Antropogênese mito-ameríndia

AutorAntonio Araújo
Páginas55-59

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Um sopro de cosmogonia e, sobremodo, a antropogonia ou antropogênese de povos ameríndios puseram-se a urdir, tecer mitos em que animais falam, cantam, dançam, ensinam. Entre os Yudjá, por exemplo...

Conta-se que os animais eram gente no tempo da criação dos Yudjá. O caititu era um grande cantor e a anta, uma grande flautista... E quando soprou a humanidade moderna, Senã-ã disse dos (humanos-) animais: “Eles são animais! Que se transformem, portanto, em animais”, e assoprou-lhes a animalidade, e todos “perderam a linguagem” [...]. (LIMA, 2005, p. 38)

São comuns, ainda, mitos Yudjá de metamorfose, revezamento ou pêndulo mediador gente-bicho: “Senã´ã assopra aos karai (brancos), transformando-os em borboletas [...]. À medida que as borboletas vão retornando e pousando com o cipó, Senã´ã assopra-as e transforma de novo em karai” (Id. Ibid., p. 27).

Os Desana-K?híripõrã explicam a origem da humanidade através de uma gigantesca jiboia, ou “canoa da transformação”, pois “as malocas também estão debaixo da água. Tanto que a humanidade veio como Waimahsã, gente de peixe” (LANA e LANA, 1995, p. 31).

Alguns Kaingang teriam sobrevivido a uma inundação, transmutando-se em macacos (cf. AMBROSETTI, 2006, p. 88-89). Os Tariano relatam que uma das primeiras mulheres “deu à luz araras, japus e outras aves que têm penas coloridas” (LANA e LANA, 1995, p. 34).

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Os Wai-Wai crêem que “vieram a existir da junção entre os Wayamuyana (Povo Jabuti) e os Okoymoyana (Povo Sucuri)” (SOUZA, 2011, p. 18). Segundo a embriogênese Yanomami, não havia bichos, somente os Yanomami, que se transformaram em animais. É o avesso do evolucionismo unidirecional de Darwin (2003).

Contudo, o que envolve o mito animista? Sobre a mitopoese da psique, Boechat (2008, p. 13, 22) ressalta a “capacidade espontânea que tem a psique de produzir mitos”. Jung (1986) elucida: “Para a razão, o fato de ‘mitologizar’ (mythologein) é uma especulação estéril, enquanto que para o coração e a sensibilidade essa atividade é vital e salutar; confere à existência um brilho ao qual não se quereria renunciar” (apud BOECHAT, 2008, p. 17).

Nas sociedades antigas pode-se perceber a presença da mitologia com muita clareza, na organização cultural, na vida individual e na coletiva, tanto nos costumes como na religião. É como se quanto mais próximo estivesse a cultura da natureza e dos instintos, mais a mitologia se tornasse presente de forma crucial. (BOECHAT, 2008, p. 22)

Haurindo cosmogonias...

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