Angola: a construção de uma nação

AutorJuvenal De Carvalho
CargoJuvenal de Carvalho é mestre em História (Universidade Federal da Bahia) e professor de História da África, tendo implantado e coordenado o Curso de Licenciatura em História das Faculdades Jorge Amado (FJA), em Salvador (BA). [juvenalc@gmail.com]
Páginas64-72
ANGOLA: A CONSTRUÇÃO DE UMA NAÇÃO
JUVENAL DE CARVALHO *
1. INTRODUÇÃO
As pontes que ligam os dois lados do Atlântico são maiores do que se costuma
pensar aqui no Brasil. Isto é mais forte ainda quando se pensa na região que
hoje é conhecida como Angola. Através dos portos de Luanda e Benguela
muitos dos nossos antepassados foram enviados pelos traficantes de escravos
para este lado do Oceano. Um comércio sistemático que, com períodos de
maior ou menor intensidade, durante três séculos ligou os dois mundos na
formação de um complexo produtor de açúcar em uma margem com a
mão-de-obra fornecida pela outra margem deste “rio chamado Atlântico”. Ao
transportar pessoas, esse comércio colocava em circulação suas crenças,
valores, hábitos, formas de ser, de pensar e agir, em fim, colocava em contato
suas variadas culturas. O Brasil de hoje é fruto dos confrontos e das trocas
provocados por este contato.
As ligações entre as duas margens do Grande Rio não são apenas de ordem
econômica, como um certo campo historiográfico defendeu por muito tempo. A
influência africana se manifestou, e continua se manifestando, em todas as
dimensões da vida nacional. Por exemplo, a organização de entidades do
movimento negro nos anos 1970 foi influenciada, também, pelas lutas de
independência nas colônias portuguesas que se desenvolvia no mesmo
momento. Peço licença aos poetas para lembrar de um pensador e dirigente
angolano deste período, que afirmou: “não basta que seja pura e justa a nossa
luta. É preciso que a pureza e a justiça exista em cada um de nós”. Um
pensamento que motivou muitos ativistas deste lado e que me parece muito
apropriado para o momento que vivemos aqui no Brasil.
Nesta perspectiva, considero que as reflexões sobre a construção de uma
Nação em Angola podem ser úteis para pensar também a construção de uma
Nação aqui no Brasil. As dimensões continentais do território, as profundas
desigualdades sociais e econômicas, as disparidades regionais, a imensa
diversidade cultural, as estruturas de poder extremamente hierarquizadas, com
um Estado autoritário, excludente e corrupto, são alguns dos dilemas para
quem deseja pensar em uma Nação brasileira diferente desta que existe hoje,
herdeira direta dos modelos coloniais que as classes dirigentes de mentalidade
branca, euro-ocidental, fazem tudo para manter. Acredito que o Brasil ainda
não resolveu esta questão, logo, a reflexão sobre o desafio de construção da
Nação angolana pode oxigenar a nossa trajetória. Portanto, falar de Angola é
tratar de um país que muito nos deu no passado, no presente e, certamente,
muito pode contribuir na construção do nosso futuro também.
2. EXISTE UMA NAÇÃO ANGOLANA?
Neste ensaio, pretendemos fazer uma breve provocação. O que significa tratar
de Angola enquanto a “construção de uma Nação?” Ora, só é possível falar de

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