Artigos 611 a 625

AutorMaurício Machado Marca e Guilherme da Rocha Zambrano
Páginas479-490

Page 479

Maurício Machado Marca

Juiz do Trabalho Titular da 2ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul. Mestre em Relações do Trabalho pela Universidade de Caxias do Sul. Autor do livro Relação de Trabalho. São Paulo: LTr, 2010. Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul.

Guilherme da Rocha Zambrano

Juiz do Trabalho no TRT-RS. Mestre em Direito pela UFRGS. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS.

TÍTULO VI

CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO (Redação dada pelo Decreto-lei n. 229, de 28.02.1967)

Art. 611 – Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho. (Redação dada pelo Decreto-lei n. 229, de 28.2.1967)

§ 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais emprêsas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho. (Redação dada pelo Decreto-lei n. 229, de 28.2.1967)

§ 2º As Federações e, na falta destas, as Confederações representativas de categorias econômicas ou profissionais poderão celebrar convenções coletivas de trabalho para reger as relações das categorias a elas vinculadas, inorganizadas em Sindicatos, no âmbito de suas representações. (Redação dada pelo Decreto-lei n. 229, de 28.2.1967)

Introdução – É imperioso destacar de plano que os arts. 611 e seguintes da CLT somente podem ser adequadamente interpretados à luz do art. 7º, incisos VI, XIII, XIV e XXVI e art. 8º, incisos I, II, III e VI, da Constituição Federal. A Constituição Federal claramente busca conferir proeminência às normas coletivas e à negociação sindical.

No século XIX, a partir da superação do modelo produtivo composto pelas corporações de ofício, com o implemento da revolução industrial o trabalho humano foi inteiramente alterado. O novo modelo de produção massificada estava fundado na utilização intensiva de maquinaria. As máquinas pertenciam ao capitalista que passou a ser o detentor exclusivo do resultado do trabalho. O ritmo do trabalho deixou de ser ditado pelo trabalhador e passou para as máquinas. Além disso, superou-se igualmente a divisão do trabalho tradicional a que se pautava nas capacidades e potencialidades do ser humano. O trabalho

Page 480

passou a ser fragmentado em pequenas parcelas do que resultou: a) o conhecimento sobre como produzir passou das mãos de quem executava o trabalho para o capitalista; b) aumentou a concorrência entre os próprios trabalhadores pelos postos de trabalho; c) diminuiu o preço pago pelo trabalho.

Dentro deste contexto histórico, instalou-se de forma congênita a super exploração do trabalho mediante a exigência de jornadas de trabalho extenuantes, pagamento de salários insuficientes para o atendimento das mais elementares necessidades do trabalhador, inobservância de regras básicas de saúde, segurança e higiene no trabalho com trabalhadores dormindo uns sobre os outros ao lado das máquinas após a total exaustão, utilização de trabalho intensivo de menores, tudo controlado o mais das vezes com vigilância armada. Contudo, àquela época era preciso reunir para produzir. A reunião dos trabalhadores em condições de vida similares levou à solidariedade, organização e à resistência manifestada em greves, piquetes, barricadas, sabotagem industrial. A violência dava a tônica às manifestações tanto por parte dos trabalhadores, quanto pelos responsáveis pela repressão aos movimentos dos trabalhadores.

Àquela época o Estado não intervinha de modo sistemático, mas apenas ocasional e as partes eram compelidas a resolver por si mesmas seus conflitos permanentemente latentes porque alimentados por interesses contrapostos: o empregador em obter mais trabalho com o menor custo; os empregados em prestar menos trabalho com maior remuneração. Os movimentos violentos causavam notório prejuízo patronal, à classe trabalhadora e a toda a sociedade. Nos momentos de crise, mesmo sem previsão norma-tiva expressa, surgiram as negociações coletivas a demonstrar que “esses pactos tinham dom de resolver o conflito surgido e que, bem orientados, poderiam, preventivamente, resolver conflitos futuros.”1

Na atualidade, acerca da continuidade da relevância e alcance das normas coletivas merece destaque a decisão proferida pelo Exmo. Ministro Luís Roberto Barroso, no RE n. 590.415, de Santa Catarina:

A negociação coletiva é uma forma de superação de conflito que desempenha função política e social de grande relevância. De fato, ao incentivar o diálogo, ela tem uma atuação terapêutica sobre o conflito entre capital e trabalho e possibilita que as próprias categorias econômicas e profissionais disponham sobre as regras às quais se submeterão, garantindo aos empregados um sentimento de valor e de participação. É importante como experiência de autogoverno, como processo de autocompreensão e como exercício da habilidade e do poder de influenciar a vida no trabalho e fora do trabalho. É, portanto, um mecanismo de consolidação da democracia e de consecução autônoma da paz social.2

