A aplicabilidade da denunciação da lide no processo do trabalho ? e o diálogo das fontes

AutorLorena de Mello Rezende Colnago/Ben-Hur Silveira Claus
Páginas265-287

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1. Considerações iniciais

O presente artigo tem como objetivo rediscutir a questão da aplicabilidade da intervenção de terceiros, especialmente na modalidade da denunciação da lide no âmbito do processo laboral.

Para cumprir tal múnus, faz-se mister, previamente, uma revisão conceitual dos institutos em análise, bem como uma atualização da visão do processo trabalhista, em especial da competência da Justiça do Trabalho, com fulcro na dimensão propugnada pela Emenda Constitucional n. 45/2004 e também diante das inovações trazidas pelo Novo Código de Processo de Civil, vigente a partir de março de 2016.

Na sequência será feita uma análise de algumas hipóteses de denunciação à lide, tomadas apenas a título exemplificativo, abordando-as sob a clássica concepção em torno da abrangência da competência material da justiça do trabalho, com enfoque na repercussão da alteração constitucional, suprarreferida.

Por fim, seguirá uma proposição de ampliação do debate em torno do manejo e admissão de tal modalidade de intervenção na seara trabalhista, diante das inovações perpetradas no diploma processual civil, bem como diante da necessidade de uma interpretação sistemática, pautada na teoria do diálogo das fontes, visando atingir com maior eficácia e duração razoável os resultados úteis do processo.

De fato, se há alguma dúvida e controvérsia em torno da admissibilidade da denunciação à lide, com base em argumentos simplistas, impregnados de preconceitos formais, faz-se necessário buscar uma inter-locução entre o diploma processual comum e o especial para que se possa extrair de tal integração uma solução que represente de forma efetiva a pacificação social.

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2. Intervenção de terceiros – noções conceituais

Para uma melhor compreensão da definição de terceiro no âmbito do processo civil brasileiro, faz-se mister compreender a delimitação conceitual da ideia de parte como elemento fundamental da demanda.

João Mendes de Almeida Junior, destaca que desde as Ordenações Filipinas, que tratam das primeiras regras processuais em solo pátrio, havia comando no sentido de que seria necessária a presença de pelo menos três sujeitos no processo, quais sejam: O Juiz, que julgue; o Autor que demande; e o Réu que se defenda.1

Em sentido similar, Paulo Roberto de Gouvêa Medina, destaca que: “Juiz, autor e réu – eis os sujeitos essenciais do processo. O juiz é o sujeito imparcial, que dirige o processo; o autor e réu são as partes, que se situam em polos extremos da relação processual – o autor, no polo ativo, o réu no polo passivo”.2

Já para Chiovenda, em sua célebre lição, “parte é aquele que demanda em seu próprio nome (ou em cujo nome é demandada) a atuação duma vontade lei, e aquele em face de quem essa atuação é demandada”.34

Luiz Guilherme Marinoni, se perfila a tal entendimento, enaltecendo que “o pedido é o elemento que determina quem é parte no processo e quem não é”5, afinal, por intermédio da análise da providência que foi demandada à jurisdição, serão mensurados a espécie e profundidade dos interesses envolvidos para que se possa aferir o grau de influência do comando jurisdicional na esfera jurídica daquele que de alguma participa do processo.

No clássico entendimento de Ada Pellegrini Grinover et al, a conceituação de parte aborda os seguintes aspectos:

Autor e réu são os principais sujeitos parciais do processo, sem os quais não se completa a relação jurídica processual. Se todo processo se destina a produzir um resultado (provimento jurisdicional) influente na esfera jurídica de pelo menos duas pessoas (partes), é indispensável que a preparação desse resultado seja feita na presença e mediante a possível participação desses sujeitos interessados. Autor é aquele que deduz em juízo uma pretensão e réu, aquele em face de quem aquela pretensão é deduzida.67

Tem-se assim, que as partes podem ser compreendidas como sujeitos processuais, eis “figuram como titulares de situações jurídicas ativas e passivas integrantes da relação jurídica processual”8, sujeitos de direitos, deveres, poderes ônus, faculdades e atuam de forma parcial em busca da satisfação de determinada pretensão, ou ainda de forma imparcial, tal como os juízes e demais servidores que auxiliam no andamento do processo.

Fredie Didier Jr lembra que as partes da demanda podem ser identificadas como os elementos subjetivos da ação, que atuam com parcialidade no processo, integrando o contraditório e podendo sofrer alguma consequência jurídica decorrente das decisões judiciais proferidas no processo9.

