Análise acerca da compatibilidade da existência de feriados religiosos em um estado laico

AutorRogério Magnus Varela Gonçalves, Igor de Lucena Mascarenhas
Páginas187-212
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ANÁLISE ACERCA DA COMPATIBILIDADE DA
EXISTÊNCIA DE FERIADOS RELIGIOSOS EM UM
ESTADO LAICO
Rogério Magnus Varela Gonçalves*
Igor de Lucena Mascarenhas**
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar a
compatibilidade de feriados religiosos em um Estado
laico. A existência de feriados religiosos, sob a
perspectiva constitucional, poderia constituir violações
aos direitos dos que não se encontram representados
pela religião majoritária. O conflito entre Estado e religião
envolve diversos princípios jurídicos, como a dignidade
da pessoa humana, laicidade estatal, princípio da
isonomia e liberdade religiosa.
Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana. Feriados
religiosos. Estado laico.
1 INTRODUÇÃO
Direito e religião são dois elementos sociais, na medida em que
são criações através das quais o homem busca melhor se organizar
socialmente. Estão em constante interação e, em muitos casos,
apresentam uma mesma área de atuação.
A ciência dogmática do direito – enquanto ramo descritivo e
valorativo da aplicação das normas – é a responsável pela organização
e harmonização da sociedade através da imposição de condutas e regras
a serem seguidas por toda a coletividade. É um ramo do estudo social
_________________________
* Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra. Mestre em
Direito Público pela Universidade Federal da Paraíba. Professor do Centro
Universitário de João Pessoa (Unipê). Advogado. E-mail:
.
** Bacharelando em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Paraíba
(UFPB) e Bacharel em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de João
Pessoa (Unipê). Advogado. Procurador do Município de João Pessoa. E-
mail: .
Revista Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 4, n. 7, p.187-212, jan./jun. 2013.
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que tem, de forma predominante, o homem como meio e fim de sua
atuação. As regras jurídicas são formas de se coibirem certas condutas
consideradas lesivas para a coletividade. Desse modo, a regra jurídica
objetiva padronizar algumas atuações humanas para que outros não
sejam prejudicados. O direito é elemento essencial da sociedade – e
onde esta não existe, não existirá o direito, conforme prevê Ulpiano:
Ubi homo ibi societas; ubi societas, ibi jus”. Afinal a existência de
uma sociedade já prevê a existência de regras de conduta e convivência,
independente do seu nível de desenvolvimento.
A palavra “religião” provém do latim religio, que significa ligar,
apertar, atar no sentido de unir os laços que ligam o homem às divindades
e deve ser entendida como o conjunto de relações práticas e teóricas
estabelecidas entre os homens e uma força superior a qual se cultua de
forma individual ou coletiva1. Assim, a religião pode ser entendida como
o conjunto de crenças estabelecidas pelo homem, objetivando o culto
a algo sagrado e/ou sobrenatural2.
Sem querer esgotar o conceito de religião como a crença em
algo sagrado e superior, a religião também pode ser entendida como a
busca de compreensão do inexplicável. O ser humano busca na religião
uma forma de explicar o mundo ao seu redor. Dessa forma, o início do
_________________________
1 NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA. São Paulo: Encyclopedia Britannica do Brasil
Publicações, 2000. V. XII, p. 277.
2 Todavia, tal conceito não é uníssono, visto que a jurisprudência norte-
americana considera o ateísmo como religião. A Seventh US Circuit Court of
Appeals, algo equivalente a Sétima Corte de Apelação Americana, decidiu
que a negativa dada pelo Instituto de Correção de Waupun foi ilegal e violou
os direitos civis do Sr. James Kaufman que requereu, em documento oficial,
um “pedido para novas práticas religiosas”. A solicitação objetivava a formação
de um grupo que estimulasse e promovesse a liberdade de pensamento, bem
como questionar, refletir e discutir acerca de crenças, práticas, dogmas e
rituais religiosos. O entendimento dos oficiais da prisão foi de que o grupo
objetivava a discussão acerca do humanismo, ateísmo e liberdade de
expressão, elementos não “dignos” de formar um grupo religioso. Porém, a
Corte reverteu a decisão de modo que a discussão sobre ateísmo e humanismo
configura sim, uma prática religiosa. Sobre o tema sugerimos a leitura dos
artigos disponíveis no sítio Atheism Analyzed: The Reality Approach:
/www.atheism-analyzed.net/>.
Análise acerca da compatibilidade da existência de feriados religiosos em
um Estado laico
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Revista Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 4, n. 7, p.187-212, jan./jun. 2013.

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