Anotações sobre os requisitos para instituição de taxas no sistema tributário brasileiro

AutorFabiana Del Padre Tomé
Páginas59-71

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1. A repartição constitucional das competências tributárias

O direito positivo apresenta-se como o conjunto de normas jurídicas válidas em determinadas coordenadas de tempo e de espaço, tendo por finalidade a regulação de condutas intersubjetivas. Toda norma jurídica, simplesmente por integrar o sistema do direito positivo, relaciona-se com a disciplina das condutas entre os sujeitos da interação social, motivo pelo qual seria correto afirmar que todas as normas jurídicas são normas de conduta. Entretanto, não podemos olvidar que o direito positivo regula a sua própria criação, dispondo sobre o modo pelo qual as normas jurídicas que o integram são produzidas.

Essa situação leva-nos a identificar dois tipos de normas compondo o sistema do direito positivo, justificando-se, assim, a diferenciação que se faz entre normas de conduta e normas de estrutura. Denominam--se "normas de conduta" aquelas voltadas direta e imediatamente à regulação dos comportamentos das pessoas, nas relações de intersubjetividade. A designação "normas de estrutura", por sua vez, é atribuída às que são dirigidas indireta e mediatamente às condutas humanas, voltando-se, mais especificamente, à produção e transformação de estruturas deôntico-jurídicas.1 As normas de estrutura, explica Norberto Bobbio, "são aquelas normas que não prescrevem a conduta que se deve ter ou não ter, mas as condições e

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os procedimentos através dos quais emanam normas de conduta válidas".2

A distinção entre normas de conduta e de estrutura, portanto, é efetuada conforme o objeto imediato de regulação: caso volte-se imediatamente aos comportamentos intersubjetivos, modalizando-os deonticamente como obrigatórios, proibidos ou permitidos, temos norma de comportamento; se dirigir--se ao modo pelo qual uma norma jurídica é criada, modificada ou extinta, temos norma de estrutura. No primeiro caso, a ordenação do comportamento dá-se em termos decisivos e finais; no segundo, a regulação final da conduta tem caráter mediato, demandando outra norma jurídica para que o comportamento seja regulado de modo decisivo.

Não obstante a discriminação das normas jurídicas em normas de conduta e de estrutura, vale frisar que estas últimas também regulam comportamentos. São normas de produção normativa, que disciplinam o procedimento de regulamentação jurídica, ou seja, dirigem-se aos comportamentos correspondentes â produção, modificação ou extinção de outras normas. Nas palavras de Norberto Bobbio, seu objeto é "o modo de regular um comportamento, ou, mais exatamente, o comportamento que elas regulam é o de produzir regras".3 .

Voltemos nossa atenção a uma das espécies de normas de estrutura: as normas constitucionais de produção normativa tributária, isto é, aquelas que dispõem acerca da criação, modificação ou extinção de tributos. Trata-se da chamada "competência tributária".

No que concerne à definição do conceito de competência tributária, Paulo de Barros Carvalho entende ser "uma parcela entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na faculdade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos".4 José Eduardo Soares de Melo define-a como "a aptidão para criar tributos, legalmente e de forma abstrata, indicando todos os elementos da hipótese de incidência, compreendendo o aspecto pessoal (sujeitos ativos e passivos), a materialidade, base de cálculo e alíquota",5e, Roque Antonio Carrazza, como "a aptidão para criar, in abstracto, tributos".6 Há, por conseguinte, um consenso no sentido de que a competência tributária consiste na outorga de poderes às pessoas políticas de direito público interno para expedir normas jurídicas tributárias, inovando o ordenamento positivo e criando tributos.

A Constituição da República brasileira é minuciosa ao disciplinar a competência tributária. Como já se manifestava Geraldo Ataliba,7 "o sistema constitucional brasileiro é o mais rígido de quantos se conhece, além de complexo e extenso. Em matéria tributária tudo foi feito pelo constituinte, que afeiçoou integralmente o sistema, entregando-o pronto e acabado ao legislador ordinário, a quem cabe somente obedecê-lo, em nada podendo contribuir para plasmá-lo". No Brasil, a discriminação das competências tributárias é feita mediante indicação, de forma pormenorizada, do campo tributável atribuído a cada pessoa política. Disso decorre a necessidade de que o legislador infraconstitucional de cada ente político, ao exercer as competências que lhe foram outorgadas, observe com rigor os requisitos constitucionalmente estabelecidos. É que a Carta Magna, ao conferir

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ao legislador a aptidão para criar tributos, impõe que ele o faça dentro de certos limites e observados alguns requisitos.

