Análise da violência doméstica a partir das categorias sociedade-família-pessoa: estudo de caso de uma senhora em acompanhamento psicoterapêutico de orientação junguiana

AutorVinícius Farani López - Edilton Meireles de Oliveira Santos
CargoMestre em Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica do Salvador. Discente do Programa de Pós-Graduação [Doutorado] em Família na Sociedade Contemporânea (UCSal). Especialista em psicologia analítica pela Associação Paulista de Psicologia Junguiana ? APPJ-SP. Professor da Faculdade Baiana de Direito ? Salvador. Psicólogo...
Páginas140-160
ANÁLISE DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA A PARTIR DAS
CATEGORIAS SOCIEDADE-FAMÍLIA-PESSOA: ESTUDO DE CASO
DE UMA SENHORA EM ACOMPANHAMENTO
PSICOTERAPÊUTICO DE ORIENTAÇÃO JUNGUIANA
Vinícius Farani López
1
Edilton Meireles de Oliveira Santos 2
RESUMO
O presente artigo visa analisar, a partir de estudo interdisciplinar (direito, psicologia e sociologia),
a violência doméstica como elemento complexo e multifacetado, sendo necessária a integração das
categorias Sociedade, Família e Pessoa enquanto dimensões imprescindíveis para compreender tal
realidade. Visa explorar o conceito da violência doméstica para além do debate de gênero,
explorando os impactos em toda rede familiar. Se, para Bourdieu (2002), a dominação masculina
está associada à naturalização da dominação do homem sobre a mulher, na perspectiva junguiana
(Singer 1991), compreende-se tal fenômeno enquanto repressão do aspecto feminino na cultura, no
qual homens e mulheres acabam por sofrer suas consequências. Tomando o caso da paciente Y,
acompanhada ao longo de 3 anos em clínica psicológica, é possível compreender, em sua história,
tanto os efeitos dos discursos e produções sociais, tais quais os impactos na família e na
subjetividade dos envolvidos, reproduzindo, através de gerações, os dramas da violência doméstica.
Palavras-chave: Violência doméstica. Psicologia analítica. Sociedade. Família. Pessoa.
ABSTRACT
This article aims at analyzing domestic violence as a complex and multifaceted study from an
interdisciplinary study (law, psychology and sociology). It is necessary to integrate the categories
Society, Family and Person as essential dimensions to understand this reality. It aims at exploring
the concept of domestic violence beyond the gender debate, exploring impacts across the family
network. If for Bourdieu (2002) the violence is associated with the naturalization of male
domination over women, in the Jungian perspective (Singer 1991) this phenomenon is understood
as a repression of the feminine aspect in culture, in which men and women end up suffering their
consequences. Taking the case of the patient Y, accompanied during 3 years in psychological
clinic, it is possible to understand in its history both the effects of speeches and social productions,
such as the impacts on the family and the subjectivity of those involved, reproducing through
generations the dramas of domestic violence
1 Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela Universidad e Católica do Salvador. Discente do
Programa de Pós-Graduação [Doutorado] em Família na Socied ade Contemporânea (UCSal). Especialista em
psicologia analítica pela Associação Paulista de P sicologia Junguiana APPJ-SP. Professor da Faculdade
Baiana de Direito Salvador. Psicólogo clínico. Contato: viniciusfara nilopez@gmail.com
2 Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Pósdoutor pela
Universidade de Lisboa. Professor Associado na Universidade Federal da Bahia (UFBa). Professor Adjunto
na Universidade Católica do Salvador (UCSal). Desembargador do Trabalho na Bahia (TRT 5ª Região).
144 | Análise da Violência Doméstica a partir das Categorias Sociedade-Família-Pessoa
Revista Direitos Fundamentais e Alteridade, Salvador, V. II, Nº 01, p. 143 a 163, jan-jun, 2018 | ISSN 2595-0614
Key Words: Domestic violence. Analytical psychology. Society. Family. Person
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo principal analisar a violência doméstica
enquanto aspecto presente na dramaticidade da vida familiar, que está em constante
interação com as influências socioculturais e seus impactos e diálogos com a subjetividade
humana. A partir do caso de uma senhora de 70 anos, visa compreender os impactos da
violência promovido por seu pai em sua infância e a repercussão em todo o grupo familiar.
A violência doméstica, apesar do seu forte vínculo com a questão de gênero, se apresenta
como fenômeno que afeta todo o grupo familiar com intensa conexão com aspectos que
ultrapassam gerações. Sendo, portanto, necessário ampliar a compreensão dicotômica entre
homem x mulher, mas compreender a violência também enquanto fenômeno afetivo que
transcorre através de gerações, fazendo parte da história familiar, afetando todos em volta.
O uso do termo violência doméstica e não violência intrafamiliar decorre do
fato de, apesar dos relatos de violência apresentados pela paciente estarem conectados mais
profundamente à trama familiar, outros personagens, que não fazem parte da rede de
parentalidade, também perpassam o enredo. Concorda-se, aqui, com o posicionamento de
Saffioti (2001) e sua diferenciação da violência doméstica e da violência intrafamiliar, ao
indicar que a segunda se refere, exclusivamente, a casos de violência entre membros da
família nuclear ou extensa, não recaindo tão-somente ao território do domicílio, enquanto
que a primeira se alarga às empregadas domésticas e outros que perambulam no contexto
domiciliar.
O alargamento do conceito, por sua vez, encontra respaldo no que dispõe § 9
do art. 129 do Código Penal Brasileiro (com a redação aa pela Lei n. 11.340/06), quando
definiu a violência doméstica como aquela que for praticada contra ascendente,
descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido,
ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade. Vejam que aqui se inclui, não a violência intrafamiliar “contra
ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha
convivido”, como, também, aquela praticada por pessoa que se vale de suas relações
domésticas de coabitação ou hospitalidade, ainda que não tenha vínculo de parentesco.

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