O contrato de representação comercial: Análise das questões controvertidas no âmbito da doutrina e da jurisprudência

AutorMarcelo Gazzi Taddei
Páginas33-65

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1. O direito contratual brasileiro e o Código Civil de 2002

A rápida evolução das atividades econômicas gera o surgimento de novos negócios empresariais, exigindo a criação de novos institutos jurídicos ou o aperfeiçoamento e adequação dos já existentes. A teoria jurídica da empresa, de origem italiana, é a responsável pelas importantes

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transformações ocorridas na disciplina das relações empresariais brasileiras verificadas desde a década de 1970, com o apogeu marcado pelo surgimento do Código Civil de 2002.

A antiga visão da atividade empresarial marcada pela prática habitual de atos de comércio, enumerados na lei segundo fatores históricos ligados à ascensão da burguesia européia, foi totalmente superada pelo sistema italiano. Desde o Código Comercial brasileiro de 1850, a teoria francesa dos atos de comércio, prevista no Código de Comércio Napoleônico de 1807, constituiu a base para a caracterização da matéria empresarial, o que restringia, de forma discricionária, importantes ativida-des econômicas ao regime civil.

A atividade empresarial na atualida-de não se limita apenas à comercialização ou à produção de bens, alcança também a prestação de serviços. O Código Civil brasileiro de 2002 unificou as obrigações empresariais e civis no Livro I da Parte Especial, denominando-o "Do Direito das Obrigações". Atualmente, a teoria geral dos contratos e alguns contratos empresariais encontram-se disciplinados na legislação civil de 2002. Além da unificação mencionada, o Código Civil de 2002 também proporcionou substanciais transformações na teoria geral dos contratos, destacando-se pela acentuada publicização nas relações contratuais, ou seja, pela valorização, em determinados casos, do interesse público em detrimento da autonomia de vontade das partes e do pacta sunt servanda. Nesse sentido, destacam-se: a função social do contrato prevista no art. 421, a boa-fé ob-jetiva do art. 422, a interpretação mais favorável à parte mais fraca e a nulidade de cláusula abusiva nos contratos de adesão, tratadas, respectivamente, nos arts. 423 e 424, além da resolução do contrato por onerosidade excessiva, disposta nos arts. 478 a 480.

A necessidade da interferência do Estado nas relações contratuais foi justificada pela total ausência de negociação entre os contratantes na maioria dos contratos celebrados. Os institutos jurídicos contratuais foram desenvolvidos e aplicados para a proteção do aderente contra as cláusulas abusivas e para assegurar o equilíbrio contratual. O Direito cria normas de proteção ao economicamente mais fraco para compensar sua desvantagem. Na visão neoli-beral, a liberdade de contratação escraviza o mais fraco, cabendo ao Estado libertá-lo por meio do dirigismo contratual.

O Código Civil de 2002 apresenta importantes traços neoliberais, caracterizando-se por apresentar dispositivos que permitem ao Poder Judiciário restabelecer o equilíbrio entre os contratantes e interpretar as cláusulas contratuais em prestígio aos interesses da parte mais fraca. Nesse sentido, o art. 421 limita a liberdade de contratar ao atendimento da função social do contrato, exige dos contratantes na conclusão e na execução do contrato o atendimento aos princípios da probidade e da boa-fé (art. 422), prevê interpretação mais favorável ao aderente nos contratos de adesão que apresentem cláusulas ambíguas ou contraditórias (art. 424).

Ao tratar do contrato de agência, o legislador de 2002 prestigia o tratamento protetivo previsto em leis especiais ao empresário colaborador, dispondo no art. 721, que se aplicam ao contrato de agência, no que couber, as regras constantes em lei especial. No caso, a lei especial mencionada corresponde à Lei n. 4.886/1965, que disciplina a representação comercial, caracterizando-se pelo tratamento manifestamente protetivo atribuído ao empresário colaborador, considerado a parte mais fraca na relação contratual.

2. Os contratos interempresariais de cooperação

No desenvolvimento da atividade econômica destacam-se os contratos inte-rempresariais, destinados a facilitar a colo-

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cação de produtos e serviços no mercado. Para o empresário fornecedor, a finalidade desses contratos de colaboração empresarial é aumentar a fatia de mercado (market share) para os seus produtos ou serviços, mediante a conquista de novos clientes pela atuação do empresário colaborador.

