Dispersões humanas, globalização e direitos humanos. Uma análise crítica das políticas repressivas dos fluxos migratórios

AutorAndré Leonardo Copetti
CargoPossui graduação em Direito pela Universidade de Cruz Alta (1988)
Páginas52-74

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I Sobre as diásporas contemporâneas. Notas introdutórias do trabalho

Prestemos detalhada atenção às notícias que seguem, publicadas em diferentes órgãos de imprensa do mundo todo: América Latina, conquanto o que logramos é demonstrar de que forma a latinoamérica aperfeiçoou-se em ocupar o "não-lugar", em constituir-se em o "não-sujeito", em ser o "Outro" latino (GALEANO, 2005, p. 17).

"Os Estados Unidos vão fornecer vistos temporários a imigrantes que ingressarem nas Forças Armadas do país" (Jornal The New York Times, em 15/02/2009);

"Segundo relatos das autoridades americanas ao jornal, os planos da Casa Branca não prevêem levar novos trabalhadores à força de trabalho americano, mas legalizar cerca de doze milhões de imigrantes que já estão trabalhando no país. Em linhas gerais, a futura legislação aceitaria os imigrantes ilegais por meio de um esquema que reconhece a violação à lei e prevê multas e outras penas. Alegislação ainda deverá incluir medidas para prevenir imigração ilegal no futuro, como maior vigilância nas fronteiras e punições para empregadores que contratarem ilegais" (sitede notíciaswww.bbc.co.uk, em 09/04/2009). "Quando o multiculturalismo deixará de ser uma ideologia projetada para desconstruir a cultura europeia, as tradições, a identidade e os Estados-nação?" (site de direita www.document.no, em 2 de fevereiro de 2010);

"O Conselho Constitucional francês considerou nesta quinta que a lei que proíbe o uso da burca em locais públicos vai de acordo com a carta magna do país, exceto em lugares de culto. O principal órgão

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constitucional francês abriu uma exceção neste ponto para que a lei não impeça a liberdade religiosa em locais de culto. Fora nesses locais, a proibição do uso da burca vai de acordo com a Constituição e, caso a lei seja desrespeitada, a multa pode chegar a 150 euros, afirmou o organismo em comunicado. A lei será mais dura para aqueles que obrigarem as mulheres a utilizar a burca, com penas de até um ano de prisão e multas de 30 mil euros" (site de notícias www.terra.com.br, em 07 de outubro de 2010);

"O norueguês suspeito de matar pelo menos 92 pessoas em dois ataques nesta sexta-feira (22) é um ex-membro de um partido populista anti-imigração que escreveu em blogs atacando o multiculturalismo e o islamismo" (Agência de Notícias G1, em 27/07/2011); "25 imigrantes líbios, de um total de aproximadamente trezentos que estavam em um navio, chegam mortos, por asfixia decorrente de ingestão de gás carbônico, na ilha italiana de Lampedusa, em razão de terem viajado por um longo período na casa de máquinas da nau" (Jornal O Estado de São Paulo, em 31/07/2011); "Imigrantes africanos enfrentam a polícia italiana em razão do atraso do governo da Itália em decidir sobre a concessão ou não de vistos de permanência para esse grupo de refugiados" (Jornal O Estado de São Paulo, em 02/08/2011); V

Sem maiores preocupações com qualquer contraprova científica das notícias e manchetes antes expostas, especialmente pela sua notoriedade, o mais relevante e comum a destacar em todas elasé a relação do conteúdo de cada umacom a ocorrência/permanência de um fenômeno que assume, contemporaneamente, proporções e características problemáticas, como jamais houve em todas as suas manifestações ao longo da história da humanidade: as diásporas. Sim, temos êxodos em todo o planeta como nunca foram registrados por qualquer espécie de dados estatísticos. A prática de aportar em terras estrangeiras por pessoas que estão fugindo de perseguição ou que façam do êxodo uma alternativa de vida por outras razões, especialmente econômicas, é uma das características mais antigas da civilização. Referências a essa prática foram encontradas em textos escritos há 3.500 anos, durante o florescimento dos antigos grandes impérios do Oriente Médio, como o Hitita, Babilônico, Assírio e Egípcio antigo (ACNUR, 2011).

Asimples ocorrência de diásporas não seria um problema por si só, não fossem as violações de direitos humanos que estão intimamente impressas em suas ocorrências contemporâneas. É bastante provável que em suas ocorrências em outras épocas, as mesmas violações que hoje são recorrentes também ocorressem. Entretanto, os registros não são tão abundantes e precisos como os de hoje, especialmente em função dos desenvolvimentos tecnológicos da informação.

Acompanhando a humanidade desde o seu surgimento - há um razoável consenso científico acerca de uma dispersão inicial dos humanos a partir da África -, as diásporas constituem-se em fenômenos inextricavelmente ligados à ocupação/construção do mundo. Na maioria esmagadora de seus acontecimentos, caracteriza-se como um mal na história. Assim foi na América Latina, marcada pela

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imigração europeia e africana, com pessoas enviadas para realizar trabalhos forçados e com a ocorrência de genocídios brutais, onde foi dizimada a maioria dos africanos deslocados e também a quase totalidade dos povos originários que foram vítimas das violências perpetradas pelos europeus migrantes/exploradores.

Longe de terem cessado, essas macro movimentações não só persistem nos dias atuais, mas adquiriram uma escala global: a migração caribenha e palestina pós-Segunda Guerra; o êxodo africano para a Europa, Estados Unidos e países emergentes; os deslocamentos latinos rumo à Europa e Estados Unidos; enfim, um sem número de diásporas que ocorrem globalmente.

Contemporaneamente, o problema caracteriza-se tanto pelos movimentos internos, dentro dos próprios países, quanto pelos movimentos para o exterior. De acordo com Roger Zetter (2011, pp. 16), Diretor do Refugee Studies Center da Universidade de Oxford, as PDIs (pessoas deslocadas internamente) excedem em número os refugiados na proporção de quase três para um - há cerca de 10 milhões de refugiados, mas quase três vezes mais PDIs. Há movimentações internas no Cone Sul, e pessoas que migram para o Caribe, Estados Unidos, norte da Europa e também para as Américas. Nas Américas do Sul e Central, quatro zonas de refugiados são bastante preocupantes: Colômbia, Panamá, Venezuela e Equador. No mundo, de modo geral, a maioria dos refugiados é da África, mas muitos vivem no Oriente, na Ásia Central, e no Iraque eAfeganistão, especialmente.

Depois de aproximadamente cinquenta anos de uma nítida polarização mundial de forças políticas, econômicas e militares, desapareceram os espaços geopolíticos homogeneizadores que caracterizaram a Guerra Fria, desvelando-se, em seu lugar, um mundo fragmentado e caleidoscópico, onde muitas e significativas mudanças ocorreram, em termos de macro deslocamentos humanos, especialmente a partir de meados da década de oitenta do século passado. A escala global dos movimentos de refugiados; a complexidade da migração internacional contemporânea, que não é simplesmente o resultado de conflito e violência, mas também de desenvolvimento insuficiente e má governança; as crises de refugiados e os deslocamentos que parecem ser muito mais prolongados do que no passado; a ocupação das cidades ao invés de áreas rurais; além de um aumento, ou pelo menos reconhecimento, dos apátridas que hoje rondam a cifra de 6 milhões, são características dos êxodos contemporâneos, cujos protagonistas - refugiados e requerentes de asilo provenientes do sul global - encontram, cada vez mais, resistência por parte dos países situados no norte global (ZETTER, 2011, p. 15-16 e BAUMANN, 2011, p. 116-117). Em complementação às razões de partir que movem os imigrantes, Maria Beatriz Rocha-Trindade (1995, pp. 40-44), em sua "Sociologia das Migrações", elenca as seguintes motivações para as diásporas contemporâneas: econômicas, políticas, emergência da sobrevivência diária, étnico-culturais, migrações de quadros e especialistas, deslocamentos de idosos em busca de qualidade de vida, êxodos de estudantes em busca de formação/qualificação. Destas, constituem-se em objeto de nossa análise as decorrentes de questões econômicas, políticas, de emergência da sobrevivência e étnico-culturais, pois são as que basicamente constituem os fatores determinantes das migrações do sul para o norte, e que sofrem a repressão dos países repressores de tais movimentações.

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A questão ética fundamental que ronda esse fenômeno, gestada reflexivamente no âmbito da ética e projetada pragmaticamente para os campos político e jurídico, não é fazer com que os fenômenos diaspóricos cessem - o que se constitui em uma total impossibilidade -, mas saber como vamos manejar estes processos de deslocamento, para que não sejam tão conflituosos entre a população local e os refugiados, ou saber como podemos dirigir econômica e politicamente esses processos e não criar mais conflitos com minorias ou relações com racismo e xenofobia. A maior dificuldade é que algo mudou no mundo e muitos países fecharam as portas para os migrantes. A Europa não permite a entrada daqueles oriundos da África, por exemplo. A própria África do Sul, Estados Unidos e Austrália têm fechado suas fronteiras para essas pessoas. A situação mudou porque há trinta anos havia interesse de muitos países em receber refugiados.

Trabalhar este tema, nos limites do presente texto, decorre de dois motivos fundamentais, que se constituem em duas faces de uma mesma moeda. Primeiro, em função dos reflexos econômicos que têm atingido vários países do norte do planeta (EUA, Espanha, Itália, Grécia, Irlanda, Portugal e...

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