Os apontamentos de Frank Michelman sobre o paradoxo da democracia constitucional

AutorCristina Foroni Consani
CargoDoutora em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Páginas75-98
Os apontamentos de Frank Michelman
sobre o paradoxo da democracia
constitucional
Cristina Foroni Consani*
1. O paradoxo da democracia constitucional e a tensão entre a política
e o direito
O paradoxo da democracia pode ser def‌inido como uma tensão existente
entre o constitucionalismo – que consiste no ideal de governo limitado
pela lei com o intuito de proteger os direitos fundamentais, e a democra-
cia – conceito que abriga o ideal do governo do povo1. Essa tensão, cuja
origem remonta ao início do constitucionalismo moderno, foi e ainda é na
atualidade central na f‌ilosof‌ia política e constitucional norte-americana.
Nos escritos políticos de Jefferson verif‌ica-se o reconhecimento da ten-
são acima apontada e a tomada de posição em favor dos ideais democrá-
ticos e de autogoverno popular. O autor desenvolveu um sistema grada-
tivo de repúblicas, no qual uma nação deve subdividir-se em pequenas
comunidades políticas, onde seria possível o envolvimento de todos nos
processos de deliberação pública. A representação era admitida apenas em
grandes comunidades, pois nelas a participação direta tornar-se-ia inviável.
Os eleitos, todavia, deveriam ser renovados periodicamente, evitando as-
sim que a República assumisse aspectos monárquicos por meio da perpe-
* Doutora em Filosof‌ia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Visiting Scholar na Columbia
University/USA (2010), Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Especialista
em Filosof‌ia Política e Jurídica pela Universidade Estadual de Londrina (UEL); Bacharel em Direito pela
Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail: crisforoni@yahoo.com.br.
1 MICHELMAN, 1999, p. 04.
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tuação dos governantes nos cargos. Af‌irma ele “meu mais forte desejo é ver
o elemento republicano de controle popular incitado ao máximo em seu
exercício prático2”. Na concepção de Jefferson, a constituição é a lei que
emana diretamente do povo, e não pode ser perpétua. Ele considera que a
única forma de se manter uma constituição é deixá-la aberta à possibilida-
de de reformas e emendas, porque só assim ela será capaz de acompanhar
o desenvolvimento humano. Em seu entendimento,
(...) cada geração é tão independente da que a precedeu como esta de todas as
outras que passaram antes. Ela tem, pois, como as outras, o direito de esco-
lher para si a forma de governo que acredita promover sua própria felicidade,
consequentemente, de acomodar-se às circunstâncias em que se encontra e
que recebeu de seus predecessores; e é para a paz e o bem dos homens que
uma solene oportunidade de fazer isso a cada dezenove ou vinte anos deve ser
estabelecida na Constituição, de modo que possa ser transmitida, com reparos
periódicos, de geração a geração até ao f‌im dos tempos 3 (...)
Jefferson compreendia a constituição não simplesmente como uma res-
trição ao governo do povo ou da maioria, mas como instrumento e condi-
ção da liberdade de ação popular4.
Também no contexto político da sociedade norte-americana pós-revo-
lução, Madison, de forma contrária a Jefferson, entende que um governo
estável é a própria condição de liberdade para os cidadãos americanos,
pois a constante subordinação de questões constitucionais à vontade do
povo traria “o perigo de perturbar a tranquilidade pública pelo estímulo
excessivo das paixões públicas5”. Ele preocupou-se com a defesa da insti-
tucionalização de controles e equilíbrios entre os poderes e também com
meios de colocar freios à supremacia legislativa dos Estados.
Madison, ao analisar a proposta de Jefferson, concorda que o povo
é a única fonte legítima de poder e que dele deve provir a constituição.
Considera legítimo e compatível com o projeto republicano recorrer à von-
tade popular sempre que houver necessidade de modif‌icar os poderes do
2 JEFFERSON, 1964, p.83.
3 JEFFERSON, 1964, p.118.
4 Cf. HOLMES,1988, pp.200-205.
5 MADISON, 1993, p.344.
Cristina Foroni Consani
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