As funções das cortes superiores, os recursos excepcionais e a necessária revisão dos parâmetros interpretativos em relação à lealdade processual

AutorMárcio Carvalho Faria
CargoProfessor Adjunto de Direito Processual Civil da Universidade Federal de Juiz de Fora
Páginas335-390
Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Volume 16. Julho a dezembro de 2015
Periódico Semestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira. ISSN 1982-7636. pp. 335-390
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/index
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AS FUNÇÕES DAS CORTES SUPERIORES, OS RECURSOS EXCEPCIONAIS E
A NECESSÁRIA REVISÃO DOS PARÂMETROS INTERPRETATIVOS EM
RELAÇÃO À LEALDADE PROCESSUAL
1
-
2
THE ROLE OF SUPERIOR COURTS, EXCEPTIONAL APPEALS AND THE
NECESSARY REVISION OF THE PARAMETERS OF INTERPRETATION
ACCORDING TO PROCEDURAL LOYALTY
Márcio Carvalho Faria
Professor Adjunto de Direito Processual Civil da
Universidade Federal de Juiz de Fora/MG. Doutor e Mestre
em Direito Processual. Presidente do Instituto dos Advogados
de Minas Gerais, seção Juiz de Fora (IAMG/JF).
marciocfaria@gmail.com
RESUMO: O presente artigo busca demonstrar, a partir das funções constitucionais dos
Tribunais Superiores, a necessidade de revisão da jurisprudência sobre a litigância de má-fé
e a lealdade processual.
PALAVRAS-CHAVE: Processo Civil - Tribunais Superiores – funções – lealdade
processual precedentes questão de fato e questão de direito - revisão jurisprudencial
necessária – litigância de má-fé - efetividade processual
RIASSUNTO: Il sudetto articolo cerca dimostrare da funzioni costituzionali dei Tribunali
Superiori, la necessità di revisione della giurisprudenza sulla mala fede processuale e sulla
correttezza processuale.
1
Artigo recebido em 20/07/2015 e aprovado em 27/11/2015.
2
Artigo em homenagem e agradecimento aos Professores Paula Costa e Silva, Miguel Teixeira de Sousa e
Pedro de Albuquerque, por todo o auxílio, atenção e apoio junto à Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa (FDUL) no primeiro semestre de 2014.
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PAROLE-CHIAVE: Processo Civile - Tribunali Superiori - funzioni - lealtà processuale -
precedenti - questione di fatto e questione di dirito - revisione giurisprudenziale necessaria -
efetività processuale.
SUMÁRIO: 1. As Cortes Supremas e suas funções constitucionais. 2. A impossibilidade (?)
de julgamento das questões de fato pelos Tribunais Superiores e as origens dos recursos
excepcionais. 2.1. Fundamentação histórica. 2.2. É realmente possível se falar em questão
direito pura? As alternativas à rigidez dos óbices quanto às questões fáticas. 3. A revisão –
ainda que pontual – das questões fáticas pelas Cortes Superiores: os julgamentos “fora da
curva”. 4. A necessária tutela uniformizadora e paradigmática sobre as hipóteses legais: a
efetividade da jurisdição em jogo. 4.1. A “contradição” dos julgamentos do STF relativos à
lealdade processual. 4.2. O cerne da questão: o reconhecimento do STJ como Corte de
Precedentes e a tutela da lealdade processual. 5. Conclusões. 6. Referências bibliográficas
1. As Cortes Supremas e suas funções constitucionais
Diversas são as espécies de “Cortes Supremas”, como sabiamente salientam, dentre
outros, Michele Taruffo
3
, Daniel Mitidiero
4
e Eduardo Oteiza
5
. Embora não seja esse o nosso
foco principal, cumpre ressaltar que podem ser encontrados três tipos, a saber: a) aquelas
destinadas à tutela repressiva do direito, quer através da revisão do julgado objurgado
(“modelo de revisão”), quer através da mera anulação ou cassação do decisum impugnado
(“modelo de cassação”)
6
; b) aquelas que visam à fixação, originariamente e/ou como última
3
TARUFFO, Michele. As funções das Cortes Supremas. Aspecto s Gerais, in Processo civil comparado:
ensaios. São Paulo: Marcial Pons, 2013, p. 117-139.
