Aprendizagem social, desenvolvimento de plataformas de múltiplos atuores e governançasda água no Brasil

AutorPedro Roberto Jacobi
CargoDoutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Livre Docente em Educação (USP).
Páginas69-95

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Pedro Roberto Jacobi1

A contribuição dos espaços deliberativos é fundamental para o fortalecimento da governança da água. A ampliação destes espaços de participação cidadã favorece qualitativamente a capacidade de representação dos interesses, entretanto o grande desafio é que esses espaços sejam efetivamente públicos, tanto no seu formato quanto nos resultados. Inserido no processo de Governança da Água, o conceito de Aprendizagem Social abre um estimulante espaço de desenvolver processos de articulação de ações que tem como premissa a noção de “aprender conjuntamente para manejo e decisões conjuntos e mudanças na gestão”. Basicamente, a estratégia de aprendizado é que todos devem conhecer o contexto de criticidade e condições de governança para intervirem juntos em contextos de bacias hidrográficas. A partir do conceito de Aprendizagem Social visase responder aos desafios da sustentabilidade e integração das interfaces na governança da água, o que pressupõe a contribuição de diferentes conhecimentos e interdisciplinaridade.

The contribution of decisionmaking spaces is fundamental for the strengthening of water governance. The expansion of these spaces of citizen involvement promotes qualitatively the ability of representation of interests. However, the big challenge is that these spaces become effectively public, both in their format and in their results. Inserted in the Water Governance Process, the concept of social learning opens an exciting space to develop processes of action articulation premised on the notion of "learning together for joint handling and decisionmaking as well as changes in corporate governance". Basically, the

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learning strategy is that everyone should know the context of criticality and governance conditions in order to intervene together in contexts of river basins. From the concept of social learning, one aims to meet the challenges of sustainability and integration of the interfaces in water governance, which requires the contribution of different knowledge and interdisciplinarity.

RESUMEN

La contribución de los espacios deliberativos es fundamental para el fortalecimiento de la gobernación del agua. La ampliación de estos espacios de participación ciudadana favorece cualitativamente la capacidad de representación de los intereses, sin embargo el gran desafío es que esos espacios sean efectivamente públicos, tanto en su formato cuanto en los resultados. Insertado en el proceso de Gobernación del Agua, el concepto de Aprendizaje Social abre un estimulante espacio para desarrollar procesos de articulación de acciones que tienen como premisa la noción de “aprender conjuntamente para manejo de decisiones conjuntas y cambios en la gestión”. Básicamente, la estratégia de aprendizaje es que todos deben conocer el contexto de criticidad y condiciones de gobernación para que intervengan juntos en contextos de bacías hidrográficas. A partir del concepto de Aprendizaje Social se visa responder a los desafíos de sostenibilidad e integración de las interfaces en la gobernación del agua, lo que presupone la contribución de diferentes conocimientos e interdisciplinariedad.

1 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GOVERNANÇA DA ÁGUA

A participação popular se transforma no referencial de ampliação de possibilidades de acesso dos setores populares dentro de uma perspectiva de desenvolvimento da sociedade civil e de fortalecimento dos mecanismos democráticos, mas também para garantir a execução eficiente de programas de compensação social no contexto das políticas de ajuste estrutural e de liberalização da economia e de privatização do patrimônio do Estado.

A possibilidade de alterar a institucionalidade pública está associada às demandas que se estruturam na sociedade, e a esfera pública representa a construção da viabilidade ao exercício da influência da sociedade nas decisões públicas assim como coloca uma demanda de publicização no Estado. Segundo Putnam (1994) as práticas sociais que constroem cidadania representam a possibilidade de constituirse num espaço privilegiado para cultivar a responsabilidade pessoal, a obrigação mútua e a cooperação voluntária. A ampliação da esfera pública tem colocado uma demanda à sociedade em termos de obter uma maior influência sobre o Estado, tanto como sua limitação,

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assumindo que a autonomia social supõe transcender as assimetrias na representação social, assim como modificar as relações sociais em favor de uma maior autoorganização social.

A constituição de esferas públicas simultaneamente com a ampliação do espectro de problemas tratados publicamente está associada ao desenvolvimento de diversas formas de participação, não apenas no sentido de Estado que permeou a sociedade, mas também no sentido de Estado permeado pela sociedade.

