Aportes Saidianos para um Direito (Des)Colonial: sobre iconologias de revoluções e odaliscas

AutorAntonio Carlos Wolkmer - Ana Clara Correa Henning
CargoUniversidade La Salle (UNILASALLE-RS), Canoas, RS, Brasil. - Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brasil
Páginas51-87
Aportes Saidianos para um Direito (Des)Colonial:
sobre iconologias de revoluções e odaliscas
Saidian Inputs to a (De)Colonial Law: on revolutions
and odalisques iconologies
Antonio Carlos Wolkmer
Universidade La Salle (UNILASALLE-RS) – Canoas, RS, Brasil.
Ana Clara Correa Henning
Universidade Federal de Pelotas (UFPel) – Pelotas, RS, Brasil.
Resumo: Neste trabalho foram apresentados
debates acerca da classificação eurocêntrica en-
tre o “eu” ocidental e o “outro” oriental, a partir
das teorizações de Edward Said sobre orienta-
lismo e relações entre colonialismo e cultura.
Serão analisadas, para isso, obras de pintores
europeus do século XIX por meio do método
iconológico, comparando-as e ressaltando a
marginalidade de algumas delas e a centrali-
dade de outras. Compreende-se que tais repre-
sentações podem ser encontradas, igualmente,
no direito ocidental como discurso de poder
colonial, exercido tanto na metrópole quanto na
periferia, que perdura em nossos dias e suscita
resistências e oposições.
Palavras-Chave: Edward Said. Arte Europeia
do século XIX. Método Iconológico. Direito
Colonial. Direito Descolonial.
Abstract: Applying the ideas of Edward Said
about orientalism and about the relationship
between colonialism and culture, we discuss
the eurocentric opposition between the Western
“I” and the Oriental “other”. Works by 19th
century European painters are analyzed with
the iconological method and compared, to
underline the marginality of some images and
the centrality of others. We show that similar
representations are found in the Western law,
as a discourse of the colonial power exerted
in the metropolis and also in the periphery, a
discourse that still lives today and still finds
resistance and opposition.
Keywords: Edward Said. European art of the
Nineteenth Century. Iconological Method.
Colonial Law. Decolonial Law.
Recebido em: 30/08/2016
Revisado em: 22/10/2017
Aprovado em: 17/11/2017
http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2017v38n77p51
52 Seqüência (Florianópolis), n. 77, p. 51-88, nov. 2017
Aportes Saidianos para um Direito (Des)Colonial: sobre iconologias de revoluções e odaliscas
1 Introdução
Ler essas grandes obras do período imperial em retrospecto e numa
heterofonia com outras histórias e tradições em contraponto, lê-las
à luz da descolonização, não significa minimizar sua grande força
estética nem tratá-las de modo reducionista como propaganda im-
perialista. Todavia, erro muito mais grave é lê-las desvinculadas de
suas ligações com os fatos políticos que lhes deram espaço e forma.
(SAID, 2011, p. 260)
Os contemporâneos debates sobre o descolonialismo alcançam os
mais variados campos do conhecimento; este é um tema transdisciplinar
ao ponto de tornar-se extremamente difícil desenvolver estudos sobre ele
restritos a apenas uma área específica. Portanto, neste texto perpassam
discussões sobre metodologia, arte, história, relações de poder, colonia-
lismo, dentre tantos outros assuntos que se entende indispensáveis para
compreender o alcance e a força do direito aplicado em territórios não
ocidentais, conquistados por países europeus, especialmente França e In-
glaterra.
A delimitação do nosso tema possui duas dimensões: sua funda-
mentação teórica e seu limite temporal. Edward Said foi um dos grandes
precursores dos estudos descoloniais. Suas obras possuem força e pro-
fundidade, ainda que não sejam isentas de críticas e complementações.
Utilizou-se os aportes teóricos de dois de seus livros: Orientalismo e Cul-
tura e Imperialismo. Em ambos os textos, perpassa o debate acerca do co-
lonialismo europeu sobre o Oriente, das representações que aquele faz a
respeito deste e de que maneira artefatos culturais – como as pinturas aqui
trazidas e o direito então utilizado – criam um imaginário social por meio
de narrativas que possuem uma realidade material, conforme se verá.
Coadjuvaou-se suas falas com autores de diversas áreas, a fim de com-
plementar o pensamento saidiano, comprovar certas afirmações, ressaltar
resistências sociais e individuais às tramas de poder e desenvolver alguns
conceitos pertinentes ao tema escolhido.
Delimita-se nossa pesquisa, igualmente, traçando um limite tempo-
ral, pois focaliza-se as relações estabelecidas entre metrópole e periferia
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Antonio Carlos Wolkmer – Ana Clara Correa Henning
no decorrer do século XIX sob a representação de dois pintores franceses,
Delacroix e Ingres. Interessa-nos a conexão entre imagens e direito, as
possibilidades de compreender melhor determinada cultura jurídica por
meio, especialmente, de análises de pinturas e de algumas características
de seus autores. Visando esse objetivo, dividiu-se o texto em quatro par-
tes. Inicialmente aponta-se algumas intersecções entre o ambiente cultu-
ral, os sistemas jurídicos e a formação de identidades, expondo, também,
o método iconológico utilizado na análise das imagens escolhidas.
A segunda parte é reservada à apreciação de duas obras, A Liber-
dade Guiando o Povo (DELACROIX, 1830) e Fanáticos de Tanger
(DELACROIX, 1837), ressaltando suas conexões teóricas com diversos
campos de conhecimento, especialmente condizentes a aspectos jurídico-
-culturais do Oitocentos. O mesmo método analítico é utilizado na se-
ção seguinte, em relação à Condessa de Haussonville (INGRES, 1845) e
A Grande Odalisca (INGRES, 1814). Para melhor acompanhamento do
desenvolver de nosso raciocínio, recomenda-se a visualização dessas pin-
turas, cujos endereços eletrônicos encontram-se nas referências. Ao fim, a
partir do que será debatido no decorrer do texto, desenvolve-se considera-
ções acerca do direito colonial e de possibilidades de sua descolonização.
2 Conexões entre Cultura, Direito e Identidades: iconologia
como ferramenta de trabalho empírico
2.1 Direito como Artefato Cultural, Método Documentário e Iconologia
O mundo de culturas no qual se vive é, sob diversas formas, extre-
mamente imagético. Os meios pictóricos possuem uma força imediata de
convencimento dificilmente encontrada em outras formas de comunica-
ção, sendo utilizados desde em peças publicitárias até regras de legisla-
ção, de materiais didáticos à construção e queda de ícones sociais. Parte-
-se da compreensão de que o entorno cultural é construído e, por sua
vez, constrói – mentalidades e percepções compartilhadas em determina-
do tempo e lugar.

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