Isso em tudo se aplica às normas de produção normativa tributária, podendo concluir-se que a competência tributária já nasce limitada, seja de modo direto, por meio de preceitos especificamente endereçados à tributação (repartição constitucional das competências, princípios tributários, imunidades etc.), seja de modo indireto, mediante a existência de direitos que devem ser respeitados (de propriedade, de livre exercício da atividade profissional etc).

Com efeito, a análise das normas constitucionais de produção normativa tributária mostra-se extremamente útil, pois permite vislumbrar os detalhes que envolvem a criação dos tributos, possibilitando identificar, com precisão, os requisitos necessários para tanto. É que, como assevera Roque Antonio Carrazza, "para as pessoas políticas, a Constituição é a Carta das Competências. Ela indica o que podem, o que não podem e o que devem fazer, inclusive e principalmente em matéria tributária".8

Por conseguinte, é a partir das normas que outorgam competência legislativa tributária às pessoas políticas de direito público interno (normas constitucionais de produção normativa tributária) que devemos analisar, em seus pormenores, os requisitos para a instituição e a exigência dos tributos. Dentre elas, destaca-se o art. 145 da Constituição da República, que discrimina as competências tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

E preciso esclarecer que o dispositivo em exame não consiste em regra constitucional direcionada a classificar as espécies tributárias. A diretriz do art. 145 presta-se para relacionar as espécies de tributos que podem ser instituídas por todas as pessoas de direito constitucional interno, observadas, obviamente, as demais regras de competência veiculadas no Texto Supremo.

Nos termos do art. 145 da Constituição da República, compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituírem: (i) impostos; (ii) taxas e (iii) contribuições de melhoria.

Em relação aos impostos, os elementos relevantes para sua fisionomia jurídica encontram-se estipulados no sistema constitucional tributário brasileiro de modo minucioso, nos arts. 153, 155 e 156. Ali estão relacionados os fatos suscetíveis de serem tributados pelas pessoas políticas, delimitando-se as competências dos entes tributantes, remanescendo aberta apenas a faixa de competência tributária da União, em face da possibilidade residual estabelecida no art. 154,1, da Carta Magna.

Ao conferir competência para a instituição de taxas, o constituinte enunciou, desde logo, as suas modalidades. Prescreveu, no art. 145, II, que essa espécie tributária pode ser instituída (i) em razão do exercício do poder de polícia; ou (ii) pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Assim, se as taxas são vinculadas a uma atuação estatal diretamente referida ao contribuinte, depreende-se, desde logo, que os entes tributantes poderão instituir taxas tão somente nos limites da sua competência administrativa de poder de polícia e prestação de serviços públicos específicos e divisíveis.

A contribuição de melhoria, por sua vez, é tributo passível de ser exigido quando existente obra pública da qual decorra valorização dos imóveis circundantes. Logo, a competência para a instituição desse grávame decorre da competência para a realização da obra pública, podendo esta ser desempenhada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios.

Como se vê, as espécies tributárias relacionadas no art. 145 da Constituição podem ser instituídas por quaisquer das pessoas políticas, desde que preencham os demais requisitos postos no Texto Constitucional.

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Mas não são somente essas as espécies de tributos. A Constituição da República, em seu art. 148, outorga à União a possibilidade de instituir, mediante lei complementar, empréstimos compulsórios para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou de sua iminência, ou para realizar investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado, nessa última hipótese, o princípio da anterioridade. No art. 149, a Lei Maior atribui à União competência para instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico ou no interesse das categorias profissionais e econômicas. E, no art. 149-A, introduzido pela Emenda Constitucional n. 39/2002, há autorização para que os Municípios veiculem contribuição para o custeio da iluminação pública. Esses são tributos que o constituinte houve por bem disciplinar em dispositivos diversos, por serem de exclusividade de apenas alguns dos entes tributantes.9

2. Regra-matriz de incidência tributária

A norma jurídica, unidade irredutível de manifestação do deôntico, é, nos dizeres de Lourival Vilano va, "uma estrutura lógico--sintática...

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