Apontamentos sobre a responsabilidade civil na denúncia dos contratos de distribuição, franquia e concessão comercial

AutorHumberto Theodoro Júnior e Adriana Mandim Theodoro de Mello
Páginas7-37

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I - Contratos de distribuição

Em razão da colossal intensificação das relações mercantis em todo o planeta, a uma velocidade antes inimaginável, a ati-vidade de distribuição de mercadorias e serviços passou a gozar de extrema relevância na cadeia que liga produção ao mercado consumidor.

A distribuição eficiente, adequada às necessidades do público final, consentânea à capacidade dos consumidores, é fator decisivo para o sucesso da comercialização de bens e serviços, ainda quando, em princípio estes tenham potencialmente qualidade, originalidade e outras características capazes de atrair o interesse de eventuais adquirentes.

Daí porque a distribuição hoje é encarada mais como uma etapa da produção de bens e prestação de serviços que como mero custo que se agrega ao produto final. É, ao contrário, atividade intermediária que liga a produção ao consumidor, é veículo de adequação da oferta à demanda, que obedece a sérios e vultosos projetos e políticas de profissionais e estrategistas.

No planejamento dessa atividade, empresários, administradores e economistas se valem de várias formas contratuais, que buscam a perfeição do atendimento à clientela e o equilíbrio entre o máximo que o produtor pode obter de redução em custos e otimização das vendas sem prejuízo da qualidade de seu produto e sem sacrifício dos valores prezados pelo público consumidor.

Às vezes, mas muito raramente, a distribuição da produção se faz diretamente do fabricante ao consumidor final, ou aos diversos comerciantes independentes que se dedicam à venda a varejo.

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Mas o que se verifica com mais frequência, especialmente quando o fabricante consegue alargar seus horizontes ao mercado globalizado e atingir um estágio que se denomina produção e consumo em massa ou escala industrial, é a associação deste com terceiros, sob as mais variadas formas jurídicas, típicas ou atípicas, tais como atacadistas, cooperativas, centrais de compras, fusões sociais, concessão mercantil, representação comercial, franquia, distribuição exclusiva.

Surge, então, no Direito Comercial, um conjunto de relações jurídicas originadas do acordo de vontades (contratos mercantis), que se marcam por características comuns, tais como a união em torno de um objetivo comum: o lucro de ambos na comercialização de bens e serviços, mas antagónicos, na medida em que se repartem os ganhos. E que se caracterizam ainda pela cooperação, a natureza duradoura da relação e, principalmente, pela dominação económica exercida pelo fabricante com o propósito de manter a integração da rede de distribuição.

Esse grupo de contratos que se destinam a instrumentalizar ou dar forma jurídica a tais relações económicas de distribuição têm sido objeto de estudos sistemáticos e organizados, principalmente na França, onde já se identificam como "contratos de distribuição" ou "direito da distribuição".1

Na verdade, este capítulo do direito dos negócios (mais moderna denominação do direito comercial na Europa) assume feições multidisciplinares e penetra tanto o campo do direito privado como do direito público. Se, por um lado, dentro destes estudos cabem investigações científicas so-bre as relações privadas firmadas entre os integrantes da cadeia de distribuição, por outro se vislumbram regras que regulam as relações entre estes e o livre mercado (pro-teção da concorrência) marcada pelo interesse público, e, também, em face do consumidor. Essas regras eminentemente dirigidas pelo interesse público atingem os contratos de distribuição, limitando-os em face da ordem e do interesse públicos e dos anseios de equilíbrio nas relações desequilibradas pelo poder económico.

Sob um outro ângulo, os contratos de distribuição podem ser divididos em dois grandes grupos, conforme os sujeitos que organizem tal atividade. Em um deles se inserem aqueles contratos em que a atividade de distribuição em rede é organizada e dirigida pelo fornecedor de bens ou serviços. No outro grupo se encontram contratos destinados a organizar a distribuição por iniciativa dos distribuidores.

É sobre o primeiro grupo de contratos que se debruçará o presente estudo, que pretende, especialmente, investigar as regras aplicáveis à extinção da relação jurídica que se manteve por longo tempo e que criou liames jurídicos e económicos profundos entre os contratantes.

Nos últimos anos, frequentes têm sido as demandas apaziguadas pelo Judiciário referentes aos efeitos da denúncia unilateral dos contratos de distribuição. Distribuidores que se sentem lesados com a extinção forçada do vínculo pleiteiam, perante a Justiça, ora a prorrogação compulsória do contrato, ora indenização pelas perdas e danos decorrentes do fim da longa parceria.

