Arte homoerótica no Brasil: estudos contemporâneos

AutorWilton Garcia
Páginas131-163
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Niterói, v.12, n.2, p. 131-163, 1. sem. 2012
ARTE HOMOERÓTICA NO BRASIL: ESTUDOS
CONTEMPORÂNEOS1
Wilton Garcia (UBC)
Resumo: Este trabalho inscreve uma perspectiva homoerótica no campo
da arte, diante da emergência de debates acerca das minorias sexuais no
Brasil. Ao imbricar homoerotismo e arte, surge uma complexidade que
equaciona o contemporâneo. Sob este ponto de vista, articula-se a pro-
dução de um saber, experimentado no procedimento teórico para a cons-
trução do conceito de homoarte. Assim, desenvolvo uma pesquisa sobre
arte, imagem e performance com o propósito de instaurar leituras acerca
da escritura homoerótica no país.
Palavras-chave: arte contemporânea; homoerotismo; Brasil.
Abstract: This work forms a homoerotic perspective in art, before the emer-
gence of debates about sexual minorities in Brazil. By lap homoeroticism &
art, there is a complexity that equates the contemporary. Under this view,
articulated to the production of knowledge, experienced in the procedure
for building the theoretical concept of homoart. So, I develop a research on
art, image and performance in order to bring about the scripture readings
homoerotic in the country.
Keywords: contemporary art; homoerotism; Brazil.
1 Este texto faz parte da minha tese de doutorado, intitulada “Imagem e homoerotismo: a sexualidade no
discurso da arte contemporânea”.
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A produção de um discurso científico sobre uma perspectiva homo-
erótica no campo da arte brasileira pode se instaurar mediante a relação
homoerotismo e imagem, sobretudo na atualidade. Tal relação requer um
cuidado especial na aplicação recorrente da linguagem visual, tendo em
vista a complexidade que aponta como estratificação de contextos distin-
tos e complementares. A partir dessa linguagem, os estudos da homocul-
tura2 abrange variáveis estratégicas entre alteridade, diferença e diversida-
de, que possa comportar homo, bi, lesbo, trans entre outros.
O cuidado para (d)escrever essa junção – homoerotismo e imagem –
precisa observar, estrategicamente, a dinâmica discursiva de artistas e co-
munidades gay-lésbicas, pois interessa demonstrar o percurso de determi-
nadas proposições contemporâneas, as quais atualizam a ideia de uma arte
homoerótica brasileira. Longe de uma visão materialista e/ou essencialista,
seria válido, então, considerar o modo como o artista expressa o homoe-
rotismo, bem como de que forma esse tema pode surgir em cada trabalho
artístico a partir da leitura do público (observador).
Uma questão relevante que merece destaque nessa discussão está as-
sociada à complexidade para enunciar os rumos destoantes dessa cultura
contemporânea, com traços e características díspares. Ou seja, uma (re)di-
mensão aberta, efêmera, deslizante, fragmentada, hermética, inacabada,
não linear, parcial, paródica, provisória, simultânea, superficial...
Em tempos de globalização, tecnologias emergentes e consumo ace-
lerado, as atualizações e as inovações revigoram a maneira de ser/estar do
sujeito contemporâneo. Entre ações colaborativas e interativas, a fragilida-
de das representações exploram “novas/outras” significâncias de uma di-
versidade, cada vez mais plural; que se multiplica ad infinitum. E, na arte,
isso não seria diferente.
Desse modo, este texto não deve ser compreendido como uma ten-
tativa de (re)inventar a construção do discurso homoerótico na arte brasi-
leira; e tampouco, ameaça e/ou desafio contra o sistema hegemônico. Este
último deve ser visto/lido como designação de poder institucional, autori-
tário, utilizado para tentar universalizar um discurso homoerótico (COSTA,
2 No Brasil, o campo do conhecimento que interessa nos estudos sobre homoerotismo e cultura elege a
noção de homocultura como denominação recorrente de um estado híbrido: antropofágica, ambígua,
erótica e sincrética. E, talvez, deve-se observar a extensão enunciativa do prexo “homo” como radical
às variantes: homossexual, homoerótico, homoarte, homoafetividade, homotexto, homocultura, entre
outros. Esse hibridismo evidencia-se na gama de resultantes parciais sobre as propriedades enunciativas da
homocultura, como elaboração de uma proposta interdisciplinar na ação epistemológica dos estudos gays
e lésbicos emergentes na universidade brasileira.
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1992, 1995). As evidências desse posicionamento diferenciado distanciam-
-se das regras dominantes do sistema para convergir em uma “nova/ou-
tra” dinâmica mais aberta. Em um precedente discursivo, homoerotismo e
imagem devem ser considerados como (re)inscrição de paradigmas iden-
titários, socioculturais e políticos, atualmente, em que as reconfigurações
emergem-se em suas expressões artísticas, estéticas e poéticas, em uma
ênfase homoerótica.
Neste procedimento de escritura, tento mapear e aproximar carac-
terísticas – nem sempre consensuais – que envolvem traços pertinentes
dos objetos artísticos da contemporaneidade brasileira, em diálogo com
as premissas expostas sobre o homoerotismo. Assim, apresento nomes ar-
tísticos como: Alair Gomes, José Leonilson, Glauco Menta, Hudinilson Jr. e
Marcelo Gabriel. Trata-se, aqui, de um recorte de nomes eleitos pela condi-
ção de se assumir, esteticamente, nas artes. Contudo, gostaria de ressaltar
também outros nomes de artistas relevantes como: Fernanda Magalhães,3
Joaquim Paiva, Paulo Rolla, Orlando Maneschy e Vitor Mizael, os quais se
têm empenhado para ampliar essa dimensão homoerótica na arte contem-
porânea brasileira.
E, talvez, um dos nomes mais atuantes – em termos de militância –
para abrir essa lista de artistas que transitam entre arte e homoerotismo
no Brasil seja Darcy Penteado. De acordo com João Silvério Trevisan: “uma
referência obrigatória, em se tratando de arte homoerótica no Brasil... são
os desenhos de Darcy Penteado” (TREVISAN, 1986, p. 296). Notadamente,
trata-se de um olhar inaugural e diferenciado. Artista plástico, cenógrafo,
desenhista, figurinista, gravador e literato, teve uma vida dedicada a tra-
balhos na área de indumentária e cenografia do teatro. Nasceu (1926) e
faleceu (1987) no estado São Paulo. Os trabalhos estéticos (plástico-visuais)
e políticos (engajado e militante) de Penteado trazem indícios do homo-
erotismo ao enlace de sua arte criativa como referência singular da arte
brasileira. Eminentemente, trata-se de um sensível esteta inaugural, dife-
renciado e notável.
De fato, a relevância dos nomes dos artistas citados resulta de uma
eleição realizada com base na observação empírica, bem como na possi-
bilidade de descrever tais produções estéticas associadas a uma posição
3 Ao investigar sobre a arte e as relações entre pessoas do mesmo sexo, este trabalho privilegia manifestações
artísticas homoeróticas entre homens. A delimitação do estudo observa que a dinâmica das relações entre
mulheres determinam especicidades independentes e inerentes a uma temática lésbica. A complexidade
de questões como lesbianismo, feminino, mulher e gênero devem ser respeitadas e, portanto, direcionadas
a um tratamento exclusivo, em que esse tipo de manifestação possa ser mais bem pesquisado.

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