ANALISANDO A TRANSIÇÃO DA ÁFRICA DO SUL À DEMOCRACIA: neoliberalismo, transformismo e restauração capitalista

AutorEvandro Alves Barbosa Filho, Ana Cristina de Souza Vieira
Páginas328-346
ANALISANDO A TRANSÃO DA ÁFRICA DO SUL À DEMOCRACIA: neoliberalismo,
transformismo e restauração capitalista
Evandro Alves Barbosa Filho1
Ana Cristina de Souza Vieira 2
Resumo
Desde 1994 a África do Sul pôs fim à sua estrutura oficial de segregação, baseada na ultra exploração da força de trabalho
negra e na total segregação racial: o Apartheid. Embora esse sistema tenha acabado e o país sej a governado pelo antigo
movimento de libertação nacional, o African National Congress (ANC), as desigualdades sociais se aprofundaram. O
objetivo deste artigo é analisar os processos político s que condicionaram a transição Sul-africana do Apartheid à
democracia. A pesquisa tem nat ureza qualitativa e foi realizada por meio de revisão bibliográfica da sociologia crítica sul-
africana, da análise de documentos oficiais e na análise crítica de discurso. O estudo identificou que a transição à
democracia foi tutelada pel a mais r ica fração da burguesia sul-africana e viabilizada pelo ANC, que aderiu às ideologias
neoliberais.
Palavras-chave: Apartheid. África do Sul. Transição. Neoliberalismo.
ANALYZING SOUTH AFRICA'S TRANSITION TO DEMOCRACY: neoliberalism, trans formism and capitalist restoration
Abstract
Since 1994 South Africa has put an end to its official segregation structure, based on the overexploitation of the black
workforce and total racial segregation: The Aparthei d. Although this system is over and the country is ruled by the former
national liberation movement, the African National Congress (ANC), social inequalities hav e deepened. This paper aims to
analyze the political pr ocesses that conditioned the South African transition from Apartheid to democracy. The research has
a qualitative approach and It was conducted through a bibliographical review of Sout h African critical sociology, analysis of
official documents and critical discour se analysis. The study found that the transition to democracy was led by the wealthiest
fraction of the South African bourgeoisie and made possible by the ANC, which adopted t he neoliberal ideologies.
Keywords: Apartheid. South Africa. Transition. Neoliberalism.
Artigo recebido em: 27/10/2019 Aprovado em: 29/04/2020
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v24n1p328-346.
1 Assistente Social. Mestre e Doutor em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Bolsista de Pós-
Doutorado CAPES/FACEPE e Docente Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Servi ço Social (PPGSS) da UFPE.
Endereço: Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária, Recife - PE, 50670-901. E-mail: evealves85@yahoo.com.br.
2 Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Univer sidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Professora
titular da Universidade Federal de Per nambuco (UPEA) e professora do corpo permanente do Programa de Pós-Graduação
em Serviço Social (PPGSS) da UFPE. Endereço: Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária, Recife - PE, 50670-
901. E-mail: anacvieira12@gmail.com.
Evandro Alves Barbosa Filho e Ana Cristina de Souza Vieira
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1 INTRODUÇÃO
Passados 25 anos desde o fim do Apartheid, regime que segregava e normatizava
racialmente todos os aspectos da vida na África do Sul, o país se tornou o mais desigual do mundo. O
mais rico país da África Austral ainda tem a maior taxa de desemprego entre o grupo de nações de
renda média, que também é uma das maiores do mundo: desde 1994, entre 25% e 30% dos sul-
africanos estão desempregados. Esta porcentagem aumenta significativamente entre a população
negra, rural e entre mulheres, assim como, nas províncias mais pobres (PATEL, 2013; GUMEDE,
2015). Desde a redemocratização, poucas vezes o país não despontou como o mais desigual do
mundo, quando considerado o Coeficiente de Gini. Este era de 0.59 em 1993, último ano do Apartheid,
de 0.61 em 1996, chegou a 0.66 em 2006 e retrocedeu para 0.64 em 2018 (THE WORLD BANK,
2019). As assimetrias de renda são ainda mais gritantes: em 2015, os 10% mais ricos da população,
dos quais mais de 73% são brancos, que são apenas 9,6% da população, concentravam sozinhos 71%
da riqueza do país. Na base da pirâmide, os 60% mais pobres da população retêm apenas 7% da
riqueza, esta parcela mais pobre é formada quase que integralmente por negros, 96% (GUMEDE,
2015). Em 1993, 25% da população detinha 80% da riqueza nacional, em 2008, 80% da riqueza estava
concentrada em 12% da população (PATEL, 2013).
Desde o fim do Apartheid, crescentes parcelas da população enfrentam o desemprego de
longa duração e novas modalidades de ultra exploração da força de trabalho, como a terceirização, o
trabalho intermitente e a generalização de contratos de trabalho sem nenhum tipo de proteção
previdenciária pública ou privada, além da abolição do salário mínimo nacional (TERREBLANCHE,
2012). Mais de 16 milhões de sul-africanos são pobres e outros 10 milhões vivem em condição de
miséria, sem trabalho e sem acesso a nenhum tipo de proteção social pública ou fonte de renda. Além
dos já impactados pelo empobrecimento da classe trabalhadora sul-africana, outros 5,5 milhões, que
compõem o precariado nacional, correm o risco de se tornarem pobres nos próximos anos (BARBOSA
FILHO; VIEIRA, 2019). A principal resposta do Governo Nacional ao crescente empobrecimento, desde
1994, são os programas de transferência de renda, as social grants. Essas bolsas, insuficientes para
financiar as necessidades sociais básicas, são a única ou principal fonte de renda de cerca de 17
milhões de sul-africanos e passaram a ser a principal estratégia governamental de combate à pobreza
extrema, especialmente a partir da Lei Nacional de Assistência Social, The Social Assistance Act
Número 13, de 2004.
Além da criação de uma Política e de um Sistema Nacional de Assistência Social, a África
do Sul Pós-apartheid, desde 1994, baniu toda a legislação racista que impedia o acesso dos negros,
mestiços (coloureds) e asiáticos à administração pública e à representação política. Nos primeiros anos

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