4
MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas: do Controle da Interpretação, da Jurisprudência
ao Precedente. São Paulo: RT, 2013.
5
OTEIZA, Eduardo. A função das Cortes Supremas na América Latina: história, paradig mas, modelos,
contradições e perspectivas, in Revista de Processo, v. 187. São Paulo: RT, 2010, p . 181-230.
6
Destarte, percebe-se claramente que, pelo menos quanto à parte dos julgamentos, os sistemas se confundem,
pelo que é comum a manifestação doutrinária de que todo juiz exerce função nomofilácica, vez que ele se
preocupa, no caso concreto, com a exata observância do real sentido da norma. Demonstrando tal proximidade,
Frédérique Ferrand, a partir de estudo investigativo realizado no fim do séc ulo XX: “O controle exercido pela
Corte de Cassação e a Corte Federal de Justiça nos conduz a uma prática bastante similar entre as duas
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palavra, da correta interpretação constitucional sobre determinada norma, variando-se,
assim, de acordo com o sistema de controle de constitucionalidade adotado em cada país
(v.g., difuso, nos casos brasileiro, argentino e mexicano, ou concentrado, no caso da
Verfassungsbeschwerde alemã ou do amparo dos ordenamentos iberoamericanos) e, por fim,
c) às chamadas “cortes supranacionais”, que assim devem ser consideradas pela
“importância intrínseca das decisões que prolatam e pelo fato de essas decisões não serem
impugnáveis perante nenhuma outra corte”
7
.
Há, todavia, outra diferenciação – essa sim bastante relevante para o que aqui nos
interessa – que diz respeito à atividade das Cortes Superiores, que se divide entre a tutela e
promoção da legalidade, sendo esse, aliás, o ponto comum a unir as três espécies de cortes
superiores acima citadas.
Nesse cenário, a atuação jurisdicional superior pode se dar repressiva ou
preventivamente, sendo aquela característica da tutela da legalidade, enquanto essa se refira
à promoção da legalidade
8
.
Reativamente, a atuação da corte suprema se volta à tutela do jus litigatoris,
assumindo o que Jolowicz e Elisabetta Silvestri, mencionados por Michele Taruffo
9
,
chamaram de uma função privada, pois se volta a decidir cada caso concreto objeto de
jurisdições. As duas ordens jurídicas escolheram limitar, em uma medida entretanto diferente, o acesso mesmo
à instância de cassação ou de revisão. Mas, enquanto o direito francês funda essa restrição essencialmente sobre
a noção de decisão dada em última instância, sobre o estabelecimento, principalmente jurisprudencial, dos
casos de abertura à cassação e, mais recentemente, sobre a obrigação, em certos casos, de executar a decisão
antes de acessar a cassação, a legislação alemã privilegiou outros critérios, que parecem estar destinados ao
cumprimento da missão central da revisão: a unificação d o direito pela clar ificação das questões de direitos
fundamentais e pela regulação das divergências entre o ‘interesse particular’, das partes, e o ‘interesse geral’,
de uniformidade no sistema jurídico. (FERRAND, Frédérique. Cassation française et révision allemande,
Paris, P UF, 1993, p. 188, apud KNIJNIK, Danilo. O recurso especial e a revisão da questão de fato pelo
Superior Tribunal de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 88).
7
TARUFFO, Michele. As funções das Cortes Supremas..., ob. cit., p. 119-120.
8
“A tutela da legalida de alude à função reativa que muitas corte s desenvolvem e que se explica quando uma
violação do direito já se verificou e a intervenção da corte é endereçada para eliminá-la e – quando possível –
a neutralizar ou eliminar os efeitos. A <> da legalidade alude à função que (...) se poderia definir
pró-ativa: essa se explica quando as decisões das cortes supremas são endereçadas (também ou sobretudo, ou
somente) à obtenção de efeitos futuros, seja no sentido de prevenir violaçõe s da legalidade, seja no sentido de
favorecer a evolução e a transformação do direito”. (TARUFFO, Michele. As funções... , o b.cit., p. 120).
9
TARUFFO, Michele. As funções..., ob. cit., p. 121.

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