Artigos 611-A e 611-B

AutorRodrigo Trindade de Souza
Páginas457-478

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Rodrigo Trindade de Souza

Juiz do Trabalho no TRT-RS. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Especialista em Direito do Trabalho pela UDELAR (Montevideo-Uy) e pela Unibrasil (Curitiba-PR). Professor da disciplina de Direito do Trabalho III da Femargs – Escola da Magistratura do Trabalho do RS. Professor convidado em cursos de pós-graduação em diversas instituições. Vice-Presidente da Academia Sul-Rio-Grandense de Direito do Trabalho – ASRDT. Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região – Amatra-IV.

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (Incluído pela Lei n. 13.467 de 2017)

A Lei n. 13.467 de 2017, em seus arts. 611-A e 611-B, aparentemente subverte a história de alocação da negociação coletiva como direcionada a construir melhores condições de trabalho e cria opção hermenêutica de abrir as portas de acordos e convenções coletivas para regramento em patamares mesmo inferiores ao previsto na lei. Em poucas palavras, prevê que convenções e acordos coletivos de trabalho têm prevalência sobre a legislação no que dispuser sobre 15 itens. Além disso, fixa limitadores para ativi-dade jurisdicional de controle de conteúdo dos instrumentos coletivos.

A iniciativa legislativa (ou apenas certa opção hermenêutica) tem como aparente motivação o retorno do chamado “Estado Mínimo”, reprimido de iniciativas para compensar desigualdades econômicas e ativo para desregulamentar a relação capital-trabalho. Pretende-se superar as experiências de constitucionalizados Estados de Bem-Estar Social e passar ao Estado Neoliberal. Para isso, passa-se a defender o inverso: a desuniversalização dos direitos trabalhistas e a mitigação abruta do princípio da proteção ao empregado1.

A análise da alteração legislativa, todavia, deve ocorrer em cotejo com o atual ambiente sindical, primados de lealdade concorrencial e orientações principiológicas, determinantes constitucionais e aná-lise sistemática da legislação.

Justificação parlamentar

Segundo sua justificação, o projeto que deu origem à Lei n. 13.467 de 2017, pretendia aprimorar as relações do trabalho no Brasil, utilizando-se de mecanismos de valorização da negociação coletiva e

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atualização de instrumentos de combate à informalidade da mão de obra no país. A proposição teve larga ampliação, mantendo-se a pretensão de inovação no tema do campo de atuação da negociação coletiva.

O relator do projeto na Câmara, Deputado Rogério Marinho, defendeu a necessidade de fortalecimento da negociação coletiva, garantindo maior segurança jurídica. Mas o parlamentar também esclareceu a importância de preservação de direitos já previstos na lei, assim referindo:

Nesse sentido, é acertada a ideia contida na proposta do Governo. Ao se abrir espaço para que as partes negociem diretamente condições de trabalho mais adequadas, sem revogar as garantias estabelecidas em lei, o projeto possibilita maior autonomia às entidades sindicais, ao mesmo tempo em que busca conferir maior segurança jurídica às decisões que vierem a ser negociadas. A insegurança jurídica da representação patronal, que não tem certeza se o que for negociado será preservado pela Justiça do Trabalho, é um grande empecilho à celebração de novas condições de trabalho mais benéficas aos trabalhadores e, em última instância, um entrave à contratação de mão de obra. Nessa linha de raciocínio, o foco que se almeja com a presente reforma é a expansão das condições de negociação dos sindicatos diante das rígidas regras da CLT, sem comprometer os direitos assegurados aos trabalhadores. (grifei).

Em outros dois trechos, o mesmo parlamentar explicita que o projeto de lei não pretendia reduzir direitos dos trabalhadores:

Repita-se, não se busca com esse dispositivo reduzir direitos dos trabalhadores, mas apenas permitir que regras rígidas da CLT possam ser disciplinadas de forma mais razoável pelas partes, sem que haja o risco de serem invalidadas pelo Judiciário, contribuindo para uma maior segurança jurídica nas relações de trabalho. (grifei)

(...)

Esse é, justamente, o espírito das alterações que almejamos nesta oportunidade. Como já expusemos, deve-se fortalecer o entendimento direto entre as entidades sindicais que representam empregados e empregadores, sem que haja a violação dos direitos assegurados aos trabalhadores. (grifei) 2

Ao que se vê, o próprio relator da alteração legislativa defendeu seu projeto a partir da garantia de que a modificação do campo de atuação da negociação coletiva não serviria para diminuição de direitos trabalhistas já assegurados em lei. Atente-se que os benefícios obreiros que devem ser preservados, na referência do próprio deputado, não se limitam ao fixado na Constituição, mas alcançam a lei em sentido estrito.

