A Aplicação do Princípio da Adequação Social e a Venda de Produtos Piratas

AutorIrving Marc Shikasho Nagima - Bernardo Haiduk
CargoAdvogado licenciado. Especialista em direito criminal. Assessor de desembargador - Advogado licenciado. Pós-graduando em direito processual civil. Bacharel em Direito
Páginas29-33

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Excertos

"É certo que o direito penal pátrio admite o princípio da adequação social, como causa excludente de criminalidade"

"A tutela do tipo penal é a proteção que a lei de propriedade intelectual garante a toda pessoa criadora de obras intelectuais, tanto na esfera patrimonial como pessoal"

Introdução

Com a modernização da tecnologia, aumentou-se, igualmente, em progressão geométrica a falsifica-ção de bens de qualidade, principalmente eletrônicos e reprodutores de mídia, popularmente chamados de produtos "piratas".

Trata-se de produtos de origem duvidosa, cuja matéria-prima é de segunda linha, com a qualidade muito inferior ao original, sem qualquer garantia ao consumidor. São produzidos e comercializados de forma ilegal, revendidos na clandestinidade, em todos os centros metropolitanos.

Assim, o presente artigo pretende abordar os principais aspectos do princípio da adequação social e a sua aplicabilidade, ou não, para afastar a tipicidade da venda de produtos falsificados, em especial os chamados CDs e DVDs piratas.

O princípio da adequação social

O princípio da adequação social é um instrumento utilizado para afastar a tipicidade de deter-minada conduta em razão de ser socialmente aceita pela sociedade. Rogério Sanches ensina que "o princípio da adequação social foi idealizado por Hanz Welzel, definindo que apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada"1.

Esse princípio "exprime o pensamento de que ações realizadas no contexto de ordem social histó-rica da vida são ações socialmente adequadas - e, portanto, atípicas, ainda que correspondam à descri-ção do tipo legal"2. Nesse caso, a conduta, embora aparentemente típica (isto é, prevista em lei como delito), é socialmente aceita pela sociedade, excluindo a criminali-dade do ato.

Questão importante a ser discutida é a natureza jurídica do princípio da adequação social. Exclui a conduta, a tipicidade, a antijuridicidade ou a culpabilidade da conduta? Ou é uma causa supralegal de excludente?

Embora existam alguns defen-sores de que a adequação social "seja justificante, como exculpante ou como princípio geral de inter-pretação da lei penal3" do ato, isto é, retira a antijuridicidade/ilicitude da conduta, prevalece hoje na doutrina e na jurisprudência que este princípio é causa de exclusão da tipicidade, conforme nos ensina Nucci:

Parece-nos que a adequação social é, sem dúvida, motivo para exclusão da tipicidade, justamente porque a conduta consensualmente aceita pela sociedade não se ajusta ao modelo legal incriminador, tendo em vista que

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este possui, como finalidade precípua, proibir condutas que firam bens jurí-dicos tutelados. Ora, se determinada conduta é acolhida como socialmente adequada deixa de ser considerada le-siva a qualquer bem jurídico, tornando-se um indiferente penal4.

Cezar Roberto Bitencourt adverte no sentido de que a doutrina internacional entende que o princípio em estudo não é excludente da tipicidade, muito menos causa de justificação:

O certo é que a imprecisão do critério da ‘adequação social’ - diante das mais variadas possibilidades de sua ocorrência ?, que, na melhor das hipóteses, não passa de um princípio sempre inseguro e relativo, explica por que os mais destacados penalistas internacionais, entre outros, não aceitam nem como excludente da tipicidade nem como causa de justi? cação. Aliás, nesse sentido, é muito ilustrativa a conclusão de Jescheck, ao afirmar que ‘a ideia da adequação social resulta, no entanto, num critério inútil para restringir os tipos penais, quando as regras usuais de interpretação possibilitam a sua delimitação correta. Nestes casos, é preferível a aplicação dos critérios de interpretação conhecidos, pois, dessa forma, se obtêm resultados comprováveis, enquanto que a adequação social não deixa de ser um princípio relativamente inseguro, razão pela qual só em última instância deveria ser utilizado5.

É certo que o direito penal pá-trio admite o princípio da adequação social, como causa excludente de criminalidade, possuindo duas funções importantes: "(A) de restringir o âmbito de abrangência do tipo penal (limitando sua interpretação ao excluir as condutas social-mente aceitas) e (B) de orientar o legislador na seleção dos bens jurídicos a serem tutelados, atuando, também, no processo de descriminalização de condutas."6Portanto, o princípio da adequação social busca a intervenção mínima do Estado nas condutas que, embora a princípio lesem um bem jurídico tutelado pelo direito penal, são socialmente aceitas diante da ínfima lesão.

Crime de violação de direito autoral

Consiste no crime de violação de direito autoral, descrito no artigo 184 do Código Penal, a conduta de violar direitos de autor e os que lhe são conexos, através de reprodução, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, sem autorização expressa do autor ou representante, conforme o caso.

Contudo, para fins desse estu-do, será limitada a conduta prevista no seu parágrafo segundo, isto é, a conduta de quem distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no país, adquire, oculta, tem em depósito, com intuito de lucro direto ou indireto, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação de direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produto de fonograma, ou ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. É nesse parágrafo que incorre a maioria dos vendedores de CDs e DVDs piratas.

Primeiramente, vale a pena delimitar o conceito de "direito autoral". Bitencourt conceitua como sendo "os benefícios, vantagens, prerrogativas e direitos patrimoniais, morais e econômicos prove-nientes de criação artística, cien-tíficas, literárias e profissionais de seu criador, inventor ou autor"7, incluindo também os direitos conexos aos de autor.

Quanto ao tipo objetivo, Celso Delmanto define a conduta descri-ta neste artigo 184, § 2º, do Código Penal: "quem, com intuito de lucro (ganho, vantagem, benefício), direto (em que não há intermediário, imediato), ou indireto (disfarçado, dissimulado, que se faz receber por intermédio de terceiro), pratica qualquer das seguintes condutas: distribui (dá, entrega, espalha), vende (aliena ou cede por certo preço), expõe à venda (põe à vis-ta, apresenta em exposição, mostra para vender), aluga (loca), introduz no País (importa), adquire (compra mediante pagamento), oculta (esconde), tem em depósito (possui guardado), original (feito em primeiro lugar) ou cópia (reprodução) de obra intelectual ou fonograma, acrescido do elemento normativo do tipo: reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista, intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma"8.

A tutela do tipo penal é a proteção que a lei de propriedade intelectual garante a toda pessoa cria-dora de obras intelectuais, tanto na esfera patrimonial como pessoal.

A Constituição Federal de 1988, no seu art. 5º, inciso XXVII, assegura: ‘aos autores pertence o direito exclusivo de...

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