (ARISTOTLE, 1995).
2 Conforme Aristóteles af‌i rma em Ética Nicomaqueia (V 2 1129a26-31): “Justiça e injustiça pare-
cem ser ditos de muitos modos, mas, porque sua homonímia é de muita proximidade, passa des-
percebida e não é comparativamente óbvia como ocorre quando os signif‌i cados são muito dis-
tantes, por exemplo (pois aqui a distância de aparência é muito grande) quando se diz kleís,
de modo homônimo, para o que está na nuca dos animais e para aquilo com que fechamos as
portas” (ARISTOTLE, 1995).

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