Arbitragem nos Dissídios Individuais de Trabalho dos Altos Empregados

AutorAntônio Álvares da Silva e George Augusto Mendes e Silva
Páginas71-76

Page 71

Ver Nota123

1. A solução dos conflitos individuais do trabalho pelos seus próprios protagonistas

O Direito do Trabalho atual apresenta caráter expansionista, de forma a abranger não somente as normas oriundas das diversas fontes que lhe são comuns, mas a fixar novos pontos de interseção com o Direito Civil e demais ramos da Ciência do Direito.

Essa realidade se fez sentir especialmente a partir da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, que alargou a competência da Justiça do Trabalho para julgar todos os dissídios oriundos das relações de trabalho, ampliando o escopo de sua atuação para além das fronteiras antes insistentemente delimitadas pelo vínculo de emprego e pelas normas que lhes são comuns.

Esta ampliação, fruto do deslocamento da competência das partes – empregado e empregador – para a natureza da relação jurídica que lhe serve de fundamento, é uma grande conquista e uma positiva evolução para o Direito do Trabalho. Agora, não apenas os conflitos entre empregados e empregadores, mas aqueles que procedem da relação de trabalho, submetem-se a jurisdição do trabalho pelo art. 114 da Constituição. Assim, o Direito do Trabalho brasileiro passa a fazer parte do nome, ou seja, tornou-se efetivamente um Direito do Trabalho e não da relação de emprego, que é um âmbito muito mais limitado e circunscrito. Resta agora à jurisprudência completar a vontade do legislador.

Naturalmente, esse entrecruzamento de normas de diferentes naturezas acaba por romper com conceitos clássicos da dogmática geral, reaproximando o Direito do Trabalho do Direito Civil, criando Direito novo. Afinal, não são poucas as vezes em que a norma trabalhista estatal, escrita e sistemática, cede espaço à autonomia da vontade das partes, não somente no plano coletivo – as normas dos contratos individuais de trabalho são predominantemente negociadas em nível coletivo, pelos sindicatos –, mas também na negociação individual dos contratos de altos empregados, diretores, técnicos e especialistas, para os quais não há falta de vagas no mercado.

Com efeito, o Direito do Trabalho atual inclina-se a maior participação dos seus destinatários (empregados e empregadores) na sua formação. A par desse movimento, nota-se também o crescente interesse do cidadão trabalhador em participar da solução dos conflitos oriundos da sua relação de emprego, ao invés de relegá-la à burocracia do Estado:

[...] no plano do processo do trabalho, a desregulação de suas normas e a criação de órgãos extrajudiciais de conciliação, mediação e arbitragem vão flexionando a rigidez das normas estatais, para permitir soluções mais rápidas, mais baratas e, principalmente, mais eficazes e imediatas.

Observa-se, nas fontes do moderno Direito do Trabalho, um retorno ou volta à vontade dos agentes, principalmente no plano coletivo, para composição de seus interesses. A origem do fenômeno está na complexidade destas fontes e na impossibilidade

Page 72

de uma regulamentação exauriente por parte do legislador estatal. (ÁLVARES DA SILVA, 2002, p. 150)

Sob essa ótica, em compasso com a moderna tendência de descentralizar a solução de conflitos do sistema estatal – que, sendo binário e formal, oferece opções insuficientes e limitadas –, parece-nos oportuna a utilização da arbitragem em conflitos individuais trabalhistas como alternativa ao processo judicial, cada vez mais moroso e ineficaz. Esta tendência é hoje universal e faz parte do princípio de que o cidadão se tornou parceiro do Estado para a solução de seus problemas. Tudo que a cidadania pode assumir e resolver é um passo à frente no aperfeiçoamento das democracias modernas. Não basta dizer que a democracia é um governo do povo, para o povo e pelo povo, segundo o famoso discurso de Abraham Lincoln, pronunciado em Gettysburg e universalmente conhecido. É preciso que o povo realmente assuma sua função na construtividade dos instrumentos que a lei e a Constituição colocam em suas mãos.

2. A superação dos argumentos contrários à arbitragem dos conflitos individuais trabalhistas

À semelhança de outras leis (e.g., o Código de Defesa do Consumidor, a Lei n. 8.245/1991 e inúmeros artigos da Constituição da República), a Consolidação das Leis do Trabalho visa, em sua essência, à proteção do mais fraco. Não sem motivo, as suas normas são imperativas e incidem mesmo que o contrato celebrado entre as partes preveja de maneira diversa ou nada disponha a respeito. A imperatividade das normas significa que o Estado deseja mudança nos fatos sociais, sem possibilidade de atitudes alternativas dos destinatários da norma, em razão da predominância do interesse público.

No entanto, embora se admita a indisponibilidade de alguns núcleos mínimos de proteção jurídica conferidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, com o fito de compensar a desigualdade econômica gerada pela posição histórica do empregado na sociedade capitalista, não são poucos os que advogam que tal proteção não constitui óbice intransponível à arbitragem, e que nem todos os direitos trabalhistas são irrenunciáveis, sobretudo depois de findo o vínculo de emprego, quando boa parte desses direitos assumem feição puramente patrimonial.

Naturalmente, fosse mesmo pacífica a indisponibilidade de todos direitos correlatos à relação de emprego, não teríamos o incentivo à conciliação por parte da CLT (arts. 764, 831, 846 e 852-E), ou pela própria

Justiça do Trabalho, mediante a promoção de semanas destinadas à realização de audiências conciliatórias. Do mesmo modo, também não observaríamos o incremento do número de transações ocorridas nos processos judiciais trabalhistas, boa parte delas com a quitação ampla e irrestrita dos direitos oriundos do extinto contrato de trabalho.

É preciso deixar claro que a irrenunciabilidade de direitos trabalhistas significa que não pode haver renúncia prévia a estes direitos, ou seja, as partes não podem excluir a relação de emprego quando ela de fato existe. Porém, ao final, quando há dispensa, podem surgir relações de fato duvidosas, para cuja solução a transação se torna um instrumento proveitoso e razoável. Seria um absurdo que, em tais casos, a conciliação não pudesse ser feita e, ao final, o reclamante perdesse a demanda. A proteção sairia pelo contrário.

A Lei n. 9.307/996, em seu art. 1º, dispõe: “[a]s pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. O empregado é capaz de contratar, e os direitos trabalhistas, nas relações de emprego concretas, são patrimoniais e disponíveis. Caso contrário, teríamos que anular todas as conciliações feitas anos a fio na Justiça do Trabalho.

Nem se diga que, em audiência, há a presença tutelar do Juiz do Trabalho. O fato é que, não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT