Aplicação das Normas Jurídicas

AutorAmauri Mascaro Nascimento/Sônia Mascaro Nascimento
Páginas132-140

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1. Complexidade do ordenamento

A — PLURINORMATIVIDADE. A complexidade do ordenamento jurídico trabalhista resulta da coexistência, nele, de diferentes tipos de normas produzidas por meio de fontes estatais e não estatais e da dinâmica que apresenta essa plurinormatividade, na medida da sua constante renovação e das naturais dúvidas que, em cada caso concreto, surgem na tarefa de escolher qual é a norma que deve ser aplicada.

B — UNIDADE OU DUALIDADE DE ORDENAMENTOS. Pelo fato de coexistirem leis que o Estado elabora e as normas jurídicas que são produzidas pela vontade dos grupos por meio das suas representações sindicais, há duas concepções opostas, a dualista e a integrativa: a primeira sustentando que são separados os dois sistemas, o estatal e o não estatal, e a segunda compreendendo-os como uma unidade constituída de ambos os tipos de normas, como efetivamente ocorre.

Não há dois ordenamentos, mas um só, o que o Estado faz e o que o Estado reconhece; portanto, reconhecendo, integra num só ordenamento todos os existentes. Realmente, o número de normas é expressivo; há uma infinidade de normas que, como as estrelas do céu, jamais alguém consegue contar (BOBBIO). Quantas e quais são as normas jurídicas trabalhistas no Brasil? É possível defini-las pelos tipos, mas não pelo número. É difícil saber quantas leis, convenções e acordos coletivos, regulamentos de empresas, usos e costumes, jurisprudência estão vigentes. A tarefa do profissional do direito não é contar o número dessas normas, mas conhecer as regras que deve seguir para escolher a norma que deverá aplicar na solução de cada caso concreto.

C — COERÊNCIA DO ORDENAMENTO. Qualquer que seja a opção, os problemas decorrentes da multiplicidade de fontes e de normas existem e é necessário que sejam resolvidos pelo operador do direito do trabalho, uma vez que é necessário manter a coerência do sistema. É para afastar esses problemas que se utiliza a técnica da hierarquia das normas, buscando-se superar as antinomias entre elas; mediante integração das lacunas pretende-se encontrar meios para resolver o caso concreto, quando não há no ordenamento uma norma específica para ele; há também a técnica da interpretação, que almeja compreender o significado das diretrizes que estão contidas nas normas. São esses os aspectos nucleares da aplicação do direito do trabalho.

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2. Hierarquia

A — ESCALONAMENTO DAS NORMAS. O ordenamento jurídico, como todo sistema normativo, é um conjunto de normas de conduta, de organização, de competência, de direitos subjetivos e deveres, aspecto do qual resulta a necessidade de ser estabelecida uma correlação entre as normas visando à coerência do sistema.

A mais vigorosa construção jurídica destinada a encontrar uma solução para esse problema é a teoria de Kelsen, para quem as normas jurídicas são dispostas segundo uma pirâmide que tem como vértice uma norma fundamental da qual resulta o fundamento e a validade das normas inferiores de modo sucessivo e escalonado entre as mesmas, questões que são estudadas pela Teoria Geral do Direito. Há, portanto, uma fonte das fontes, que é o ponto de unificação e que dá unidade ao todo, como um poder originário que cria novas centrais de produção jurídica, daí a intrínseca reprodução do sistema atuando sobre as normas como resultado da antecedente e como causa do subsequente.

B — PRINCÍPIO DA NORMA FAVORÁVEL AO TRABALHADOR. A Constituição Federal é a norma jurídica maior que exerce essa função na pirâmide normativa do direito do trabalho?

É evidente que a resposta deve ser afirmativa, porque a Constituição desempenha o papel fundamental atributivo da unidade do sistema, daí por que também nas relações de trabalho, como nas do direito comum, as normas inferiores não podem contrariar ou revogar as leis constitucionais.

Há, contudo, um aspecto peculiar ao direito do trabalho. A sua finalidade não é igual à do direito comum. Neste a hierarquia das normas cumpre a função política de distribuição de poderes entre a União, os Estados Federados e os Municípios. A União reserva, para si, as atribuições que considera necessárias para a manutenção da unidade político-jurídica. No direito do trabalho, o objetivo maior é social, a promoção da melhoria das condições sociais do trabalhador, daí a própria União, que tem competência para legislar sobre a matéria, permitir, salvo exceções que ressalva, que normas e condições de trabalho mais vantajosas para os assalariados, conferindo direitos acima dos que previu na Constituição, venham a ser criadas pelas normas inferiores do escalonamento.

Esse aspecto influiu na formação de um princípio próprio do direito do trabalho sobre a hierarquia das suas normas. É o princípio da norma favorável ao trabalhador, segundo o qual, havendo duas ou mais normas sobre a mesma matéria, será aplicada, no caso concreto, a mais benéfica para o trabalhador.

A proteção ao assalariado nem sempre é total e satisfatoriamente dispensada pelo Estado. Às vezes, normas não estatais cumprem melhor esse fim. Por tal razão, o direito do trabalho não acolhe o sistema clássico, mas sim o princípio da hierarquia dinâmica das normas, consistente na aplicação prioritária de uma norma fundamental que sempre será a mais favorável ao trabalhador, salvo disposições estatais imperativas ou de ordem pública. Como corolário, segue-se que as condições mais benéficas ao trabalhador são sempre prioritárias. Assim, se a lei ordinária garante férias de 30 dias e a convenção coletiva assegura férias de 60 dias, esta será a norma fundamen-

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tal aplicável. Se, de acordo com os usos e costumes, o aviso-prévio é de 60 dias e a convenção coletiva fixar a duração do aviso-prévio em 30 dias, prevalecem os usos e costumes, de caráter mais vantajoso. Se a Constituição dispõe que o repouso semanal remunerado será preferivelmente aos domingos e o regulamento da empresa dispuser que o repouso remunerado...

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