Apêndice - Poderá o coordenador da graduação em Arquitetura não ser arquiteto?

AutorJosé Roberto Fernandes Castilho
Páginas441-447

Page 441

Ver Nota1

...l’art de faire chanter le point d’appui.

Auguste Perret

O que se ouve através dos edifícios da capital do país são as vozes de um coral de vários pontos.

Joaquim Cardozo

A instituição da Engenharia não militar no Brasil ocorreu por obra e graça de D. Pedro II. Já as graduações em Arquitetura e Urbanismo são bem mais novas. Elas se organizaram, autonomamente, em meados do século XX (Mackenzie em 1947, USP em 1948, etc.). Talvez por isso não exista entre os arquitetos brasileiros um “espírito de corpo” (no bom sentido do termo) que os faça defender as prerrogativas da profissão, mesmo depois da lei que criou sua corporação profissional, o CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo, em 2010. Uma dessas prerrogativas diz que apenas arquitetos podem ser coordenadores de curso de graduação em Arquitetura. Em outras profissões liberais – como médicos ou advogados – isso parece óbvio. Não se imaginaria um fisioterapeuta coordenando curso de Medicina ou um economista num bacharelado em Direito, mesmo sendo campos afins. Mas na Arquitetura não é bem assim e acham alguns (até mesmo arquitetos) que se trata de questão interna corporis da Universidade.

A questão a que me proponho a responder, pois, é a de saber se engenheiros podem ser coordenadores de graduação em Arquitetura nos 500 cursos que

Page 442

existem distribuídos pelo país. A meu ver isto não pode (juízo de legalidade) e não deve (juízo de conveniência) acontecer, por vários motivos que se somam. Destacarei dois, um de ordem material e outro de ordem formal.

Em primeiro lugar há a razão histórica. Engenheiros e arquitetos brasileiros têm uma longa trajetória de disputas e contenciosos que culminou com a criação do CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo que, separando-os, retirou os arquitetos da fiscalização do CREA, dominado pelos engenheiros civis. O fundamento desta disputa tem a ver com atribuições profissionais, que são discrepantes. Pode-se dizer que o arquiteto é um profissional generalista, que deve comandar todo o processo construtivo a partir do projeto até a pós-ocupação, passando pela execução que a lei do CAU expressamente refere (“concepção e execução de projetos” – art. 2º/Parágrafo único/I). Na verdade, é o primeiro e principal “agente da edificação” porque irá definir, no projeto, aquilo que vai ser levantado. Os engenheiros, por sua vez, desempenham, sem exclusividade2, funções particulares no processo de construção do edifício, no sistema estrutural, nas instalações elétricas, hidráulicas, automação, etc.

Portanto, a visão de ambos os profissionais não coincidem. Mas, por força exatamente deste perfil generalista do arquiteto, os cursos requerem a participação efetiva – e fundamental – de profissionais de outras áreas em seu corpo docente, inclusive dos engenheiros. É o caso também dos juristas que devem ministrar o Direito Urbanístico que é a face jurídica do urbanismo, além do Direito da Arquitetura, conjunto de regras jurídicas que disciplinam o exercício da profissão (contratos, direitos autorais, responsabilidades, etc).

É por tal motivo que, na França, apenas os arquitetos podem conseguir a licença edilícia, quando esta for necessária. Com efeito, a inserção harmônica da edificação no meio urbano deve ser pensada e resolvida pelo arquiteto. A famosa lei francesa de 1977 diz com todas as letras: “quem desejar empreender trabalhos dependentes de uma licença edilícia deve recorrer a um arquiteto para elaborar o projeto” (art. 3º, com as exceções do comando seguinte, modificado em 2016). No Brasil, por motivos históricos, os engenheiros civis fazem normalmente pro-

Page 443

jetos edilícios mesmo tendo estudado Arquitetura e Urbanismo rapidamente3.

No entanto, assim como apenas os advogados têm capacidade para postular em juízo, apenas os arquitetos deveriam ter capacidade para projetar edificações ou, no campo urbanístico, parcelamentos do solo, por exemplo, obtendo as licenças e autorizações devidas do Poder Público. Mas, aqui, a lei não diz isso e os engenheiros continuam a desempenhar normalmente funções para a quais...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT