Aportes teóricos das dimensões de gênero nos contextos de violência: reflexões acerca da desnaturalização dos cânones subjugantes

AutorMariane Camargo D'Oliveira - Denise Regina Quaresma da Silva
CargoDoutora em Diversidade Cultural e Inclusão Social pela Universidade FEEVALE/RS. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC/RS). Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Cândido Mendes (UCAM/RJ). Especialista em Políticas Públicas para La Igualdad en América Latina pelo Consejo Latino-Americano de Ciencias ...
Páginas266-306
Rev. direitos fundam. democ., v. 24, n. 1, p. 266-307, jan./abr. 2019.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v24i11112
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
APORTES TEÓRICOS DAS DIMENSÕES DE GÊNERO NOS CONTEXTOS DE
VIOLÊNCIA: reflexões acerca da desnaturalização dos cânones subjugantes
THEORETICAL CONTRIBUTIONS OF GENDER DIMENSIONS IN THE CONTEXT OF
VIOLENCE: reflections on the denaturalization of the subjugating canons
Mariane Camargo D'Oliveira
Doutora em Diversidade Cultural e Inclusão Social pela Universidade FEEVALE/RS.
Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC/RS). Especialista
em Direito Empresarial pela Universidade Cândido Mendes (UCAM/RJ). Especialista
em Políticas Públicas para La Igualdad en América Latina pelo Consejo Latino-
Americano de Ciencias Sociales (CLACSO) - Argentina. Graduada em Direito pela
Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ/RS).
Denise Regina Quaresma da Silva
Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2 - CA ED - Educação. Pós-
Doutora em Estudos de Gênero pela UCES, Doutora e Mestre pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Psicóloga. Professora Titular e pesquisadora da
Universidade FEEVALE no Programa de Pós-Graduação em Diversidade Cultural e
Inclusão Social, professora adjunta no Centro Universitário La Salle, UNILASALLE.
Resumo
Muito ainda se tem que discutir a respeito dos cânones
epistemológicos e pragmáticos que fundamentam um paradigma de
culpabilização da mulher em face das violências perpetradas nos
mais diversos contextos. Nesse sentido, tem-se buscado, cada vez
mais, fomentar o empoderamento feminino, a fim de visibilizar o
quanto a concepção de gênero pode contribuir para romper com
muitos estereótipos e mitos arraigados. Dessa forma, a presente
pesquisa, de cunho essencialmente teórico, utilizando o método de
abordagem histórico e o método de procedimento indutivo, em um
caráter qualitativo, pretende analisar algumas das dimensões do
gênero feminino na cena violenta. Assim, são examinadas categorias
como gênero, patriarcado, dominação e subalternidades, além de
historicizar como a violência tem ocupado um caráter central nessa
temática. Infere-se, por fim, que a apreensão destas categorias pode
conduzir a um processo de desnaturalização das práticas violências
que continuam a ser vivenciadas por todas as mulheres.
Palavras-chave: Dominação. Empoderamento. Mulheres. Violência.
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Revista de Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 24, n. 1, p. 266-307, jan/abr, de 2019.
Abstract
Much still has to be said about the epistemological and pragmatic
canons that underlie a paradigm of blaming women in the face of the
violence perpetrated in the most diverse contexts. In this sense, we
have increasingly sought to foster women's empowerment, in order to
make visible how much the gender conception can contribute to
breaking with many entrenched stereotypes and myths. Thus, the
present research, essentially theoretical, using the method of
historical approach and the method of inductive procedure, in a
qualitative character, intends to analyze some of the dimensions of
the female gender in the violent scene. Thus, categories such as
gender, patriarchy, domination and subalternities are examined, as
well as historicizing how violence has played a central role in this
issue. It is inferred, finally, that the apprehension of these categories
may lead to a process of denaturalization of the practices of violence
that continue to be experienced by all women.
