Análise econômica do direito e a concretização dos direitos fundamentais

AutorMarcia Carla Pereira Ribeiro - Diego Caetano da Silva Campos
CargoPossui graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1987), mestrado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1994) - Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2010)
Páginas304-329

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Introdução

O nascimento dos modernos Estados Constitucionais está assentado na ideia de submissão dos poderes públicos a um conjunto de direitos fundamentais previstos na Constituição. Conquanto hajam variados modos de conformar as Constituições, de acordo com o modelo estatal adotado e peculiaridades de cada sociedade, o ponto comum entre as diferentes concepções de Constituição repousa na vinculação dos poderes estatais aos direitos fundamentais plasmados na Constituição (FERRAJOLI, 2010, p. 33).

Atualmente, após longa evolução histórica na formatação dos direitos fundamentais, pode-se afirmar, de um modo geral, que a previsão de direitos fundamentais nas Constituições está conectada à proteção do ser humano em suas mais variadas dimensões (CANOTILHO, 2003, p. 377)1. Neste prisma, na linha da classificação tradicional, fala-se na existência de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensões, conforme a esfera de interesses e valores que foram paulatinamente protegidos ao longo da trajetória de transformação do reconhecimento jurídico dos direitos fundamentais2 (SARLET, 2004, p. 53).

Os direitos fundamentais são à base do ordenamento jurídico em Estados Constitucionais Democrático. Isso porque definem a forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, além de integrarem a essência do Estado constitucional. Neste prisma, constituem parte não só da Constituição formal, como também da Constituição material (SARLET, 2004, p. 68).

Especificamente em relação à democracia, leciona Afonso da Silva que a fonte da existência de direitos fundamentais é a própria soberania popular, cuja existência é condição necessária para o regime democrático (SILVA, 2007, p. 179). Na mesma linha, Cunha e Scarpi afirmam que um Estado não é verdadeiramente democrático sem o

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respeito aos direitos fundamentais, tendo em vista que o exercício da autonomia pública somente é possível se os cidadãos forem independentes em razão dos direitos fundamentais assegurados (CUNHA; SCARPI, 2007, p. 84).

Feitas estas considerações, não há como negar o papel central ocupado pelos direitos fundamentais na conformação dos Estados Constitucionais. Sintetiza este protagonismo, os ensinamentos de Alexy, quando destaca que os direitos fundamentais (i) ocupam o grau máximo de hierarquia em nos Estados Constitucionais, pelo simples fato de estarem previstos na Constituição - lex superior em relação às normas infraconstitucionais; (ii) gozam da máxima força jurídica, por vincularem os três poderes estatais (Legislativo, Executivo e Judiciário), inclusive mediante controle jurisdicional; e (iii) gozam da máxima importância de seu objeto (ALEXY, 2005, p. 32-36).

Em decorrência desta privilegiada posição no Estado Constitucional, a teoria constitucionalista contemporânea é unânime ao afirmar a necessidade de concretização dos direitos fundamentais. Conforme registra Pablo Lucas Verdú, seria insuficiente a simples garantia de proclamação ou vigência dos direitos fundamentais, sendo preciso que as estruturas jurídica, económica e social os tornem efetivos (VERDÚ, 2007, p. 59). Nesta medida, há densa formulação teórica no sentido da eficácia dos direitos fundamentais. Propugna-se que os direitos fundamentais são, ao mesmo tempo, "direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem jurídica objetiva" (MENDES, 2010, p. 2). Como direitos subjetivos, permitem que os titulares imponham os interesses tutelados por seu direito fundamental perante o Estado e a coletividade; como elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva, compõe "a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito Democrático" (MENDES, 2010, p. 2).

Não obstante o escopo de efetivação dos direitos fundamentais verifica-se que, na prática, não são raros os casos de não realização dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente. Verifica-se a existência de violações a direitos fundamentais em todas as suas dimensões, mas especialmente no que se refere aos direitos fundamentais sociais (segunda dimensão), mediante omissão estatal em proporcional as condições necessárias ao exercício de direitos sociais relativos à saúde, educação, moradia, dentre outros.

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Para justificar suas omissões na satisfação dos direitos fundamentais, tornou-se comum os órgãos estatais suscitarem motivos económicos como causadores do problema da não concretização dos direitos fundamentais, afirmando que a insuficiência de recursos seria o fator que implicaria em incapacidade de prestação adequada dos direitos fundamentais de defesa e sociais. Nesta linha, surgiu, inclusive, a famigerada teoria da reserva do possível, importada ao Brasil na década de 80, que por vezes serviu de sustentáculo para o Estado justificar sua omissão na concretização dos direitos fundamentais sociais, conferindo o fundamento teórico para a não efetivação de tais direitos.

