A arquitetura islâmica e a psicologia de C. G. Jung

AutorRafael Raffaelli
CargoDoutor em Psicologia Clínica pela PUC/SP e professor do PPGICH da UFSC
Páginas96-118
96
A arquitetura islâmica e a psicologia de C.G.Jung
Islamic architecture and C.G.Jung’s psychology
Rafael Raffaelli20
RESUMO
Este ensaio se propõe a refletir sobre as influências que a arquitetura islâmica
exerceu sobre a psicologia de Carl Gustav Jung em geral e sobre as origens do
seu conceito de mandala em particular. Utiliza-se o relato autobiográfico de Jung,
Memórias, Sonhos e Reflexões, e sua obra Psicologia e Alquimia, para traçar essa
origem. Segundo Barbara Hannah, biógrafa de Jung, uma mesquita no Cairo
(Egito) foi de importância capital para a formulação desse conceito. Provavelmente
esse templo é a Mesquita Ahmad Ibn Tulun. São examinados alguns exemplos de
edificações cujo desenho arquitetônico é baseado na composição concêntrica. É
também analisada a relação entre a simbologia arquitetônica islâmica inspirada
pelo sufismo e as concepções psicológicas de Jung.
Palavras-chave: Arquitetura islâmica. Mesquita Ahmad Ibn Tulun. Sufismo.
Mandala. C.G.Jung.
ABSTRACT
This essay intends to reflect on the influences of Islamic architecture upon Carl
Gustav Jung’s psychology in general and upon the origins of his concept of
mandala in particular. Jung’s autobiography, Memories, Dreams, Reflections, and
his work Psychology and Alchemy are utilized to trace that origin. According to
Barbara Hannah, Jung’s biographer, a mosque in Cairo (Egypt) was of capital
importance for the formulation of this concept. Probably, this temple is the Mosque
Ahmad Ibn Tulun. Some examples of edifications whose architectural designs are
laid on concentric composition are examined. The relationship between the Islamic
architectural symbolism inspired by Sufism and Jung’s psychological conceptions
is also analyzed.
Key Words: Islamic architecture. Mosque Ahmad Ibn Tulun. Sufism. Mandala.
C.G.Jung.
20 Doutor em Psicologia Clínica pela PUC/SP e professor do PPGICH da UFSC.
97
1 INTRODUÇÃO
No decorrer do desenvolvimento de suas concepções psicológicas Carl
Gustav Jung (1875-1961) distanciou-se da Psicanálise freudiana, entre outros
motivos, devido à ênfase atribuída aos elementos simbólicos do inconsciente
coletivo. E dentre os símbolos do inconsciente coletivo atribuiu importância
primordial ao mandala.
‘Mandala’ – termo originado do sânscrito que significa ‘círculo’ e
“particularmente círculo mágico” (JUNG; WILHELM, 1983, p.38) – designa as
figuras geométricas formadas a partir do centro de um círculo ou de um quadrado,
configurando um espaço sagrado.
Essas formas plásticas são usualmente utilizadas como instrumentos de
concentração na prática meditativa, podendo ser moldadas em areia, desenhadas,
pintadas ou configuradas através de técnicas mistas com o emprego de alto-relevo
em madeira ou metal; podem ser igualmente expressas por meio dos movimentos
e da dança, individual ou coletiva, em coreografias circulares21 . São também
bastante empregadas em arquitetura, tanto no que se refere à planta das
edificações, quanto aos motivos decorativos. Além disso, são produzidas
espontaneamente em visões, sonhos e fantasias, e diversos motivos mitológicos a
ela se referem, como, por exemplo, o do labirinto.
Jung incorporou a idéia do mandala em sua Psicologia Analítica como o
símbolo que expressa o Si-mesmo, o arquétipo da totalidade, ápice do processo
de individuação. Para ele esse símbolo é uma constante em todas as culturas,
religiões e práticas esotéricas, pois aponta para a convergência em direção a um
ponto central, o centro da psique objetiva22: “Mandala exprime o Si-mesmo, a
totalidade da personalidade.” (JUNG, 1985, p.173)
Assim, segundo Jung (1985, p.174), o mandala simboliza o caminho que
leva à individuação, e se constitui na “descoberta última a que poderia chegar”.
21 Vide, por exemplo, a dança (sama) dos dervixes da Ordem Mevlevi (‘dançarinos’), criada pelo
poeta e sufi Jalal ud-Din Rumi (1207-1273). Jung (1983, p.39) também coloca: “Na Índia, isto se
chama: mandala nritya, que significa dança mandálica”.
22 Jung (1990, p.53) em Psicologia e Alquimia usa o termo ‘psique objetiva’ como uma variante da
expressão ‘inconsciente coletivo’; de forma alternativa, ele empregou na mesma obra (p.66) o
termo ‘psique coletiva’. A ‘psique objetiva’ ou ‘psique coletiva’ seria composta de arquétipos,
enquanto a ‘psique subjetiva’ ou ‘psique individual’ seria formada pelos complexos e se constituiria
no lócus da consciência.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT