As contribuições na Constituição Brasileira. Ainda sobre a relevância da de stinação do produto da sua arrecadação

AutorEstevão Hovarth
CargoProfessor de Direito Tributário da PUC/SP e de Direito Financeiro da USP
Páginas122-129

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Nos dias que ora correm já se pode encontrar bastante coisa escrita acerca das contribuições no Brasil. Isto se deve, provavelmente, a que esta figura (sui generis, no dizer de Marco Aurélio Greco) suscita inúmeras dúvidas no direito positivo brasileiro e também ao fato de que não se tenha, até agora, chegado a sedimentar um entendimento uniforme sobre elas.

O "ainda" mencionado no título deste estudo reporta-se à discussão travada entre alguns juristas de prol na tentativa de desmitificar a destinação do produto da arrecadação de um tributo, propondo que esta seja, hoje em dia, ao menos, relevante para a classificação tributária e para o desvelo do regime jurídico a que determinado tributo esteja submetido.

Comecemos pelo que mais importa, que é a disciplina constitucional da matéria tributária no Brasil.

1. Supremacia da Constituição

É curioso perceber que, embora seja óbvia - e por todos reconhecida - a supremacia da Constituição sobre as demais normas jurídicas, a interpretação jurídica muitas vezes se faz com base nestas últimas ou, pelo menos, atribuindo a elas uma importância não repassada à norma inaugural.

É comum ver-se decisões judiciais fundadas em legislação infraconstitucio-nal - ou até infralegal -, quando deveriam sê-lo com espeque na Lei das Leis. Como dizia o saudoso professor Geraldo Ataliba: "Quando o general fala, o sargento cala a boca e obedece". Extremamente didática e significativa esta expressão em linguagem vulgar. Se a Constituição da República determina alguma coisa, toda a legislação in-fraconstitucional deve a ela se submeter.

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Eduardo García de Enterría é enfático ao proclamar que a Constituição não é somente uma norma, mas é precisamente a primeira das normas do ordenamento inteiro, a norma fundamental, lex superior.1

O que se quer significar é que o ponto de partida para a interpretação jurídica (portanto, em qualquer área do Direito) é a Constituição; e isso deve ser enfatizado sempre que surgir alguma oportunidade.

O raciocínio acima aplica-se ao tópico objeto deste estudo, porquanto no que se refere às contribuições também há uma tendência a prestigiar a legislação infra-constitucional, olvidando-se do ponto de partida, que deve ser a Constituição - e mais: a Constituição originária de 1988.2

O sistema constitucional tributário brasileiro compõe-se dos três tributos denominados de clássicos (impostos, taxas e contribuições de melhoria) e de mais dois outros (empréstimos compulsórios e outras contribuições) - poder-se-ia dizer -sui generis, dadas as suas peculiaridades. Uma dessas peculiaridades é a relevância da destinação do produto da sua arrecadação a determinados e preestabelecidos propósitos. Assim é que "a aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição", nos dizeres expressos e de clareza solar do parágrafo único do art. 149 da Lei Maior.

Da mesma sorte partilham as contribuições do art. 149 da Constituição da República - sociais, interventivas e corporativas -, cuja instituição é autorizada para servir de instrumento da atuação da União nestas respectivas áreas (caput). Ora, se a União pode criar uma contribuição para obter recursos para atuar em determinada (pela própria Constituição) área, isto somente pode significar que os recursos assim arrecadados devem ser destinados a essa atuação.

Em outras palavras, a União somente pode instituir uma contribuição quando e para atuar num daqueles setores indicados pela Lei das Leis e, demais disso, destinar o produto da arrecadação para nele ser aplicado.

Isto também significa que o cidadão - aqui, contribuinte - tem o direito de ser tributado por via de uma contribuição do art. 149 diante da existência desses pressupostos. O que parece evidente - e, infelizmente, nem sempre é reconhecido com facilidade - é que a tributação via contribuição somente pode ocorrer se for para dirigir os recursos arrecadados a uma das áreas em que a União decidiu atuar (ou ampliar sua atuação). É dizer, é condição de validade de tal tributação o destino do produto da sua arrecadação. Ou, noutro giro, não pode o Estado destinar os recursos provindos de uma contribuição a outra finalidade que não aquela prevista no Texto Magno. Se se trata de contribuição para a seguridade social, somente para o(s) órgão(s) que cuida(m) da seguridade social pode ser voltada a arrecadação, sob pena de ser inválida esta cobrança (não só moral, como, também, juridicamente).

O raciocínio jurídico é simples: existe uma regra de competência (ou de estrutura), prévia à regra-matriz de incidência das contribuições, que subordina a validade desta à obediência daquela. Em rigor, trata-se de duas regras de competência: (i) a primeira, que diz: se a União atuar numa das áreas previstas no caput do art. 149 da CF, ela poderá instituir um

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tributo denominado "contribuição"; (ii) a segunda prescreve: sendo criada tal contribuição, o produto da sua arrecadação deve ser destinado a financiar a atuação da União naquelas áreas.

Respeitadas estas condições, o legislador da União pode gizar a regra-matriz de incidência desse tributo, procedendo basicamente da mesma forma como o faz com os tributos "clássicos". O contribuinte tem o direito de contestar a cobrança em questão, se for o caso, com base tanto na impropriedade de algum dos critérios da regra-matriz como na inexistência, desobediência ou impropriedade das regras de competência.

2. Por quê epara quê existem as contribuições?

A razão de existir dessas contribuições parece ser o reconhecimento, pelo constituinte originário, de que o Estado (aqui, a União) necessita estar mais presente em determinadas áreas da sociedade - que ele mesmo elegeu -, e, para tanto precisa de recursos extraordinários (em contraposição aos recursos ordinariamente obtidos pelo Tesouro). Estes recursos seriam conseguidos pela cobrança de contribuições, o que implica, inexoravelmente, que devem ser destinados a fazer frente às despesas com a respectiva atuação do Estado numa daquelas prefixadas áreas.

A corroborar esta idéia está o art. 195 da CF, que reza: "Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...)".

Certamente quis o constituinte, com isto, admitir que todos contribuiriam com a seguridade social (sob a forma das ações expressas no caput do art. 194 da Lei Maior) por meio das receitas usuais,3 advindas do orçamento (como contribuem para outras finalidades, também), e, além disso - em virtude da insuficiência de tais recursos -, pagariam também contribuições. Embora se esteja referindo, aqui, às contribuições para a seguridade social, outro tanto pode ser dito com relação às demais contribuições, mutatis mutandis.

Enquanto as receitas...

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