A aplicabilidade dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos na ótica da cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade

AutorEly Talyuli Júnior
Páginas91-116

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A grande controvérsia depreendida do julgamento exarado no âmbito da SBDI-I, do TST, foi a principal preocupação em trazer, neste capítulo, elementos jurídicos consistentes à incondicional aplicabilidade das Convenções Internacionais, sobretudo por versarem normas mais favoráveis aos trabalhadores. Para alcançar este alvo, entendeu-se ser imprescindível assinalar complementarmente as regras de obrigações firmadas pelo Brasil no âmbito de suas responsabilidades internacionais, agregar aspectos sobre a recepção dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos à luz do direito pátrio, e também do comparado, entender melhor o controle de convencionalidade das leis e a qualificação dos adicionais de remuneração como direitos essencialmente humanos.

3. 1 A vinculação obrigacional firmada pelo Brasil quanto ao cumprimento das Convenções Internacionais

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada como parte do Tratado de Versalhes que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, quando se estabeleceu a necessidade de se imprimir, do pensamento de proteção ao ser humano, mecanismos para concretização desta segurança global. Um dos seus objetivos é o de fomentar a justiça social promovendo normas internacionais sob a forma de convenções, protocolos, recomendações, resoluções e declarações309. A ratificação de uma Convenção Internacional da OIT, como ato soberano de um Estado, implica sua incorporação total ao sistema jurídico, legislativo, executivo e administrativo do país em questão, tendo, portanto, caráter vinculante e inafas-tável310, cumprindo-se, assim, a finalidade do Direito Internacional do Trabalho

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consistente na uniformização das normas jurídicas e cooperação internacional para a melhoria das condições de vida do trabalhador311.

A Constituição da OIT impõe aos Estados-Membros a garantia de condições de existência convenientes à proteção dos trabalhadores contra as moléstias e acidentes decorrentes do trabalho312. Trata-se de regra universal de conteúdo aberto dada a importante significância do alcance de seu objetivo estar voltada à proteção incondicional do ser humano.

O reforço deste pensamento, inclusive, associa-se integralmente à definição de saúde defendida pela Organização Mundial de Saúde - OMS, quando se passou a entendê-la como:

[...] um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de afecções ou enfermidades [...]; que [...] o gozo do grau máximo de saúde que se possa alcançar é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, ideologia política ou condição económica ou social [...]; que [...] a saúde de todos os povos é uma condição fundamental para se alcançar a paz e a segurança, e depende da mais ampla cooperação das pessoas e dos Estados [...]; bem como que [...] os governos têm responsabilidade pela saúde de seus povos, a qual só pode ser cumprida mediante a adoção de medidas sanitárias e sociais adequadas [...].313

A proteção ampla ao trabalhador encontrou assento primeiro na Declaração Universal dos Direitos Humanos, criada em 1948, como forma de disseminar as mais salutares e sociais condições a serem balizadas pela comunidade

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internacional314. Sem dúvida alguma que esse instrumento, em particular, fixou-se como um mecanismo de proteção de direitos fundamentais ao correlacionar, com propriedade, a proteção dos direitos do trabalhador ao lado de garantias indissociáveis do ser humano como a vida e a sua segurança. Pode-se dizer, sem erro, que se tratou da pedra fundamental e núcleo das atenções da humanidade para vários cuidados inerentes à sobrevivência das liberdades e garantias individuais, ao prever, em seu preâmbulo, esta destinação:

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, [...] a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações [...]. (Negritou-se)

Com base nessa pulsação frequente pela efetivação das normas e da justiça social, algumas disposições preconizadas na Constituição da OIT315 imprimem compromissos de os Estados-Membros envidarem esforços hercúleos para a sua aplicabilidade:

Artigo 19.

[... ]

5. Tratando-se de uma convenção:

[...].

d) O Estado-Membro que tiver obtido o consentimento da autoridade, ou autoridades competentes, comunicará ao Diretor-Geral a ratificação formal da convenção e tomará as medidas necessárias para efetivar as disposições da dita convenção.

[...].

