As drogas, os inimigos e a necropolítica

AutorAntônio Carlos Ribeiro Júnior
CargoGraduado em Direito pela UCSal, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais e Cidadania pela UCSal, e-mail: acribeirojunior@gmail.com
Páginas146-161
As drogas, os inimigos e a necropolítica
Cadernos do CEAS, Salvador, n. 238, p. 595-610, 2016.
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AS DROGAS, OS INIMIGOS E A NECROPOLÍTICA
DRUGS, ENEMIES AND NECROPOLITICS
Resumo
A criminalização discricionária e seletiva de determinadas
drogas, no que pese o discurso oficial de proteção à saúde, é
utilizada como dispositivo de controle social. As drogas
atualmente criminalizadas, em escala mundial, são
substâncias que têm seu uso ligado a minorias étnicas. Ao
contrário do quanto assevera o discurso oficial (de proteção
à saúde), a proibição do uso destas substâncias consiste na
criminalização das pessoas que compõem estes grupos
étnicos. Historicamente se identifica a criminalização de
traços culturais de grupos dominados por uma elite bem
identificada. Observa-se um amplo grau de
discricionariedade na legislação que prevê a política criminal
sobre drogas, ao passo que o art. 28, § 2º, da lei federal
11.343/06 assevera que a distinção entre o usuário e o
traficante de drogas é pautada nas condições p essoais e
sociais da pessoa flagrada com a substância proscrita. Desta
sorte, a p olítica criminal sobre drogas é utilizada como
subterfúgio para viabilizar práticas racistas e classistas. O
jovem negro e periférico será, via-de-regra, colocado (não
apenas pelo Estado, mas também pela mídia e reproduzido
pela sociedade) como traficante de drogas, sujeito a
violências e exposto como inimigo interno da sociedade. Os
abusos e as violências cometidos contra estas pessoas serão
relevados a partir da construção de um estado de exceção
sob o pretexto de combater o inimigo. A utilização das
políticas criminais sobre drogas é um dispositivo que
permite a criminalização de determinadas pessoas e justifica
as inúmeras violências cometidas com o escopo de realizar o
controle (de vida e de morte) destas pessoas.
Palavras-chave: Necropolítica. Drogas. Proibicionismo.
Inimigo. Racismo.
Antônio Carlos Ribeiro Júnior
Graduado em Direito pela UCSal,
mestrando do Programa de Pós-
Graduação em Políticas Sociais e
Cidadania pela UCSal, e-mail:
acribeirojunior@gmail.com
INTRODUÇÃO
A atual política pública sobre drogas vigente no Brasil e na maioria dos países é de
cunho proibicionista e criminal. Esta proibição seletiva traz como justificativa para sua
existência a proteção à saúde das pessoas (GREGO FILHO; RASSI, 2009). Após mais de cem
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Cadernos do CEAS, Salvador, n. 238, p. 595-610, 2016.
anos de vigência desta política pública, resta inconteste que a mesma é ineficiente ao
promover a redução da disponibilidade e do uso das substâncias criminalizadas (KARAM,
2015). No entanto, esta política pública é de grande eficácia como justificativa para a prática
de racismo de estado e controle social.
Observa-se seletividade não apenas na criminalização das substâncias, mas também
na aplicação da lei. A discricionariedade existente na atual legislação sobre drogas em
vigência no Brasil é um dispositivo que possibilita a prática de racismo e a gestão da vida e da
morte da juventude negra e periférica – principal vítima da atual política sobre drogas. Desde
sua origem ao atual estágio da criminalização das drogas, pode-se observar a concretização do
racismo como fundamento e objetivo não revelado das práticas proibicionistas.
Assim, importa compreender a atual política criminal sobre drogas como um
dispositivo – no dizer foucaultiano – de biopolítica. Ademais, para além da gestão da vida, o
proibicionismo é também um dispositivo de necropolítica que proporciona uma distribuição
racional da morte através de aparatos em torno da figura do inimigo social e que garante a
impunidade daqueles que gerem estas práticas em nome da defesa da sociedade.
METODOLOGIA
Este é um artigo assumidamente antiproibicionista e que propõe uma reformulação
nas metodologias científicas utilizadas nos estudos sobre drogas. Para tanto, é sustentada uma
posição ativista da qual se afastam os pressupostos da neutralidade e da imparcialidade. O
pesquisador, além de um cientista, é alguém que está inserido em uma dinâmica social e
vivencia as relações de poder instituídas pelo pensamento proibicionista.
Como dito, as políticas públicas proibicionistas revelam a seletividade da
proibição de determinadas drogas de maneira totalmente discricionária. Esta
discricionariedade opera uma forma de neocolonialismo nas comunidades dominadas. A
chamada pesquisa ativista tem lugar justamente nas tentativas de modificar esta realidade
posta. Assim, a qualidade do conhecimento a ser produzido deve ter foco em sua capacidade
de transformar as relações injustas e desiguais, bem como modificar p rofundamente as
estruturas que possibilitam a existência de opressão, de desigualdade e de injustiça.

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