A esfera pública apontada por Habermas como ponto de encontro e local de disputa entre os princípios divergentes de organização da sociabilidade e os movimentos sociais se constitui de atores atores que reforçam formas de solidariedade postas em risco pela racionalização sistêmica.

No contexto da transição pósdemocrática no Brasil e por força das pressões de uma sociedade civil mais ativa e mais organizada foram sendo criados novos espaços públicos de interação, mas principalmente de negociação. As transformações políticoinstitucionais e a ampliação de canais de representatividade dos setores organizados para atuarem junto aos órgãos públicos enquanto conquista dos movimentos organizados da sociedade civil. Isto mostra a potencialidade de constituição de sujeitos sociais identificados por objetivos comuns para transformar a gestão da coisa pública, configurando a construção de uma nova institucionalidade.

Essa perspectiva abre a possibilidade de buscar a articulação entre a implantação de práticas descentralizadoras e uma engenharia institucional que concilia participação com heterogeneidade, formas mais ativas de representatividade.

Desde meados dos anos 90, o país aperfeiçoou a legislação de proteção à biodiversidade e avançou na legislação ambiental em geral. Na política ambiental é importante destacar também o surgimento e fortalecimento de numerosos conselhos, consultivos e deliberativos como parte componente, em várias áreas e em todos os níveis (federal, estadual e municipal) com a participação ativa de representantes de ONGs e movimentos sociais. As instâncias de gestão que agregam estes atores são os conselhos de meio ambiente, os comitês de bacias e a áreas de proteção ambiental. Entretanto, freqüentemente são instâncias bastante formais, sem poder influenciar no processo decisório, e onde a representação assume muitas vezes caráter bastante contraditório.

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O sistema ambiental colegiado está implementado no Brasil, e isto representa uma efetiva possibilidade de internalizar a questão ambiental nas políticas estaduais e municipais, quando existentes.

2 INOVAÇÃO NA ENGENHARIA INSTITUCIONAL NA GOVERNANÇA DA ÁGUA

A gestão de bacias hidrográficas assume crescente importância no Brasil, à medida que aumentam os efeitos da degradação ambiental sobre a disponibilidade de recursos hídricos. Em termos da evolução das políticas públicas no Brasil, observamse importantes avanços no setor de recursos hídricos ao longo dos últimos vinte anos.

O país mudou de uma gestão institucionalmente fragmentada, para uma legislação integrada e descentralizada, principalmente com a edição da Lei Federal n 9.433, em 8 de janeiro de 1997, e a criação da Agência Nacional de Águas – ANA. Esta reorganização do sistema de gestão de recursos hídricos, além de mudar qualitativamente, substituindo práticas profundamente arraigadas de planejamento tecnocrático e autoritário, devolve o poder para as instituições descentralizadas de bacia, o que demanda um processo de negociação entre os diversos agentes públicos, usuários e sociedade civil organizada. Á Agência Nacional de Águas (ANA), e cabe a esta participar da elaboração do Plano Nacional de Recursos Hídricos e prestar apoio, na esfera federal, à elaboração dos planos de recursos hídricos. Estes planos, além de investimentos, incluem ações voltadas ao fortalecimento do sistema de gestão de recursos hídricos da bacia, implantação dos sistemas de informações, de redes de monitoramento e instituições de gerenciamento. Cabe também à ANA a outorga, por meio de autorização, o direito de uso de águas de domínio da União, assim como fiscalizar diversos usos e arrecadar, distribuir e aplicar as receitas auferidas através de cobrança.

Atualmente na gestão hídrica, enquanto arcabouço conceitual, o termo “governança” representa um enfoque conceitual que propõe caminhos teóricos e práticos alternativos que façam uma real ligação entre as demandas sociais e sua interlocução ao nível governamental. Geralmente a utilização do conceito inclui leis, regulação e instituições, mas também se refere a políticas e ações de governo, a iniciativas locais, e a redes de influência, incluindo mercados internacionais, o setor privado e a sociedade civil, que são influenciados pelos sistemas políticos nos quais se inserem.

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As contribuições de alguns autores (Dourojeanni e Jouralev, 2002; Rogers e Hall, 2003) mostram em que nível os atores envolvidos entendem o processo de gestão como um processo de governança. A proposta de gestão a partir da bacia hidrográfica, demanda dos comitês um amplo leque de relações com os grupos de interesses. Isto coloca a necessidade de levar em consideração bacias com níveis diferenciados de estrutura física, práticas também diferenciadas de gestão integrada também são demandas para soluções complexas que...

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