An analysis of the relationship of the military police with the residents of a slum occupied by UPP/Uma analise das relacoes da policia militar com os moradores de uma favela ocupada por UPP.

AutorGarau, Marilha Gabriela Reverendo

Introducao

O presente artigo e resultado parcial de um trabalho etnografico cujo objeto volta-se para a apreensao do conjunto de representacoes e praticas relativas a proposta de policia de proximidade presentes nos discursos policiais lotados em uma Unidade de Policia Pacificadora carioca. O estudo focaliza os discursos dos diversos atores da UPP. Atraves desse exercicio busco identificar em que medida, diante do discurso de policiamento de proximidade, as relacoes travadas entre a Policia Militar e moradores da favela foram modificadas e/ou reestruturadas, a partir da apropriacao, ressignificacao ou reinterpretacao da politica publica pelos policiais que ali atuam.

A partir de situacoes concretas provenientes da observacao de campo, problematizo a busca da UPP na promocao e efetivacao de mudancas na relacao entre moradores e a Policia Militar naquela localidade. Neste sentido, o trabalho parte de uma questao principal, qual seja, identificar se diante do novo discurso de policiamento de proximidade projetado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro houve uma substancial modificacao nas relacoes da Policia Militar com os moradores.

Para tanto parto da analise dos discursos da propria policia que la atua e, a partir da observacao do quotidiano da comunidade e das rotinas policiais reflito sobre as demandas apresentadas pela comunidade a UPP, representada por seus agentes.

Tendo como base os discursos policiais reflito sobre a efetivacao do projeto de policiamento de proximidade e, a partir da variacao destes discursos, pondero sobre a conotacao dos pontos de vista dos policiais da Unidade. A analise tem como base os pressupostos de modificacao da atuacao policial classificada enquanto tradicional. Neste exercicio levo em consideracao representacoes policiais e sociais de espacos tidos como favelados a fim de compreender de que forma os pressupostos de igualdade sao relacionados a estes individuos.

A metodologia resultante da realizacao do trabalho de pesquisa e aquela caracteristica da disciplina antropologia do direito, baseada no metodo etnografico de producao de conhecimento, "cujo ponto central e a descricao e interpretacao dos fenomenos observados com a indispensavel explicitacao tanto das categorias 'nativas' como daquelas do saber antropologico utilizado pelo pesquisador" (Kant de Lima, 1983, p. 97).

Dentro desta proposta interdisciplinar acredito na importancia da observacao e imersao em campo,--embora reconheca as limitacoes de aproximacao, sobretudo considerando o campo e meus interlocutores, tal como pontuo mais adiante--mobilizando para tanto, parte da reflexao acerca das metodologias das ciencias sociais, tal como destacada por Gilberto Velho (1981, p. 123-124):

A antropologia, embora sem exclusividade, tradicionalmente identificou-se com os metodos de pesquisa ditos qualitativos. A observacao participante, a entrevista aberta, o contato direto, pessoal, com o universo investigado constituem sua marca registrada. Insiste-se na ideia de que para conhecer certas areas ou dimensoes de uma sociedade e necessaria uma vivencia durante um periodo de tempo razoavelmente longo, pois existem aspectos de uma cultura e de uma sociedade que nao sao explicitados, que nao aparecem a superficie e que exigem um esforco maior, mais detalhado e aprofundado de observacao e empatia. Ora, os objetos de estudos da Antropologia e do Direito podem se aproximar, embora utilizem abordagens diferentes. Enquanto os estudos juridicos voltam-se para as leis e sua aplicacao no caso concreto, a Antropologia olha para as praticas juridicas a fim de compreender as identidades de uma sociedade e a fundamentacao dos respectivos valores que fundamentam tais praticas. Logo, neste estudo busco aprofundar uma perspectiva multidisciplinar, em especial aquela oriunda do dialogo entre a antropologia e o direito. Esse dialogo permite alem de uma aproximacao mais abrangente do fenomeno a ser pesquisado, compreender como cada um desses saberes apresenta formas de producao, reproducao e legitimacao do conhecimento distintas.

Por isso e valido dizer que tanto para o Direito quanto para a Antropologia, esse conceito e importante, pois, enquanto o Direito tem como "categoria nativa" a Justica, ou ainda melhor, enquanto Direito e Justica sao aspectos quase indissociaveis do ponto de visto juridico; o meio antropologico, por sua vez, tambem trabalha com a nocao de Justica e nesse ponto ha uma ligacao entre ambas as disciplinas, contudo a Antropologia trata do processo de producao da justica.

Da mesma forma, compreendo que e possivel estudar nossa propria realidade social, seja "exotizando" aquilo que nos e familiar ou percebendo que ha muito de familiar naquilo que e exotico (DAMATTA, 1978). Na expectativa de assumir tais perspectivas exercitei nesta construcao o "olhar, ouvir, escrever", como meios de perceber, exercitar o pensamento e produzir um discurso (OLIVEIRA, 2000). Por fim, que o afeto no campo abre uma comunicacao especifica com os nativos, involuntaria e sem intencionalidade (FAVRET-SAADA, 2005); que a escrita etnografica possui autoridade expressada pelo "estar la" (CLIFFORD, 2011; GEERTZ, 2009).

Neste exercicio viso compreender de que forma as mudancas no plano discursivo e normativo se dao no contexto dessa UPP especifica. Neste sentido, o estudo empreendido visa abordar discursos e praticas institucionais, observados no ambito da Policia Militar em sua relacao com moradores da favela. Sendo assim, a fim de compreender como sao construidas as relacoes de proximidade da policia para com moradores, bem como de que forma os conflitos provenientes dessa relacao sao dirimidos, considerou-se alem das relacoes e representacoes dominantes do campo (BORDIEU, 2002), o ponto de vista nativo (GEERTZ, 1997) dos Policiais Militares que ali atuam.

Neste vies, tendo como base discursos dos policiais com os quais tive contato, reflito sobre a efetivacao do projeto de policiamento de proximidade e, a partir da variacao destes discursos, pondero sobre a conotacao dos pontos de vista dos policiais da unidade. A analise tem como base os pressupostos de modificacao da atuacao policial classificada enquanto tradicional. Neste exercicio levo em consideracao representacoes policiais e sociais de espacos tidos como favelados a fim de compreender de que forma os pressupostos de igualdade sao relacionados a estes individuos. Para tanto, os discursos predominantes no campo sao levados em consideracao e analisados a partir da perspectiva inicial das UPPs.

  1. A proposta das UPPs

    A proposta de policiamento comunitario e inspirada no modelo implementado nos Estados Unidos e Canada, cujos resultados sao fruto de um processo de experimentacao iniciado na decada de 50. A partir dessa experiencia institucional e que o conceito de policiamento comunitario recebe a conotacao que tem hoje (SKOGAN, 2008). O objetivo do projeto envolve a constituicao de uma equipe de policiamento de referencia para cada area especifica da cidade; a sensibilizacao e atencao da comunidade aos problemas correlatos a criminalidade; o envolvimento dos cidadaos para com a prevencao de delitos; a atuacao policial sobre as causas do crime e nao somente sobre o crime em si.

    A partir desta proposta foi possivel compreender que a categoria nao deve ser simplesmente articulada as praticas policiais, mas, ao contrario, deve estar associada aos fundamentos das estrategias assumidas institucionalmente, visando a adaptacao do modelo do policial-profissional ao ambiente em que ira atuar. Sendo assim, a estrutura do proprio conceito guarda relacao com acoes praticas, numa proposta em que o envolvimento com a comunidade, a descentralizacao de poder e a enfase na solucao de questoes que afetem o quotidiano devem estar presentes.

    O principal eixo estruturador do policiamento comunitario, em termos discursivos e o envolvimento com a populacao na tomada de rumos da acao policial. Considerando esta perspectiva, a comunidade pode participar da organizacao policial de diversas maneiras, seja a partir do registro de crimes, melhora das condicoes de conservacao dos espacos publicos ou ainda a partir da vigilancia direta sobre determinadas areas do bairro. Alem disso, a participacao da comunidade pressupoe a supervisao das atividades policiais, sendo necessario a construcao de canais que viabilizem tal proposta.

    A descentralizacao consistiria na divisao da cidade em pequenas areas, facilitando a supervisao de espacos menores, no qual seriam policiais para atuacao permanente na regiao. Nesse sentido, as acoes desenvolvidas naquele espaco sao tomadas pelos agentes que la atuam, a partir de diagnosticos voltados para o aperfeicoamento dos resultados alcancados. Tais acoes devem estar pautadas nos pressupostos anteriores, sendo construidas a partir do fluxo de informacoes entre policiais e moradores da area.

    Por fim, a solucao de questoes deve ser feita a partir da relacao policia x lideranca comunitaria. A proposta envolve o mapeamento das principais demandas da comunidade. A partir da compreensao dos fatores que determinam a ocorrencia de determinado delito, deve-se tracar uma estrategia de intervencao, sempre informando a comunidade sobre os resultados das acoes resultantes na prevencao de conflitos.

    A proposta de policiamento comunitario e importada para o contexto do Rio de Janeiro e ganha, neste contexto uma conotacao bastante especifica, cuja concretizacao nao chega a consolidar-se tal como nos moldes propostos pelo modelo em sua origem. Passadas decadas de experiencias no ambito da promocao de programas de seguranca publica no Rio de Janeiro, o Governo do Estado do Rio de Janeiro lancou uma politica publica inspirada no modelo comunitario de policiamento proclamada em seus primeiros momentos enquanto solucao para a questao da violencia, particularmente nas localidades conhecidas como favelas. Houve neste sentido, uma imensa mobilizacao em torno de modelos inspirados em policiamento comunitario e/ou de...

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