Sobre as eficácias

AutorCláudio Perani
Páginas111-116
SOBRE AS EFICÁCIAS
Cláudio Perani
(Publicado originalmente nos Cadernos do CEAS n.º 150, mar./abr. 1994, p. 48-54.)
1. INTRODUÇÃO
Os apóstolos Pedro e João sobem ao Templo de Jerusalém para rezar. São seguidores de Jesus, que
introduziu a Lei nova do amor, mas aceitam as estruturas religiosas do Templo. Diante da Porta
Formosa, encontram um coxo que pedia esmola. Homem necessitado, como muitos outros, não
tinha outra perspectiva ou esperança a não ser aquela da esmola. Vivia uma situação de
dependência: daqueles que o traziam ao templo e daqueles que lhe davam esmola. É a situação da
maioria do povo explorado, pobre e dependente.
Pedro e João, homens simples e sem instrução na visão dos membros do Conselho Superior, diante
do esmoleiro esquecem a oração, param e olham para ele, pedindo ao coxo a mesma coisa: “Olhe
para nós!”. A relação entre os discípulos e o coxo sai do anonimato de mil casos semelhantes,
torna-se pessoal, íntima e amiga. O homem olhou, esperando “receber algo”. Era a única esperança
que tinha. Acostumado a receber esmola, não podia ter outras expectativas que o libertassem dessa
sua dependência.
Pedro e João não podem dar uma esmola. Eles também são pobres, não têm nem ouro nem prata. E
se tivessem? Talvez teriam dado algo. Em todo caso, nesta situação de pobreza, são forçados a não
dar coisas, apesar do pedido do caso, mas a dar algo de diferente, aquilo que tinham: a fé no nome
de Jesus. No caso concreto, a fé em Jesus significa confiança no coxo. Pedro estende sua mão
direita, oferece sua solidariedade e apela para a iniciativa do coxo: “Levante-se e ande!”. E o coxo
deu um pulo e começou a andar! O resultado não é simplesmente uma ajuda que permite viver mais
um dia, mas que não muda a situação crônica de dependência. É muito mais. É uma intervenção que
rompe a estrutura de marginação. De agora em diante, a pessoa anda com suas pernas, não depende
mais da esmola dos outros, criou confiança em si a partir da confiança nele depositada por Pedro.
Esse é o grande “milagre”, que suscita admiração e espanto. Dar esmola era admitido como algo
corriqueiro e normal, porque nada mudava na sociedade. Esse tipo de cura e de poder que
desencadeia a autonomia do coxo tem influência sobre a sociedade toda. Suscita espanto, porque se
percebe que mudam as relações de poder. E tem conseqüências: as autoridades e os professores da
Lei ameaçam prender Pedro e João.
Esse episódio bem conhecido, tirado dos Atos dos Apóstolos, nos introduz no tema dessas breves
considerações: o problema das eficácias das ações que pretendem mudar o mundo. Desde já,
podemos perceber a diferença entre uma eficácia mais limitada e provisória, aquela da esmola, e a
eficácia da confiança dada ao coxo, que rompe sua situação de dependente.
A conjuntura brasileira atual - de fome, miséria e desemprego - impõe com dramaticidade ainda
maior o problema da eficácia: é necessário fazer algo, e de imediato, para combater a fome que está
matando o povo. A sociedade está se mobilizando para isso. Multiplicam-se os comitês animados
pela campanha da “Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida”, que - pela urgência da
situação - quer dar comida para quem tem fome, aqui e agora, sem esquecer de atacar também as
questões estruturais.
A questão da eficácia deve interessar a todos. Neste tempo, parece fundamental e prioritária a ação,
não tanto a reflexão te6rica. O importante é fazer algo, deixando de lado ou para outra oportunidade
a discussão. Concordando com tal prioridade, constato ao mesmo tempo muitas iniciativas bem

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