A resolução antecipada do mérito por meio do artigo 285-A do código de processo civil

AutorMaysa Kozloski
CargoAcadêmica do 10º DIBN, do Curso de Direito da Escola de Direito e Relações Internacionais das Faculdades Integradas do Brasil ? UniBrasil, orientada pelo Professor Mestre Cassiano Luiz Iurk
Páginas312-350

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Introdução

Criticada por uns, elogiada por outros, a Lei n° 11.277/2006 causou grandes divergências doutrinárias no que tange à sua aplicação, tanto é que no próprio ano de sua edição, foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil sob o n° 3695, na qual alegou violação aos princípios da isonomia, da segurança jurídica, do direito de ação, do contraditório e do devido processo legal, bem como ao caput do artigo 5o da Constituição da República, e aos incisos XXXV, LIV e LV. O Instituto Brasileiro de Direito Processual - IBDP ingressou na ADI na qualidade de amicus curiae, defendendo a constitucionalidade da Lei.

Percebe-se, assim, que existe uma grande divergência doutrinária acerca da nova regra, e é justamente para analisar seus prós e contras que se propõe o presente artigo, o qual tem como objeto de partida a análise dos requisitos de aplicabilidade do citado dispositivo pro-cessualístico.

Em um segundo momento, estudar-se-á o sistema recursal inserto no artigo 285-A, haja vista que é motivo de divergências doutrinárias, em que alguns autores sustentam ter o legislador, na intenção de solucionar os processos repetitivos, focado o artigo somente para a primeira instância, tendo se preparado muito mal para enfrentar a segunda instância.

Por fim, tendo em vista a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta em face da referida Lei, analisar-se-á de maneira breve se realmente há violação aos princípios constitucionais insertos na Carta

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Republicana, ou se, ao revés, o dispositivo legal sub examen contribui para uma verdadeira aplicação destes princípios.

Ressalta-se que o objetivo do presente trabalho não está dire-cionado a esgotar o tema, mas sim analisá-lo pormenorizadamente para, quem sabe, contribuir com o debate acerca da matéria.

1. O art 285-A do CPC: requisitos de aplicabilidade

O artigo 285-A do CPC prevê a possibilidade de prolação de sentença de improcedência, sem a citação do réu, nos casos em que a matéria for unicamente de direito e já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos no mesmo juízo. Ademais, traz consigo a hipótese de interposição de recurso de apelação por parte do autor, possibilitando ao magistrado prolator da sentença de improcedência o juízo de retratação.

Assim dispõe o citado artigo:

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

§ 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. § 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.

Inicialmente, cumpre observar que pela literalidade da redação contida em seu caput, preenchidos os requisitos necessários o magistrado possui a faculdade de proferir sentença de improcedência, haja vista que o caput utiliza-se da palavra "poderá". Se assim não o quiser, o processo segue sua tramitação normal.

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É neste sentido o entendimento de Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior (2007, p. 227), o qual entende que:

Em atenção ao princípio do livre convencimento motivado (...) não há como se imputar a qualquer magistrado, mesmo aquele que já tenha um dia proferido sentença num determinado sentido e atu-almente tenha reformulado seu entendimento, a obrigação de reproduzir em um processo atual a sentença de um feito anterior, ainda que idêntico. Exigir tal providência é desconsiderar o fato de que o direito evolui, as pessoas mudam de opinião, e o que hoje pode parecer certo e cristalino, amanhã pode ter outro entendimento.

Também para Vicente de Paula Ataíde Junior (2009, p. 104),

A técnica utilizada pelo artigo 285-A do CPC visa à aceleração do processo. Mas se trata, a toda evidência, de uma faculdade para o juiz da causa, como exercício do poder discricionário judicial. Não há qualquer obrigatoriedade em se utilizar o instituto. O juiz, mesmo sabendo da existência, no juízo, de sentença de total improcedência em casos idênticos, poderá muito bem ordenar a citação e processar normalmente a causa.

Apesar disso, por outro lado há que se questionar se essa faculdade de aplicação do artigo 285-A pode eventualmente significar o não atendimento ao princípio da celeridade, indo assim em sentido contrário ao propósito almejado pela Emenda Constitucional n° 45/2004, bem como pela Lei n° 11.277/2006.

De fato, parece que a solução para tal impasse é considerar que o magistrado possui sim a faculdade de aplicar o artigo 285-A, no

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entanto, ao fazer esta opção, deverá o mesmo assumir a responsabilidade de utilizar uma carga argumentativa muito forte, que lhe dê respaldo face a eventuais questionamentos das partes.

