Antropologia jurídica ? aspectos

AutorMaria Francisca Carneiro
CargoFilósofa do direito
Páginas16-17
TRIBUNA LIVRE
REVISTA BONIJURIS I ANO 30 I EDIÇÃO 650 I FEVEREIRO 2018
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Maria Francisca Carneiro fiLÓsofA do direito
ANTROPOLOGIA JURÍDICA – ASPECTOS
andinski estudou an-
tropologia jurídica
para melhor retratar,
em seus quadros, o es-
pírito dos agricultores
russos de sua época.
Iniciamos este es-
crito com a passagem
acima para ilustrar, o quanto a an-
tropologia jurídica no Brasil é tar-
dia, pouco avança e, se o faz, parece
fazê-lo aos pequenos e intervalados
passos, enquanto que, em outros lu-
gares, parece adiantar-se mais rapi-
damente, tendo começado mais cedo.
Sabe-se de Wassily Kandinski
(Moscou, 1866-1944) que “o mundo
jurídico despertou-lhe o sentido
por relações abstratas e (...) traba-
lhos na área da investigação socio-
lógica e etnográfica”.
As investigações sociológicas e
antropológicas de Kandinski leva-
ram-no a “colher informações sobre
a cultura dos agricultores russos e
fizeram-no contactar com as cores
garridas das suas casas e mobiliá-
rios e com as fortes policromias dos
trajes, com influências em algumas
das suas primeiras pinturas”.
A antropologia é um ramo rela-
tivamente recente na história da
demarcação dos saberes. Surgida
no início do século passado, tendo
como precursores Linton e Malino-
wski, era considerada a “ciência das
sobras”, pois tudo o que não cabia
ou não interessava à arqueologia, à
paleontologia, à sociologia etc., era
relegado à antropologia.
Em seus primórdios, a antropo-
logia tornou-se célebre e despertou
grande interesse, em vir tude da
celeuma entabulada entre Malino-
wski e Linton: enquanto que para
aquele o homem modifica a natu-
reza, para este o homem modifica a
natureza que, já modificada, reper-
cute e transforma novamente o ho-
mem, em uma contínua cadeia de
retroalimentação na relação entre
homem e natureza. Filiamo-nos a
esta segunda postura.
Dentre o rol de estudos e ideias
que nos foram legados por Ralph
Linton, destacamos os que se refe-
rem à origem do homem; às raças e
à significação das diferenças raciais;
às matérias-primas da sociedade e à
sua organização em status e papéis;
às unidades sociais determinadas
pelo sangue; à tribo e ao Estado; às
descobertas, às invenções e à difu-
são; às reconstruções históricas.
Chama-nos sobremaneira a
atenção o que Linton nos diz a res-
peito do background da mentali-
dade humana e do background da
cultura porque, ao nosso ver, tais
temas, se bem desenvolvidos, conti-
nuados e levados adiante, poderiam
ser um dos vários caminhos a nos
conduzir e subsidiar a compreen-
são da existência do espírito ou da
alma, no ser humano e, talvez, de
formas primitivas chamadas “pro-
toespíritos” nos animais.
No Brasil, nos anos oitenta do
século passado, Roque de Barros
Laraia observava o sensível cresci-
mento pelo qual passava a antropo-
logia brasileira naquelas décadas,
seja em número de pesquisadores,
seja quanto à procura de novos te-
mas sob o estímulo de modernas
orientações teóricas, seja ainda pelo
aumento do número de estudiosos.
Enquanto tecia essas observações,
Laraia revitalizava o conhecimento
antropológico posto, como as ques-
tões do determinismo biológico e
geográfico; a interferência e condi-
cionamento operados pela cultura
na visão de mundo, a dinâmica pró-
pria da cultura, entre outros.
No que se refere à antropologia
jurídica, no Brasil, cabe destacar a
obra de Robert Weaver Shirley, por
várias razões, a começar por ter
anotado que a vinculação entre di-
reito e ciências sociais achava-se já
incontestavelmente instituída nos
países de língua inglesa, enquan-
to que, no Brasil de então, infeliz-
mente, tal vinculação se encontra-
O descaso com a “ciência das sobras” no campo do direito
faz com que o Brasil avance pouco em um tema que já navega
em águas profundas no resto do mundo
K
Revista_Bonijuris_NEW.indb 16 23/01/2018 21:05:16

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