Inconvencionalidades

Inserido na comunidade internacional, o Brasil submete políticas e legislações internas às regras fixadas em acordos e convenções internacionais que firma.

Nosso país é signatário de importantes convenções da Organização Internacional do Trabalho indicativas do campo de atuação da negociação coletiva.

Enquanto em tramitação o projeto de lei que resultou na Lei n. 13.467, a OIT teve oportunidade de se manifestar acerca da convencionalidade de seu conteúdo. Em resposta à consulta efetuada, em julho de 2017, por cinco centrais sindicais brasileiras, a Sra. Corinne Vargha, Diretora de Normas Interacionais do Trabalho, identificou descumprimento às Convenções de ns. 98, 151 e 163. Especialmente afirmou que o objetivo da negociação coletiva deve ser de buscar condições de trabalho mais favoráveis que prevista na legislação.

Também há especial referência à Convenção n. 154 da OIT, a qual restou aprovada na 67ª Conferência Internacional da OIT, entrou em vigor no plano internacional em 1983. Foi aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 22, de 12.05.1992, alcançando plena vigência no território nacional em 10.07.1993. Assim estabelece:

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Art. 7 — As medidas adotadas pelas autoridades públicas para estimular o desenvolvimento da negociação coletiva deverão ser objeto de consultas prévias e, quando possível, de acordos entre as autoridades públicas e as organizações patronais e as de trabalhadores.

Apesar da gigantesca amplitude da Lei n. 13.467 de 2017, o projeto legislativo foi pouquíssimo discutido pela sociedade civil, ficou muito distante de consenso, foi (e permanece sendo) amplamente rejeitada pelas organizações de trabalhadores e pode oferecer opção hermenêutica de permitir fixação de condições de trabalho inferiores ao legalmente previsto. Nesse contexto, dificilmente há condições de se encontrar cumprimento a compromissos internacionais do Brasil frente à OIT.

Problemas de legitimidade sindical

O projeto de lei que resultou na Lei 13.467 de 2107 apoiou-se em pressões empresariais para flexibilização das leis trabalhistas. Em resumo, foram determinantes argumentos relativos a globalização econômica, alteração na organização empresarial e novas formas de empreender e trabalhar. Tudo isso demandaria reestruturações de produção. No tema da alteração do campo de atuação da negociação coletiva, colou-se a prevalência do negociado como possível catalizador do diálogo social.

Não há dúvidas que o discurso é, potencialmente, sedutor. As partes da negociação coletiva são as que mais conhecem as próprias rotinas e demandas. São sindicatos e empresas quem melhor sabem dos detalhes de suas atividades, o que está sobrando e faltando e, portanto, poderiam abrir mão de algo considerado “supérfluo”.

O projeto de aparente ampliação do objeto de convenções coletivas de trabalho, todavia, tem problemas de premissas.

O fundamento de qualquer negociação é paridade de armas e isso vale para tudo na vida, principalmente complexas e importantes negociações sindicais. Ordinariamente afirma-se que no Direito Coletivo – ao contrário do Direito Individual do Trabalho – as partes representativas possuem condições equivalentes de negociação. No capitalismo, poder de fogo é medido pelo dinheiro e não é segredo que trabalhadores têm menos que empresários, inclusive suas entidades representativas.

É verdade que em períodos de pleno emprego, de crescimento da economia, esse poder de fogo tende a ficar um pouco menos desequilibrado. Se não há poder de negociar de igual para igual, pelo menos passa a ser possível extrair algum tipo de benefício. Mas, em épocas de desemprego e recessão, autonomia negocial é pura e simplesmente o meio mais rápido de diminuir salário, aumentar jornada e reduzir condições de higiene no meio ambiente laboral. Tudo como forma de reduzir custos e aumentar lucratividade3.

Há, ainda, uma segunda premissa equivocada: a de que sindicatos possuem perfeita legitimidade para estabelecer as condições de trabalho que julgarem mais adequadas a seus representados – sejam as condições que forem, inclusive inferiores ao standart legal.

Há diversos sindicatos de absoluta seriedade e que jamais permitiriam consciente prejuízo geral a seus representados. Mas, lamentavelmente, nosso ambiente sindical está muito distante da perfeição e não são incomuns presidentes de sindicatos que mantém indevida dependência do empresariado.

A questão é polêmica e delicada, mas precisamos ser sinceros na constatação de haver certa regularidade na má atuação corporativa. O principal fator é o da unicidade sindical acoplada à contribuição sindical compulsória.

A regra de único...

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