Em reação a este cenário, densa foi a formulação doutrinária acerca da impossibilidade de opor fatores económicos como alicerce para "fraudar" a concretização dos direitos fundamentais sociais3. Vários foram os autores que rechaçaram a motivação económica, entendendo que a efetivação dos direitos fundamentais não poderia ser condicionada por este fator.

Ocorre que esta aparente oposição entre questões económicas e concretização dos direitos fundamentais parece ter contribuído, em certa medida, para que fossem escassos no Brasil os estudos aproximando a formulação teórica da ciência económica e a questão da concretização dos direitos fundamentais, senão quando para afirmar que motivos económicos não poderiam amesquinhar a finalidade de efetivação dos direitos fundamentais.

Outro fator que colaborou para a segregação da ciência económica nos debates sobre concretização dos direitos fundamentais foi a propugnada incompatibilidade entre os valores de justiça ínsitos na formulação dos direitos fundamentais e alguns conceitos característicos da ciência económica, como, por exemplo, o conceito de eficiência alocativa. Robustas foram as críticas formuladas por Dworkin contra a aproximação entre Direito e Economia, muitas delas elencadas no livro Uma questão de princípio, especialmente na parte quatro, intitulada "A visão económica do Direito" (DWORKIN, 2001, p. 351-436).

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Não obstante a aparente oposição que se instalou entre as questões económicas e o problema da efetivação dos direitos fundamentais, o presente trabalho visa demonstrar de que forma a aproximação entre a ciência económica e a teoria dos direitos fundamentais, utilizando o ferramental teórico da análise do direito sob a ótica económica (Análise Económica do Direito ou Direito & Economia), pode contribuir para a concretização dos direitos fundamentais. Sem a pretensão de esgotar a matéria, pretende-se destacar algumas interconexões entre o instrumental da Economia e a efetivação dos direitos fundamentais, estimulando maiores pesquisas nesta seara.

Assim, inicia-se o artigo abordando a necessidade de atuação estatal para a concretização dos direitos fundamentais. Na sequência, trata-se da caracterização e dos principais postulados do movimento denominado análise económica do direito, a fim de melhor entender o arcabouço teórico utilizado por este método de análise. A partir da argumentação traçada, debruça-se sobre a possível contribuição do instrumental da análise económica para a formatação das estruturas normativas e das políticas públicas tendentes à concretização dos direitos fundamentais. Por fim, passa-se às considerações finais.

1. A necessidade de atuação estatal para a concretização dos direitos fundamentais

A previsão de direitos fundamentais como elementos estruturantes dos Estados é característica do constitucionalismo do período pós-Segunda Guerra Mundial (BARROSO, 2007, p. 3). O contexto de seu surgimento marca a reintrodução de concepções jusnaturalistas nos sistemas jurídicos estatais, reinserindo no topo dos ordenamentos a ideia de direitos naturais inerentes ao ser humano, os quais não só não poderiam ser desrespeitados pelos poderes estatais (Legislativo, Executivo e Judiciário), como também seria dever do Estado promover sua efetivação, quando necessária a atuação estatal. Assim, os direitos fundamentais passam a formar a base elementar das Constituições dos Estados, vinculando em especial o Poder Legislativo, de modo a evitar a repetição das atrocidades contra a dignidade humana, que foram

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cometidas sob o manto da legalidade, na Alemanha nazista e na Itália fascista (LUNO, 2007, p. 41-42).

Considerando a origem dos direitos fundamentais - conjunto de valores considerados condição fundante da vida humana - sua inclusão nos textos constitucionais se dá preponderantemente por meio de princípios gerais, com robustez valorativa, mas com baixa definição normativa específica. Conforme observa Lunardi, em razão de sua forma de positivação, função e finalidade, os direitos fundamentais possuem alta carta valorativa, mas baixa densidade normativa (LUNARDI, 2008, p. 201-202).

Significa dizer que não decorre das normas de direito fundamental quais serão os exatos contornos das medidas que deverão ser adotadas pelos órgãos estatais para a efetivação dos direitos fundamentais no plano concreto. Assim, por exemplo, a Constituição Federal brasileira de 1988, ao prever, no seu artigo 5o, inciso LXXVIII, o direito fundamental à razoável duração dos processos judiciais e administrativos não clarifica quais seriam as medidas a serem adotadas para garantir a...

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