A aplicação da responsabilidade civil pela perda de uma chance no direito do trabalho: discussões sobre a busca pela natureza jurídica do instituto

AutorAriete Pontes de Oliveira - Débora Caroline Pereira da Silva
Ocupação do AutorDoutoranda e Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/MG. - Mestranda em Direito do Trabalho pela PUC ? MG. Pesquisadora CAPES. Advogada
Páginas15-24

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1. Introdução

O dever de reparar, outrora fundamentado na conduta culposa do agente infligidor do dano, tem sofrido evoluções importantes em face do contexto histórico, cultural, econômico e social, iluminado pelos princípios da dignidade da pessoa humana, pela solidariedade social e pela reparação integral de danos causados injustamente. A reconstrução teórica do dever de reparar, ou ainda a sua mudança paradigmática, trouxe como consequência a alteração do objeto do dever de reparar, deslocando-se, então, da pessoa do ofensor (identificação da culpa) à pessoa da vítima, visando à reparação integral do dano injustamente sofrido. Nesta nova interpretação dada à reparação civil, novos danos passam a ser discutidos, dentre eles, a reparação pela perda de uma chance, que consiste na perda injustificada da oportunidade de se auferir uma vantagem.

A perda de uma chance, contraditória em seus elementos, pois envolve a certeza da perda da oportunidade, mas a incerteza do resultado a ser alcançado, acarreta sérias discussões em torno da sua natureza jurídica, tanto no plano teórico quanto no plano da casuística. De origem civilista, a perda de uma chance foi recepcionada pelo Direito do Trabalho a fim de buscar a reparação pelos danos injustos acarretados à pessoa do trabalhador. Mas em que perspectiva deve se utilizar a perda de uma chance? Enquanto dano autônomo a ser reparado, enquanto extensão do nexo causal ou, ainda, como técnica de deslocamento do objeto da reparação? Enfim, qual a natureza jurídica da perda de uma chance?

A busca pela natureza jurídica do instituto tem por objetivo resguardar a reparação integral do dano sofrido pela vítima (aqui, o trabalhador), fundamentando-se a análise a partir da leitura do Direito do Trabalho constitucionalizado. Para tanto, parte-se da nova hermenêutica de interpretação do dever de reparação, seguida pela contextualização da perda de uma chance, para, ao final, apontar as diferentes teorias que cercam a natureza jurídica da perda de uma chance.

2. A evolução do dever de reparar

Pensar o dever de reparar pressupõe sua limitação temporal e histórica, justificando-se, então, a perspectiva de mudanças paradigmáticas que cercam todo o instituto. Neste sentido, "tudo sói mudar e se transformar no campo do Direito escrito, em face

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de injunções múltiplas e sempre renovadas, ditadas pela realidade circunstante, seja ela de natureza política, econômica, histórica ou mesmo filosófica"1.

Assim, o dever de reparar, cujo termo tem origem latina respondere, que significa tornar-se garantidor de algo, sofre mutações, de modo a conformar o Direito e a realidade social. No sistema jurídico brasileiro, o conceito, os fundamentos e pressupostos do dever de reparar são modificados a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - CR/88.

Inicialmente, no plano das codificações, ainda na leitura oitocentista, o dever de reparar estava atrelado ao conceito de ato ilícito, pressupondo então a responsabilidade civil de natureza jurídica subjetivista. Bem, outra não poderia ser a leitura. A doutrina individualista, construída a partir do conceito de homem natural, tomou-o como ser isolado, livre, igual e sujeito proprietário. Deste modo, a moralidade era que o dever de reparar só seria imputado na hipótese de conduta consciente, ilícita e causadora de danos patrimoniais. A culpa era elemento basilar do dever de reparar. A instituição do dever de reparar tinha por fim sancionar a conduta do ofensor. Esta era a ideia do Código Civil brasileiro de 1916 ao estabelecer a responsabilidade civil subjetiva como regra e a objetiva nos casos expressamente excepcionados em lei.

No entanto estes valores não se mantêm. Com a CR/88, novos valores são reconhecidos pelo Direito e, novamente, o Direito deve se conformar à realidade. A leitura individualista do Direito cede espaço à leitura socialista, em que o homem passa a não ser considerado abstrata e isoladamente, mas um ser socialmente integrado, objeto de tutela do Direito. Neste sentido, o constituinte elegeu como princípios fundamentais, ou melhor, como "a causa ideológica que serviria de fundamento a todo o ideário constitucional [...]"2, o valor da dignidade humana como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, da CR/88), a busca por uma sociedade justa, igualitária e solidária (art. 3º, I, da CR/88).

