Análise das Ações Declaratórias de Constitucionalidade depois de mais de uma Década de sua Introdução no Ordenamento Jurídico Brasileiro

AutorJosé Augusto Peres Filho
Páginas73-85

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1. Intodução

O Brasil passava por um momento econômico conturbado quando tomou posse o jovem Presidente Fernando Collor de Melo, em 15 de novembro de 1990, trazendo esperanças de estabilização naquela seara, mantendo também a estabilidade da jovem democracia recém-inaugurada no país, apenas quatro anos depois da posse do primeiro Presidente civil, sucedendo vinte e dois anos de ditadura militar.

Logo no início do Governo Collor, foram tomadas várias medidas econômicas que foram objeto de milhares, se não milhões, de ações judiciais.

Algumas destas ações prontamente foram julgadas procedentes, colocando em risco, na visão do governo, as medidas econômicas que "salvariam o país".

Com este temor, o governo, supostamente democrático, teve a ideia de fazer ressurgir uma ferramenta do governo militar ditatorial. Tratava-se da Ação Avocatória, mediante a qual, por ato do Procurador-Geral da República, que poderia ser provocado por qualquer pessoa ou instituição, o Supremo Tribunal Federal, em determinados casos, podia avocar para si processos que estivessem tramitando em qualquer juízo ou Tribunal e nele expedir decisão que valeria para todos os casos similares.

Diante desta situação, surgiram questionamentos, sobretudo com relação ao "déficit democrático" da proposta.

Em razão disso, foi apresentada perante o Congresso Nacional, em 1992, uma Emenda à jovem Constituição Federal de 1988, para a criação da

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ação declaratória de constitucionalidade, que teria o condão de dar efeito erga omnes à decisão do STF, diante da provocação, lhe solicitando que ratificasse a constitucionalidade presumida de leis ou atos normativos federais.

Nosso objetivo, em um primeiro momento, é analisar de forma teórica a ação declaratória de constitucionalidade, não sem antes dar uma breve visão do controle de constitucionalidade.

Em seguida, se propõe, se considerar quantitativamente as Ações Declaratórias de Constitucionalidade propostas perante o STF desde 1993 até os dias atuais.

É inegável que este estudo encontra inspiração nas pesquisas quantitativas e qualitativas do Professor Jorge Bercholc, apresentadas em diversas obras, algumas mencionadas ao longo deste arrazoado, embora, obviamente, por premências de tempo e limitações deste autor, fiquem bastante aquém das obras que lhe inspiraram.

2. Controle de constitucionalidade concentrado no brasil
2.1. Noção de Controle de Constitucionalidade

A partir do momento em que a Constituição é percebida como Lei Fundamental, tem-se, de logo, o reconhecimento que ela é a lei suprema, que paira sobre todo o ordenamento jurídico, que a ela deverá sujeitar-se.

Além disso, para assegurar essa supremacia, é preciso admitir-se a existência de mecanismos jurídicos que possam ser acionados de modo a garanti-la.

Desse modo, a verificação da adequação das normas, com relação aos ditames constitucionais, compreende uma análise não apenas formal (se foram seguidos todos os ritos constitucionalmente previstos para sua edição), mas também material (se o seu conteúdo de alguma maneira conflita com o texto constitucional)1.

Para que se produza um controle (fiscalização ou verificação) da constitucionalidade de uma norma, é preciso que se cumpram determinados pressupostos. Tais pressupostos são: a) existência de uma Constituição formal; b) compreensão da Constituição como lei fundamental (rígida e suprema); e c) previsão da existência de um órgão (pelo menos), que possua competência para exercer esse controle2.

A Constituição formal, portanto, seria aquela compreendida em um só documento, escrita, elaborada por órgão dotado de poderes para tanto, de modo a diferenciar-se da Constituição costumeira, "construída" ao longo dos anos pelo assentamento de costumes em determinada sociedade.

Compreender a Constituição como lei fundamental significa aceitá-la como "norma base" para todas as demais. Isto faz com que o arcabouço normativo de determinado Estado, deva estar em conformidade com os princípios e ditames estabelecidos constitucionalmente, sob pena de terem sua validade questionada e, posteriormente, ser reconhecida sua inaplicabilidade pelo órgão que detenha poderes para tanto (estabelecidos tais poderes pela própria Constituição).

Quando se fala em conformidade com a Constituição, é necessária a adequação tanto formal, quanto material, ou seja, a norma que vier a compor o ordenamento precisa ter sido elaborada seguindo as formalidades constitucionalmente previstas, e também o seu conteúdo (matéria) precisa estar em perfeita sintonia com aquilo que foi previamente estabelecido no corpo constitucional.

Como há essa necessidade de adequação das normas ao que dispõe a Constituição, é preciso que exista também um órgão dotado de poderes para analisar a norma e dizer de sua compatibilidade, ou não, com o texto constitucional, podendo, ademais, determinar que a norma que se apresentar incompatível seja extirpada do ordenamento jurídico, por força da supremacia constitucional.

Tem-se, portanto, na maioria dos países conformados sob o princípio da supremacia constitucional, um tribunal que se sobressai aos demais órgãos do Poder Judiciário e que está encarregado de realizar o controle da legalidade sob uma perspectiva "totalizadora" da Constituição, dos atos administrativos (e normativos em sentido amplo), dos outros poderes políticos do estado3. Essa tarefa do Poder Judiciário não tem apenas natureza jurídica, mas também possui um forte viés político4.

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Considerando, portanto, os três pressupostos acima elencados, que viabilizam o controle de constitucionalidade dos atos normativos, podemos definir este como "o ato de submeter-se à verificação de compatibilidade normas de um determinado ordenamento jurídico, inclusive advindas do Poder Constituinte derivado, como os comandos do parâmetro constitucional em vigor, formal e materialmente (forma, procedimento e conteúdo), retirando do sistema jurídico (nulificando ou anulando) aquelas que com ele forem incompatíveis"5.

Uma vez estabelecida a questão da existência de um controle de constitucionalidade, passemos a analisar, de forma breve, como esse controle tem se apresentado no Brasil.

2.2. Breve Histórico do Controle de Constitucionalidade no Brasil

A Constituição do Império (outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 1824, depois de dois anos da independência do Brasil), não previa expressamente um controle de constitucionalidade. Ao invés disto, estabelecia a existência de um quarto Poder, além dos três tradicionalmente assentados, que era o Poder Moderador, exercido pelo Imperador que, de acordo com o art. 98 daquela Carta, "é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio, e harmonia dos demais Poderes Políticos".

Dentro desta atribuição de "velar" pela independência, equilíbrio e harmonia entre os Poderes, cabia, pois, ao Imperador, controlar os atos dos outros três Poderes. Controle, aliás, que não estava sujeito a qualquer outro, dada a supremacia do Imperador, cuja pessoa era "inviolável e sagrada", não estando "sujeito à responsabilidade alguma" (art. 99 da Constituição do Império).

Foi a Constituição Republicana de 1891, de forte influência norte-americana, que trouxe pela primeira vez ao país expressamente o controle de constitucionalidade, atribuindo ao Supremo Tribunal Federal o poder de analisar em grau de recurso, como última instância, as sentenças das Justiças dos Estados, "quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas" (art. 59, § 1º, b).

A Constituição de 1934 criou a possibilidade de a União intervir "em negócios peculiares aos Estados" (art. 12), para (dentre outras hipóteses), "assegurar a observância dos princípios constitucionais especificados nas letras a a h, do art. 7º, n. I, e a execução das leis federais". Tal intervenção, por inobservância aos princípios constitucionais, poderia dar-se apenas mediante...

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