Paula Sarno Braga, complementa esclarecendo que:

Também se adota em doutrina o conceito puro (e mais amplo) de parte processual, trazido na obra liebmaniana, como aquela que figura na relação processual com parcialidade, em contraditório, em defesa de dado interesse10, mas

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não necessariamente pedindo ou tendo formulado contra si um pedido.11

Em que em pese o intenso debate doutrinário em torno do tema, aqui representado apenas de modo exemplificativo, sem intenção de exaurir o tema, adotar-se-á no presente estudo a concepção defendida por Fredie Didier, no sentido de que “o conceito de parte deve restringir-se àquele que participa (ao menos potencialmente) do processo com parcialidade, tendo interesse em determinado resultado do julgamento”.12

Nesta senda, o ilustre processualista baiano, na obra supracitada, destaca que as partes se fazem presentes no processo, quer através do papel de retirada da jurisdição do seu estado de inércia, instaurando a demanda, através da petição inicial, quer figurando como sujeito contra quem se exige a prestação jurisdicional, ou ainda intervindo no processo, no qual já litigam outros atores.13

Diante do quanto pontuado resta bem delineado o conceito de parte, atenuando a dificuldade da tarefa de se estabelecer a definição do que seja a figura do terceiro no processo civil pátrio, geralmente fixada por exclusão em relação àqueles que são considerados como parte.

Este é, por exemplo, o entendimento do mestre Cândido Rangel Dinamarco, que destaca que o conceito negativo de terceiros, no sentido de que:

Enquanto terceiro, a pessoa não realiza atos no processo e não é titular dos poderes, faculdades, ônus, que caracterizam a relação processual. E porque não participam da preparação do julgamento que virá, não é lícito estender-lhes os efeitos diretos da sentença.14

Ainda na linha de conceito de terceiros por eliminação por eliminação, Evaristo de Moraes Filho afirma que: “terceiro é assim, em geral, todo o sujeito, necessariamente indeterminado, estranho à relação jurídica dada”15, por isso não deve sofrer nenhuma consequência jurídica em função das obrigações debatidas entre as partes16.

Nesta senda, José Martins Catharino, destaca:

O relativismo contratual não pode ser separado da relatividade do conceito de terceiro, determinado por exclusão: terceiro é quem não é primeiro nem segundo, em se tratando de contrato entre dois. Terceiro não é apenas quem não contratou, mas também a quem os efeitos de determinado contrato não alcança.17

Transpondo tal abordagem para o âmbito processual, leciona Barbosa Moreira: “é terceiro quem não seja parte, quer nunca o tenha sido, quer haja deixado de sê-lo em momento anterior àquele que se profira a decisão.”18

Essa ideia de sujeito alheio ao núcleo e efeitos da relação jurídica processual é retratada no regramento adotado pelo novo código de processo civil em seu art. 506, in verbis: “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.

Ocorre que, atenta à possibilidade das decisões judiciais, eventualmente impactarem na esfera jurídica de terceiros estranhos ao processo, a legislação brasileira admite a possibilidade de intervenção de tais sujeitos, em hipóteses expressamente reguladas19.

Fala-se, assim no fenômeno da intervenção de terceiro, entendido como fato jurídico processual, modifica um processo já existente, por meio da prática de um ato jurídico processual, pelo qual um terceiro devidamente legitimado e autorizado pela lei, passa a compor a relação jurídica processual, transformando-se, a partir desse momento, em parte.20

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Assim, nas demandas que tenham potencialidade de gerar alguma vinculação jurídica aos terceiros em face de determinado processo, podem admitir o ingresso de tais sujeitos, até então estranhos a tal relação jurídica processual, passando a integrá-la na qualidade de parte, desde que autorizados e legitimados pela lei.

Não basta que o terceiro tenha mero interesse moral, econômico, social no processo. Tais aspectos isoladamente, não o autorizam a intervir em uma demanda ajuizada por outras pessoas. Faz-se indispensável o interesse jurídico, no sentido de o terceiro possuir relação jurídica com uma das partes, ou até mesmo com ambas, havendo relevante potencialidade de ser diretamente afetado pelo comando jurisdicional a ser proferido em tal processo.21

Pode-se afirmar, portanto, como bem pontuado por Renato Saraiva e Aryanna Manfredini, que a inter-venção de terceiros “ocorre quando uma pessoa física ou jurídica, que não seja parte originária no processo, nele ingressa para defender interesse próprio ou de uma das partes primitivas da lide”.22

Tal intervenção pode se dar de forma espontânea, na qual o terceiro ingressa na lide voluntariamente para defender seus interesses jurídicos tal como ocorre com a assistência, ou pode ser provocada, quando o terceiro é instado a participar do processo por requerimento...

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