Breve análise acerca das publicações das companhias

AutorGuilherme Araujo Drago
Páginas157-165

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1. A obrigatoriedade das publicações

É famosa a anedota daquele banqueiro alemão que, quando interpelado por um acionista de seu banco pedindo a distribuição do lucro, disse-lhe que era tolo e arrogante: tolo por ter dado seu dinheiro ao banco; arrogante por esperar que, algum dia, viesse o banco a devolvê-lo de bom grado.

As regras referentes às sociedades anônimas foram construídas com o escopo de garantir a convivência tão pacífica quanto possível entre acionistas movidos por interesses divergentes, e, principalmente, para tentar compor antecipadamente os potenciais conflitos entre o acionista controlador, o responsável pela administração da companhia, e os acionistas minoritários, normalmente investidores interessados, sobretudo, na distribuição dos lucros da companhia.

Um dos princípios normalmente apresentados como sendo basilar do mercado de capitais é o da transparência.1 Na verda-de, este princípio se traduziria pela regra de que todos os interessados em investir no mercado de capitais devem dispor das mesmas informações, de modo a evitar que alguns sejam beneficiados em detrimento dos demais.

Estas informações, necessárias à decisão acerca do investimento, podem ser divididas em informações acerca dos valores mobiliários e sobre as companhias. Exemplos das primeiras são as referentes às cotações dos valores mobiliários negociados, os preços e os custos de transação e o volume dessas transações. Quanto às informações das companhias, servem como exemplos aquelas referentes à oferta de novos valores mobiliários no mercado.

A transparência é um princípio com caráter instrumental, eis que viabiliza, na verdade, o controle da administração e a fiscalização dos atos dos administradores. É também um dos mais importantes meios de se alcançar o desenvolvimento do mercado de capitais de determinada região ou país. Há doutrinadores que não o tem como um princípio autônomo, mas uma regra decorrente da combinação de três outros princípios, o daboa-fé objetiva, o daprote-

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ção da legítima expectativa e o da segurança jurídica.2

As recentes alterações das normas contábeis das sociedades anônimas, decorrentes sobretudo das Leis 11.638/2007 e 11.941/2009, são um bom exemplo de efe-tivar este princípio instrumental, de modo a garantir maior transparência do mercado de capitais. Há estudos, sobretudo nos Estados Unidos, que demonstram haver uma correlação entre a confiabilidade das informações contábeis e uma maior transparência do mercado de capitais, gerando, con-sequentemente, uma redução na volatilidade dos ativos.3

As regras contábeis, em especial, são um meio de garantia da transparência das transações ao criar critérios largamente usados para a elaboração das demonstrações contábeis. Os pronunciamentos do CPC, transformados em norma por ato da CVM, a quem foi dada autorização para dispor sobre a contabilidade das companhias, reduzem o espaço de discricionarie-dade até então existente. Ainda que haja certo espaço para o contador ou o administrador da companhia determinar o modo de aplicação de um critério,4 é de se dizer, as demonstrações financeiras normalmente são tidas pela doutrina como algo próximo de um ato vinculado, havendo que diga se tratar de uma "declaração reprodutiva".5

Outras normas da Lei 6.404/1976 têm também um caráter precipuamente instrumental, com o objetivo de garantir a maior transparência nas transações entre os participantes e agentes do mercado de capitais. As regras relativas à publicação das demonstrações financeiras das companhias são um bom exemplo.

A Lei 6.404/1976 exige a publicação das demonstrações financeiras das companhias de capital aberto no Diário Oficial e em um jornal de circulação nacional, conforme disposto em seu art. 289, in verbis:

"Art. 289. As publicações ordenadas pela presente Lei serão feitas no órgão oficial da União ou do Estado ou do Distrito Federal, conforme o lugar em que esteja situada a sede da companhia, e em outro jornal de grande circulação editado na localidade em que está situada a sede da companhia" (redação dada pela Lei n. 9.457, de 1997)

A regra se justificava na redação original, época na qual era difícil ao homem médio acompanhar a vida das companhias onde depositava sua poupança, assim como ainda se justificava em 1997, época em que o art. 289 foi revisado, em vista do menor desenvolvimento tecnológico no Brasil.

2. Conceito de jornal oficial

É de se notar que há previsão de publicação em jornal oficial da União ou do Estado onde a sede da companhia esteja localizada.

A existência de uma partícula "ou" implica normalmente alternância, ou seja, seria um ou outro jornal, nunca os dois. Não parece que a intenção da norma fosse a publicação em ambos.

Há duas interpretações que não retiram a utilidade da expressão "no órgão oficial da União". A histórica é a de que a ra-

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tio da lei era a tentativa de alcançar as companhias eventualmente não sediadas em nenhum Estado da federação, como era o caso daquelas cuja sede se localizava em território. Não existem mais territórios, mas, quando havia, sua administração era responsabilidade da União.

A outra, de caráter finalístico, é a de que ao tratar da imprensa oficial do Estado está a se estabelecer um critério em razão do lugar, que somente é superado em razão de haver um interesse da União naquela companhia, critério, inclusive, ado-tado no REsp 96.610-SP, que pedimos a devida vênia para reproduzir:

"Evidencia-se a necessidade de publicidade legal por duas vezes:

"A uma no Diário Oficial, da União ou do Estado;

"A duas, em jornal de grande circulação.

"A questão, posta, de logo, ficando descogitada a necessidade de dúplices publicações nos Diários Oficiais da União e do Estado, reduz-se à definição de um ou de outro como destinatário.

"Neste contexto, para dilucidar, é significativo assoalhar que as lembradas disposições, com a conjunção 'e', não reforçaram a necessidade de publicações no Diário Oficial da União e no Diário Oficial do Estado. Mas, claramente, afastando o plural, singularizam um ou outro, indicando a possibilidade de alternativa.

"Designada a alternativa pela conjunção 'ou', a opção não ficou ao alvitre do interessado, definindo a lei condição obje-tiva para a escolha, assemelhadamente ao critério, 'rei sitae': o Diário Oficial do Estado onde a pessoa jurídica tem a sede. É o texto legal: '(...) conforme o lugar em que esteja situada a sede da companhia’ (art. 289 - destaquei).

"Reconheça-se que a redação está divorciada de melhor técnica, porque não obrigando a publicação num e outro, mas possibilitando-a num ou outro, adjetivando conforme o lugar, enseja perplexidades, de vez que somente restaria para o Diário Oficial atos específicos de natureza federal (União e pessoas jurídicas com sede no Distrito Federal) ou na hipótese de atos praticados diretamente ou por delegação."

A decisão proferida no REsp 96.610-SP é ilustrativa. O relator, Ministro Milton Luiz Pereira, exarou voto que se tornou referência no tocante a esta matéria, deixando claro que, se presente o interesse da União, as publicações deveriam ser feitas no Diário Oficial da União tão somente, ainda que a Companhia estivesse sediada em lugar outro que não a sede social, tendo em vista que o art. 289 da Lei 6.404/ 1976 fala em "ou" ao se referir ao órgão oficial.

A interpretação baseia-se no caráter finalístico da norma insculpida no art. 289 da...

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