São altamente relevantes, dentre outras, as Convenções n. 98 e n. 154 da Organização Internacional do Trabalho, promulgadas pelo Brasil, respectivamente, pelo Decreto n. 33.196, de 29.06.53 e Decreto n. 1.256, de 29.09.94. A Convenção n. 98 além de prever e estimular a negociação coletiva, para adequadamente instrumentalizar a negociação, proíbe os atos anti-sindicais consistentes em: a) subordinar o emprego à condição de não filiado a sindicato; b) prejudicar de qualquer modo o empregado em razão da filiação ou participação em atos sindicais; c) haver ingerência em entidades sindicais de empregados de modo a “provocar a criação de organizações de trabalhadores dominadas por um empregador ou uma organização de empregadores”. A Convenção n. 154 da Organização Internacional do Trabalho dispõe sobre o “Fomento à Negociação Coletiva”, assim considerada a que “a) fixar as condições de trabalho e emprego; ou b) regular as relações entre empregadores e trabalhadores; ou c) regular as relações entre os empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez.”3

Definição – As convenções e os acordos coletivos de trabalho são o instrumento por meio do qual toda a categoria profissional e econômica ou o conjunto de empregados de determinada empresa se obrigam, por tempo determinado, à observância das regras gerais resultantes da negociação coletiva ou instituem obrigações diretas aos próprios sindicatos convenentes.

Page 481

Convenção, Acordo e Contrato Coletivos – Convenção coletiva de trabalho é instrumento de negociação entre dois ou mais sindicatos, aplicável a toda a categoria profissional e econômica. Acordo coletivo de trabalho é instrumento de negociação celebrado entre o sindicato profissional e uma ou mais empresas. Contrato coletivo era a expressão originariamente utilizada na CLT para designar a convenção coletiva de trabalho. O Decreto-lei n. 229 de 28.02.1967, ao tempo em que instituiu a possibilidade do acordo coletivo de trabalho, substituiu nos arts. 611 e seguintes a denominação contrato coletivo por convenção coletiva de trabalho, embora a expressão contrato coletivo tenha permanecido em inúmeros outros dispositivos da CLT4. Para os limites deste estudo e a interpretação adequada da CLT, deve-se tomar a expressão contrato coletivo constante na CLT por sinônima de convenção ou acordo coletivo5.

Natureza jurídica – As normas coletivas, embora subscritas pelos respectivos sindicatos, obrigam e vinculam toda a categoria profissional e econômica6. Podem criar, portanto, além de meras cláusulas contratuais que vinculam os contratantes, regras jurídicas aplicáveis a toda a categoria que se encontra, por força do art. 8º, VI, da Constituição Federal, representada por seus respectivos sindicatos. Implica em importante superação da concepção civilista e individualista que demarca os limites de formação e vinculação dos contratos, substituída pelo reconhecimento do “ser coletivo” na dicção de DELGADO7.

Este “ser coletivo” tem vontades e interesses próprios8 e é representado por uma superestrutura jurídica: o sindicato. O sindicato é imprescindível à negociação coletiva, tanto por disposição constitucional expressa9, como por força da Convenção n. 154 da Organização Internacional do Trabalho10. São inúmeras as teorias11 desenvolvidas para explicar a natureza jurídica desta representação ex lege, merecendo destaque a que conjuga o pacto de vontades próprio e inerente à negociação com o efeito vinculante sobre toda a coletividade:

A chamada teoria mista, que enfatiza essa combinação peculiar – contrato criador de norma jurídica –, é, sem dú-vida, a que melhor explica a natureza jurídica dos diplomas negociais coletivos. São eles, desse modo, pactos de origem societária, envolvendo seres coletivos, a que a ordem jurídica atribui aptidão para gerar regras jurídicas. São pactos geradores de normas.12

Requisitos formais de validade – São os mesmos dos demais atos jurídicos em geral: a) agente capaz; b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; c) forma prescrita ou não proibida em Lei (art. 154, do Código Civil). Como se verá na análise do art. 614, a observância dos requisitos formais são

Page 482

essenciais ao registro da negociação coletiva no Ministério do Trabalho e Emprego, conforme disciplinado pela Instrução Normativa n. 16 de 2013 do Ministério do Trabalho, que afere a partir do CNES13a correlação entre os subscritores da norma coletiva e os dirigentes sindicais a tanto legitimados, bem assim as respectivas bases territoriais comuns dos sindicatos convenentes14, dentro de cujos limites...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT