Argumentação, fatos e verdade no processo penal em estados constitucionais

AutorPaulo Alves Santos, Cláudia Rosane Roesler
Páginas407-441
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 13. Volume 20. Número 1. Janeiro a Abril de 2019
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 407-441
www.redp.uerj.br
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ARGUMENTAÇÃO, FATOS E VERDADE NO PROCESSO PENAL EM
ESTADOS CONSTITUCIONAIS1
ARGUMENTATION, FACTS AND TRUTH IN THE CRIMINAL PROCESS IN
CONSTITUTIONAL STATES
Paulo Alves Santos
Mestrando em Direito, Estado e Constituição pela
Universidade de Brasília UnB. Especialista em
Argumentação Jurídica pela Universidade de
Alicante/Espanha. Membro do Grupo de Pesquisa em
Retórica, Argumentação Jurídica e Juridicidades da
Universidade de Brasília UnB. Analista Judiciário no
Superior Tribunal de Justiça - STJ. E-mail: pauloas-
22@hotmail.com
Cláudia Rosane Roesler
Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo USP.
Professora da Universidade de Brasília UnB.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Retórica,
Argumentação Jurídica e Juridicidades da Universidade de
Brasília UnB. E-mail: croesler@unb.br
RESUMO: A constitucionalização dos ordenamentos jurídicos, fenômeno que pretendeu
tornar possível o controle público sobre o exercício do poder político, impôs uma
transformação na forma como são justificados os atos decisórios estatais, especialmente os
de caráter judicial. Esta justificação constitucionalizada das decisões é exigível também
nos aspectos fático-probatórios do raciocínio judicial, o que impõe que sejam repensadas
as relações entre argumentação, exame dos fatos e busca da verdade no processo,
sobretudo no processo penal, no qual questões fáticas assumem maior densidade. Com o
1 Artigo recebido em 29/08/2018 e aprovado em 04/04/2019.
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auxílio da teoria standard da argumentação jurídica, o artigo propõe caminhos para a
interlocução entre estes elementos contingentes.
PALAVRAS-CHAVE: Argumentação em matéria de fatos; processo penal; raciocínio
judicial; decisões judiciais; verdade processual.
ABSTRACT: The constitutionalisation of legal systems, a phenomenon that sought to
make public control over the exercise of political power possible, required a transformation
in the way in which state decision-making acts, especially those of a judicial nature, are
justified. This constitutional justification of decisions is also required in the factual-
evidential aspects of judicial reasoning, which requires that the relations between
argumentation, examination of facts and search for truth in the process, especially in
criminal proceedings, in which factual issues assume greater density. With the help of the
standard theory of legal argumentation, the article proposes ways for the interlocution
between these contingent elements.
KEYWORDS: Argumentation on facts; criminal proceedings; judicial reasoning; judicial
decisions; procedural truth.
1. Introdução
Este artigo propõe uma discussão acerca de como se pode compatibilizar a prática do
raciocínio em matéria de fatos desenvolvido nas decisões proferidas nos processos penais
com as exigências do constitucionalismo contemporâneo.2
A fim de alcançar o objetivo proposto, a primeira parte deste trabalho será dedicada a
compreender as relações estabelecidas entre o direito e a argumentação nos Estados
constitucionais, bem como a forma em que estas relações foram apreendidas pela teoria
standard da argumentação jurídica. Nesse ponto, serão destacadas as principais
2 Com o termo constituc ionalismo denominam-se duas coisas distintas: a) o fenômeno da
constitucionalização do direito depois da II Guerra Mundial, com a proliferação de constituições rígidas
repletas de direitos fundamentais e princípios; b) a teorização desse fenômeno (Atienza, 2013, p. 29). Ao
longo do texto, a expressão re fere-se usualmente ao primeiro significado , embora este segundo aspecto esteja
sempre vinculado àquele primeiro de algum modo.
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caraterísticas desta concepção do direito, ressaltando-se em que medida a abordagem do
direito como argumentação se difere de outras perspectivas jusfilosóficas e de que modo a
atividade jurisdicional é compreendida pelos argumentativistas.
Em seguida, a análise se direcionará às relações existentes entre direito,
argumentação e verdade no processo penal, com o objetivo de oferecer um substrato
teórico capaz de orientar a transposição, para o campo jurídico, de premissas
epistemológicas que possam ser úteis aos juristas na resolução de problemas relacionados à
reconstrução de fatos pretéritos por intermédio da argumentação. Nessa etapa, será
proposto o conceito de verdade-correspondência (cognocistivismo) como premissa
adequada para sustentar a existência e o desenvolvimento de processos judiciais penais,
examinando-se os deveres e as dificuldades que a adoção desta perspectiva impõe aos
juízes no desenvolvimento de uma justificação fático-probatória.
Ao final, reafirmando o pressuposto fundamental da teoria standard da argumentação
jurídica no sentido de que é possível justificar racionalmente as decisões judiciais,
inclusive em seus elementos de raciocínio probatório, são traçadas as linhas gerais para a
construção de um processo penal em que a dimensão argumentativa do raciocínio fático-
probatório seja prestigiada. Esta pretensão está em harmonia com a exigência
constitucional de fundamentação integral dos provimentos jurisdicionais e demanda uma
necessária compatibilização entre a pretensão epistemológica básica que norteia o processo
penal e a existência de outros objetivos e valores jurídicos especificamente incidentes neste
campo do direito.
2. A teoria standart da argumentação jurídica e o problema da argumentação
jurídica nos Estados constitucionais
A percepção de que o direito, especialmente nos Estados constitucionais da
atualidade, qualifica-se como uma prática essencialmente argumentativa é intuitiva. De
fato, as representações mais comuns da atividade jurídica envolvem a disputa de pontos de
vista por litigantes em juízo, as negociações para formulação de contratos, a redação de
atos decisórios que tentam convencer-nos de seu acerto e etc. A argumentação constitui um
traço tão decisivo e característico da prática do direito que já se propôs ser possível a

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