Com a finalidade de ampliar as vendas e de assegurar a presença da marca nos mercados distantes do estabelecimento do empresário, existem diversos contratos de intermediação empresarial. Quando um dos empresários assume a obrigação contratual de auxiliar a criação, consolidação ou ampliação do mercado consumidor do produto ou serviço do outro empresário, tem-se o que Fábio Ulhoa Coelho denomina de contrato de colaboração empresarial.1

O contrato entre empresários que não apresenta esse elemento não se classifica entre os de colaboração empresarial, por mais convergentes que possam ser os interesses das partes. Segundo Fábio Ulhoa, a importância dessa definição refere-se aos direitos do colaborador ao término do contrato, relativamente à exploração do mercado que ajudou a formar ou desenvolver. Se não existiu entre os empresários o contrato de colaboração, não há nenhum ressarcimento a ser feito ao contratado.2

Ulhoa identifica duas formas de colaboração empresarial: colaboração por intermediação e colaboração por aproximação.3 Na colaboração por intermediação há a aquisição do produto pelo empresário colaborador, ao passo que na colaboração por aproximação, o empresário colaborador apenas aproxima as partes interessadas, não existindo compra e venda para revenda. São exemplos de contratos de colaboração por intermediação os contratos de distribuição-intermediação (contrato atípico) e de concessão. Dentre os contratos de colaboração por aproximação, destacam-se os contratos de mandato, comissão, agência, representação comercial autônoma e distribuição-aproximação.

A forma de remuneração também é diferente. Na colaboração por intermediação o colaborador ganha o lucro decorrente da comercialização dos produtos adquiridos do fornecedor a um preço mais baixo que o vendido, não havendo remuneração direta pelo empresário fornecedor. Já na colaboração por aproximação, o empresário colaborador tem direito à remuneração a ser paga pelo empresário fornecedor na forma de comissão, de forma geralmente proporcional ao preço dos produtos nas vendas por ele viabilizadas.

Importante ressaltar que o elemento comum a qualquer espécie de contrato de colaboração é a subordinação do empresário colaborador ao fornecedor. O colaborador desenvolve suas atividades de acordo com as ordens e orientações do empresário fornecedor, variando o grau de subordinação de acordo com a espécie de contrato, que definirá uma formatação mais ou menos rígida para a atuação do colaborador. Embora se verifique essa espécie de subordinação, o empresário colaborador apresenta autonomia jurídica.

Diante do objeto do contrato de colaboração empresarial (conquista de mercado para os produtos ou serviços do empresário fornecedor) é reconhecida a vulnerabilidade do empresário colaborador, principalmente nos contratos de execução continuada. Referida vulnerabilidade motivou a criação de dispositivos legais fixando prazo mínimo para a celebração do contrato (o art. 27, Lei n. 6.729/1979 prevê que apenas o primeiro contrato de concessão comercial de veículos automotores de via terrestre pode ser por tempo determinado, não inferior a 5 anos, prorrogando-se por tempo indeterminado), a conversão do contrato por tempo determinado em contrato por tempo indeterminado em caso de prorrogação (art. 27, § 2o, Lei n. 4.886/1965, no contrato de representação

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comercial autônoma), a previsão de valores mínimos de indenização para a extinção do contrato por iniciativa sem causa do empresário fornecedor (art. 27, j, e § 1o, Lei n. 4.886/1965, no contrato de representação comercial autônoma; art. 718, Código Civil de 2002, no contrato de agência; art. 24, Lei n. 6.729/1979, no contrato de concessão comercial de veículos automotores de via terrestre).

O tratamento legal de defesa do empresário colaborador objetiva impedir que o empresário fornecedor se aproveite do mercado conquistado pelo colaborador, prejudicando-o com a substituição por outro em condições mais vantajosas ou passando a exercer diretamente a atividade no local. Com a finalidade de coibir essa prática, a Lei n. 4.886/1965, por exemplo, garante ao representante comercial autônomo indenização específica, fixando patamar mínimo no caso de extinção do contrato por iniciativa do representado, sem comprovação de justa causa do representante. Trata-se de uma indenização pela perda da oportunidade de continuar explorando o...

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