Apresentação: ainda a modernidade?

Páginas7-11
APRESENTAÇÃO
Ainda a Modernidade?
Todo momento histórico procura justicar suas ideias e sua ori-
ginalidade na comparação com aqueles que o antecederam. Assim é a
história do Ocidente, auto referenciada em si mesma. O passado, o pas-
sado mais distante ainda1 e o futuro - sempre o nós que quer se legitimar
- se encontram nesse discurso de resgate e ruptura, de reconhecimento e
de negação daquilo que somos nós mesmos em algum momento.
A originalidade, a autenticidade e, paradoxalmente, mas acima
de tudo, o lastro com a cultura passada que engendrou o momento pre-
sente – o presente que quer se pôr como futuro– estão imediatamente
em contato com esse passado, quer seja para assumi-lo, quer seja para
negá-lo. Não basta simplesmente ser o que se é, construir o que se acre-
dita que deve ser construído, é preciso pôr-se em relação com.
A cultura ocidental marca assim a sua identidade. Absoluta na
sua ausência de humildade, na sua convicção de certeza, de verdade,
de regra para o mundo, mas sempre dependente de si mesma, sempre
prestadora de contas a seu passado, como se isso zesse parte de um rito
de passagem para a aceitação universal daquilo que agora se quer dizer.
Interessante observar que não raras vezes, o que se quer dizer àquele
passado ao qual é preciso fazer referência para se justicar a si mesmo
é justamente que ele está errado, ou, ao menos, que não se pode nem se
deseja mais ser igual a ele.
Se pudéssemos perscrutar o íntimo do Ocidente e dizer alguma
coisa sobre ele, diríamos que ele padece de falta de autoconança e com-
pensa isso com excesso de autoestima. Está condenado a propor o novo
sempre com um gosto de passado, um novo que, por mais original que
seja, nunca nasce ex nihilo – se é que o homem, em qualquer tempo ou
cultura é capaz de criar algo inteiramente e espontaneamente por si. A
historicidade é marca da humanidade, sem qualquer demérito à razão
¹ Braudel procura explorar a relação da atualidade com o passado, próximo ou remoto,
evidenciando a sua dimensão no presente. “Assim, um passado próximo e um passado mais ou me-
nos distante se confundem na multiplicidade do tempo presente: enquanto uma história próxima
corre a nosso encontro em largas passadas, uma história distante nos acompanha a passo lento.”
BRAUDEL, Fernand. Gramática das civilizações. Trad. Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins
Fontes, 2004. p. 18

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