Há que se observar, ainda, que a redação do artigo em momento algum restringe a sua aplicação à determinado rito processual, fato que autoriza a doutrina majoritária defender a sua aplicabilidade de forma bastante ampla:

Nada obstante o CPC 285-A se localize topicamente dentro do procedimento comum ordinário, do Livro do processo de conhecimento, a norma comentada tem natureza jurídica de regra geral de processo e procedimento, motivo pelo qual se aplica a toda e qualquer ação, independentemente da competência do juízo e do rito procedimental que se imprima à ação repetida. Assim, pode ser aplicada a regra da improcedência da ação repetida nos processos de conhecimento, cautelar e de execução, nos procedimentos comum (ordinário e sumário) e sumaríssimo (v. g., juizados especiais federal e estadual), assim como nas ações que se processam por rito especial (v. g., CPC 890 et seq., mandado de segurança, ação civil pública, ação popular, ação coletiva, ações de locação, ações falenci-ais, ação de embargos do devedor, etc.). É admissível a aplicação do CPC 285-A nos processos da competência da justiça comum (federal e estadual) e da justiça especial (e. g., justiça do trabalho -CLT 769). A incidência da norma comentada dá-se, também, no âmbito dos tribunais, para as ações de sua competência originária (NERY JUNIOR; NERY, 2007. p. 555-556).

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Divergências doutrinárias à parte, passa-se à análise dos pressupostos necessários à aplicação da norma em comento, lembrando que é indispensável a presença concomitante de tais requisitos, sob pena de tornar nula a sentença (CIMARDI, 2008, p. 419).

1. 1 Matéria controvertida unicamente de direito

O primeiro requisito necessário à aplicação do artigo 285-A diz respeito à matéria objeto da controvérsia, que pela letra da lei, deverá ser unicamente de direito. Nesse ponto, a regra padece de inúmeras críticas por parte da doutrina.

Primeiramente, cumpre mencionar a crítica feita pelos autores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (2007, 554-555) no tocante à passagem "matéria controvertida". Segundo eles, neste ponto a regra é despida de técnica, "pois somente a citação válida torna a coisa litigiosa (CPC 219 caput), isto é, implica situação processual de existência de matéria controvertida. Como a norma prevê decisão do juiz sem citação, a matéria ainda não se tornou controvertida." Assim, sugerem os autores que, "onde está escrito 'matéria controvertida' deve ler-se 'pretensão que já tenha sido controvertida em outro processo e julgada improcedente pelo mesmo juízo'" (NERY JUNIOR; NERY, 2007, p. 555).

Em relação à expressão "unicamente de direito", novamente surgem as críticas. Primeiramente, oportuno mencionar a diferenciação existente entre matéria de fato e matéria de direito. A matéria de fato está ligada às questões fáticas da demanda, ou seja, diz respeito "à existência e às características do suporte fático concreto". Já a matéria de direito está ligada "à tarefa de subsunção do fato (ou conjunto de fatos) à norma." (DIDIER JUNIOR, 2007, p. 266)

Assim, a princípio, o juiz somente poderá aplicar a regra insculpida no artigo 285-A se a matéria objeto das ações for unicamente de direito, sendo a matéria de fato facilmente comprovada através de prova documental. Ante a necessidade de produção de outras provas, não mais incidirá tal regra, devendo o processo seguir sua tramitação normal,

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passando pela fase instrutória para que ao final, possa ser proferida uma sentença acertada e devidamente fundamentada (DI DI ER JUNIOR, 2007, p. 420).

Neste ponto, os doutrinadores fazem uma ressalva, adotando a expressão predominantemente de direito ao invés de unicamente de direito, haja vista que as questões de fato e de direito sempre estarão entrelaçadas, em maior ou em menor grau, inexistindo questões que alberguem puramente matéria de direito.

Segundo Cássio Scarpinella Bueno (2007, p. 127), "não há, propriamente, uma questão unicamente de direito (...) a questão, é, no máximo, predominantemente de direito porque a mera existência de um autor, de um réu e de um substrato fático que reclama a incidência de uma norma jurídica já é suficiente para que haja questão de fato no caso concreto."

Observa-se, pois, que apesar da falta de técnica e talvez de um maior rigor linguístico, como demonstram as críticas, fato é que...

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