8. Em caso algum, a adoção, pela Conferência, de uma convenção ou recomendação, ou a ratificação, por um Estado-membro, de uma convenção, deverão ser consideradas como afetando qualquer lei, sentença, costumes ou acordos que assegurem aos trabalhadores interessados condições mais favoráveis que as previstas pela convenção ou recomendação. (Negritou-se)

Artigo 35.

1. Excetuados os casos em que os assuntos tratados na convenção não se enquadrem na competência das autoridades do território e aqueles em que a convenção for aplicável, dadas as condições locais, os Estados-Membros comprometem-se a aplicar as convenções

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que - de acordo com os dispositivos da presente Constituição - houver ratificado aos territórios não metropolitanos, por cujas relações internacionais forem responsáveis, inclusive aos territórios sob tutela cuja administração lhes competir, admitindo-se reserva quanto às modificações necessárias para se adaptarem tais convenções às condições locais. (Negritou-se)

Duas regras de observância transparecem dos artigos 19 e 35 pelo Estado--Membro. Há uma sensata conexão entre o item 5 da alínea "d" do artigo 19 e o mandamento do item 1, do artigo 35. Ambos preconizam mobilização pela efetiva aplicabilidade das disposições convencionais, isto é, uma preocupação recorrente pela implementação e cumprimento das diretrizes pelos Estados--Membros. Ora, não é demais lembrar que este sentido se revela consonante com vários aspectos ligados ao Direito Internacional, como o de regulamentar as normas jurídicas.316

No que tange ao comando do item 8, do artigo 19, esta norma tem a sensibilidade de resguardar ao trabalhador qualquer tipo de condição mais benéfica, ou seja, não exige imposição indistinta e autoritária, mas sua compatibilização ou inovação como condição eventualmente mais benéfica ao conjunto de leis daquele Estado signatário, cujo fenómeno Paulo Henrique Gonçalves Portela define como coordenação de interesses317. Esta norma se adequa aos princípios do Direito do Trabalho e normas trabalhistas que visam a dignificação do trabalhador.

A complexidade das relações internacionais lembra, em outro ponto, vários problemas que ultrapassam as fronteiras de um Estado e podem exigir a compreensão de fatores vinculados a outros segmentos como a política e a eco-nomia318. Mudanças significativas ocorrem no mundo com reflexos no Direito Internacional. Isto não pode ser desprezado. De fato, as normas internacionais vêm abordando um rol cada vez mais diverso de matérias e também de sólidos argumentos jurídicos, questões relevantes da atualidade como o meio ambiente do trabalho e quanto a direitos humanos319.

Nesse impulso vibrante, a Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho, editada em 1998, recapitulou o compromisso universal dos Estados-Membros de respeitarem, promoverem e aplicarem de boa-fé os princípios fundamentais de direitos no trabalho:

[...] manter o vínculo entre progresso social e crescimento económico, a garantia dos princípios e direitos fundamentais no trabalho reveste uma importância e um significado especiais ao assegurar aos próprios interessados a possibilidade de reivindicar livremente e em igualdade de oportunidades uma participação justa nas riquezas a cuja criação têm

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contribuído, assim como a de desenvolver plenamente seu potencial humano; [...]. (Ne-gritou-se).

Quanto à efetividade e cumprimento de tais normas pelos Estados-Membros, Nicolas Váltico320 já chamava a atenção para que as obrigações travadas via Convenções da OIT fossem tratadas na medida e força de um pacto contratual:

[...] La obligación de aplicar los convenios ratificados está inscrita em la Constituición de la O.I.T., que prevê (art. 19, § 5º, al. d) que todo Estado que comunique su ratificación de un convenio habrá de tomar las medidas necessárias para hacer efectivas las disposiciones de dicho convenio. Manifestación del viejo principio según el cual pacta sunt servanda [...]. (Negritou-se)

O Estado membro não pode, com isso, ignorar, revogar ou inaplicar suas obrigações convencionais, firmadas internacionalmente, porque delas se extraem compromissos jurídicos e impacto importante perante seu ordenamento jurídico. O respeito a elas é o mínimo que se espera de seu signatário e qualquer interpretação destoante caminha contra os próprios princípios que regem o Brasil em suas relações internacionais321, porquanto gera um rompimento com essa relação de unidade e solidariedade do gênero humano estampada pela sociedade internacional.

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