Key-words: Domination. Empowerment. Women. Violence.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Para que se possa, efetivamente, compreender o movimento pragmático que
culmina na culpabilização da mulher pela violência de gênero nas mais diversas
ambiências, é indispensável averiguar o substrato teórico que sustenta o paradigma
ancorado nos estudos feministas e de gênero. É elementar raciocinar como o viés da
violência se conjuga e está inserido na ótica do denominado gênero. Assim,
metodologicamente, emprega-se o método histórico de abordagem e o método
indutivo de procedimento, a partir de um instrumental teórico consistente.
Esta pesquisa está subdividida em cinco tópicos visando examinar o
fenômeno em foco. Na primeira subseção, intitulada “Radicalidades Feministas”,
busca-se investigar como o movimento feminista tem sido um relevante mote
propulsor na reivindicação das demandas específicas das mulheres, uma vez que se
constitui em imprescindível espaço no processo de ruptura com os cânones que são
sustentados na desigualdade, na exclusão, na passividade e, enfim, na subjugação.
Em “A Epistemologia da Categoria Gênero”, procura-se verificar a construção
desta terminologia, especialmente porque é o fio condutor do estudo. Além disso,
procede-se ao entrelaçamento do gênero à ciência jurídica, ao se perceber que o
próprio Direito, enquanto uma ciência social e humana em permanente movimento, não
se apropria dessa concepção crucial que pode, em muito, contribuir na materialização
da igualdade no âmbito do Estado Democrático de Direito brasileiro.
Já no terceiro tópico, “Patriarcado, Dominação e Subalternidades”, são trazidos
MARIANE CAMARGO D’OLIVEIRA / DENISE REGINA QUARESMA DA SILVA
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Revista de Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 24, n. 1, p. 266-307, jan/abr, de 2019.
alguns conceitos-chave para elucidar esta problemática, posto que patriarcado,
dominação e subalternidades se configuram no cerne do debate epistemológico
feminino na contemporaneidade. Parte-se da premissa de que uma teoria plausível
sobre violência de gênero deve também indagar novas possibilidades a partir de
subsídios advindos destas categorias de análise enquanto óbices à operacionalização
de direitos fundamentais humanos.
Na quarta subseção, “A Violência Revisitada”, explora-se, de maneira sucinta,
a historicidade da violência e como o entendimento a respeito desta mazela ocupa
lugar central em qualquer temática a que se propõe perscrutar. Por último, no quinto
subtítulo, “O Gênero na Cena Violenta”, trata-se de verificar em que medida a
dimensão da violência é enviesada pela compreensão do significado de gênero.
Visualiza-se que, através deste embasamento, é possível averiguar as bases
fundantes do que se convenciona por violência em face do gênero feminino.
2. RADICALIDADES FEMINISTAS
Os movimentos feministas
1 têm se configurado, cada vez mais, enquanto lócus
fundamental para a desarticulação de discursos, práticas e processos que não
consideram a perspectiva de transversalidade do gênero. Ao fomentar o deslocamento
contínuo de ruptura com as estruturas patriarcais heteronormativas, é possível
estabelecer novas dimensões sociais que sejam, efetivamente, pautadas na
diversidade cultural, na pluralidade de direitos, na inclusão em todas as suas formas e,
principalmente, na salvaguarda da multiplicidade das diferenças existentes.
Nesse aspecto, entende-se pertinente trabalhar em um caminho que perpassa
por radicalidades, visto que o feminismo exerce papel preponderante tanto de
interlocutor de demandas e vindicações das especificidades femininas quanto de voz
ativa e incisiva para denunciar as violações de direitos fundamentais e humanos
perpetradas contra as mulheres. É de se destacar, conforme alude Fraisse (1992), que
o feminismo só se manifesta como movimento coletivo de luta de mulheres na segunda
metade do século XX. A reivindicação de direitos nasce do descompasso entre a
afirmação dos princípios universais de igualdade e as realidades da divisão desigual
dos poderes entre homens e mulheres.
1 Falar de “movimentos feministas” permite designar sob uma mesma denominação as diversas facetas
dos movimentos de mulheres, o feminismo liberal ou “burguês”, o feminismo radical, as mulheres
marxistas ou socialistas, as mulheres lésbicas, as mulheres negras e todas as dimensões categoriais
dos movimentos atuais (FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, 2009).

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