A composição do conflito, sem dúvida, perpassa noções e princípios jurídicos vigentes em tema de contratos e responsabilidade civil. A identificação das regras aplicáveis à espécie depende do perfeito enquadramento da natureza jurídica deste grupo relativamente novo de contratos e do estudo adequado do instituto da responsabilidade civil. E, como não poderia deixar de acontecer em um estudo jurídico, anali-

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sar-se-ão, outrossim, os pronunciamentos predominantes da doutrina nacional e estrangeira, bem como das cortes estaduais e federais de justiça sobre o tema.

II - Conceito e natureza jurídica do contrato de distribuição

As diversas modalidades de contratos de distribuição amplamente utilizados na mercancia são prova de que a agilidade e o dinamismo da vida comercial, não raro, passam à frente do legislador, forjando técnicas contratuais novas e melhor adaptadas às necessidades do mercado. As omissões do legislador e as lacunas do ordenamento jurídico, no meio comercial, são rapidamente supridas e preenchidas pela capacidade inventiva dos seus agentes.

Foi assim que, sem prévia disciplina do direito positivo, as variadas espécies de contratos de distribuição foram se tornando praxes comerciais e instrumentos, mais ou menos uniformes, ou socialmente típicos, largamente difundidos nas relações entre a indústria e os comerciantes, tanto no Brasil como no resto do mundo.

Assim ocorreu, por exemplo, com os contratos de representação comercial ou agência, de franquia empresarial, e de concessão mercantil, que foram fruto da mente inventiva de comerciantes e fabricantes perspicazes que puderam apreender com eficiência e sensibilidade as necessidades do mercado e a agilidade de novos métodos de comercialização.

Daí afirmar Jack Bussi que o direito da distribuição é um direito especial, essencialmente contratual, não codificado, e em constante evolução, que regula relações entre profissionais.2

Os contratos de distribuição lato sensu são aqueles que se destinam a dar forma a relações entre fabricante e distribuidor, regendo as obrigações existentes entre eles, destinados a organizar a atividade de inter-mediação e venda da produção, levando-a até o consumidor final.

São chamados contratos de distribuição aqueles que estabelecem a obrigação de uma das partes promover a venda dos produtos fornecidos pela outra parte, e cuja execução implica em estipulação de regras gerais e prévias destinadas a regulamentar o relacionamento duradouro que se estabelece entre os contratantes.

A distribuição modernamente concebida segundo as regras avançadas de mar-keting, planejamento e estratégia de vendas, surgida ou intensificada na segunda metade do século XX se instrumentaliza, principalmente, por contratos de distribuição stricto sensu, também denominado contrato de concessão mercantil, ou por contratos de franquia ou franchise.

Essas técnicas modernas de distribuição, muitas vezes denominadas contratos novos, sucederam aos contratos de agência ou representação comercial, de comissão e de corretagem, já amplamente difundidos e típicos. A motivação de tal evolução foi, sem dúvida, a necessidade de se adotar política e estratégia de distribuição uniforme e eficaz para toda a rede de distribuição do produtor. O sistema de distribuição baseado em intermediários independentes impedia que o fornecedor pudesse planejar a produção e a distribuição de seus bens e limitava a sua ingerência nas decisões e políticas adotadas por cada um dos agentes revendedores.

É essa nota que marca esse grupo de contratos novos que merece a atenção especial desse trabalho.

Os contratos de distribuição que a partir desse momento serão analisados e estudados são justamente esses contratos novos, que se transformaram em instrumento de política de distribuição do produtor, e se destinam a estruturar, planejar e gerir todo um sistema ou uma rede de distribuição da produção industrial.

Não se pretende, nesse apertado estudo, apreciar cientificamente todas as for-

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mas contratuais utilizadas na distribuição moderna-que abrangeria, inclusive os contratos típicos mais antigos como a venda, o mandato, o transporte, o depósito etc. Tampouco se pretende esgotar o estudo de todas as formas de distribuição baseadas na cooperação comercial e no planejamento da rede de distribuição.

Premissa essencial às conclusões deste trabalho é tão-somente identificar as características, os princípios gerais e as regras comuns aplicáveis a toda espécie de acordo de distribuição destinado a organizar, pere-nizar e fidelizar as...

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