No plano do dever de reparar, tem-se que:

A nova realidade social - fundada depois do advento da Constituição Federal de 1988, que tem como princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e a solidariedade social (art. 3º, I) - impõe que hoje a responsabilidade civil tenha por objetivo não mais castigar comportamentos negligentes, senão proteger a vítima do dano injusto3.

Neste sentido, por meio de uma nova hermenêutica, o dever de reparar deve ser estudado a partir dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, garantindo uma leitura personalista de tutela à vítima a reparação integral.

Nesta mudança de paradigmas, pode-se trabalhar a conceituação da responsabilidade civil como dever jurídico sucessivo, já que há desrespeito ao dever jurídico originário, imposto pelo ordenamento jurídico, a saber, o dever da solidariedade que, se violado, poderá dar ensejo ao dever jurídico sucessivo, que é o dever de reparar. Daí responsabilidade civil é o dever que o ofensor tem de reparar o dano injusto4 decorrente da violação de outro dever jurídico "de não lesar".

Quando se remete à ideia de dever jurídico sucessivo tem-se a desconformidade com os valores tutelados pelo ordenamento jurídico, independentemente do conceito de ato ilícito5.

A fundamentação da responsabilidade civil, que outrora era punir a ação ilícita, passa a ser a busca da reparação, viabilizando instrumento para que a vítima não fique sem reparação, efetivando por fim a causa ideológica do fundamento do Estado Demo-crático de Direito, que é a tutela da pessoa humana.

2. 1 Pressupostos tradicionais6 à incidência do dever de reparar

Tradicionalmente, o dever de reparar na leitura da responsabilização subjetiva exige a conduta ilícita

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(seja por ação ou omissão culposa ou dolosa), o nexo de causalidade e o dano. Já no plano da responsabilização objetiva, exige-se a conduta independente do conceito de ilícito, o nexo de causalidade e o dano.

O pressuposto dano é elemento essencial sem o qual o dever de reparar não se configura. O conceito de dano é tão importante que nos países de língua espanhola, como é o caso da Espanha, o dever de reparar é conceituado como Derecho de daños. 7

Tradicionalmente, no sistema brasileiro, são qualificáveis como danos reparáveis o dano material, o dano moral e o dano estético, este último, por reconhecimento da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ.8

Como efeito da mudança paradigmática em torno do dever de repar, surge a atipicidade dos danos, levando a uma problemática: quais danos são reparáveis? Houve um alargamento de novas situações jurídicas que podem ensejar o dever de reparar? Assim, há dano por abandono afetivo?9

No plano juslaboral, o excesso no poder diretivo dá ensejo à reparação por dano moral ou trata-se de mero aborrecimento? 10 A perda da capacidade laborativa em razão de acidente de trabalho acarreta dano moral?11 Há o dano existencial? Ou trata-se de reparação por dano moral?12 Há dano por perda de uma chance?13 Ou busca-se de forma inadequada a qualificação de novos danos em vez de se buscar a extensão do nexo causal?

Fato é que a dinâmica social imporá a autonomia de novos danos, como o foi o reconhecimento do dano moral, que antes da CR/88 não era reconhecido. Mas fato é também que em muitos casos estar-se-á diante de violação de interesses já tutelados pela ordem jurídica, descabendo então falar em novos danos reparáveis. Deve-se tratar com cautela a qualificação de novos danos, sob pena de haver uma panaceia em torno do dever de reparar, ou ainda de ocorrer uma vitimização social.

O dano material, reconhecidamente reparável, pode dar ensejo ao dano emergente e ao lucro cessante. Pela teoria da diferença, pode-se entender que o dano emergente é aquele que se encontra pela diferença patrimonial, a menor ocorrida após o evento danoso. Assim, após o evento danoso, a vítima passa a ter patrimonialmente menos do que tinha antes do evento. Ou ainda, que haja aumento do passivo. Ou, seja, ocorre dano emergente quando se tem a diminuição do ativo ou aumento do passivo. Já os lucros cessantes podem ser entendidos como a frustração de um ganho.

Quanto ao dano, deve-se observar que o art. 403 do Código Civil de 2002 estabelece que "as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato". Pela disposição legal, reparam-se danos certos.

Sujeito à compensação, tem-se o dano moral, que envolve inúmeros questionamentos: a) a conceituação do dano moral: afronta a dignidade humana? Violação dos direitos da personalidade? Sentimento de dor, sofrimento, humilhação? b) prova do dano moral: requer efetiva comprovação ou resta presumida a prova a partir dos fatos? c) a funcionalização do dano moral deve ser compensatória ou punitiva? d) quantificação do dano moral? Deve-se definir critérios para se quantificar o dano moral? Tarifação? e) legitimação para se arguir danos morais em caso de falecimento: somente os ascendentes, descendentes e...

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