A amplitude da atuação da Comissão da Verdade

AutorRonaldo L.B. Segundo
CargoMestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV)
Páginas56-71
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P A N Ó P T I C A
Panóptica, Vitória, vol. 8, n. 2 (n. 26), p. 56-71, jul./dez. 2013
ISSN 1980-775
A AMPLITUDE DA ATUAÇÃO DA COMISSÃO DA VERDADE
Ronaldo L. B. Segundo*
Faculdade de Direito de Vitória (FDV)
1. INTRODUÇÃO
A partir do momento em que foi sancionada a Lei12.528/2011, que instituiu a Comissão
da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, um vivo e acalorado debate se
estabeleceu a respeito do papel que deveria desempenhar a referida comissão.1 Esse debate
estendeu-se durante os mais de seis meses transcorridos entre a edição da norma e a nomeação
de seus integrantes e em nada arrefeceu a partir desse momento; ao contrário, ocorreu um
recrudescimento dos antagonismos.2
Esses antagonismos surgem das diversas possibilidades de interpretação do texto da lei,
especialmente no que tange aos objetivos que deverão ser perseguidos pela comissão, que estão
indicados no art. 3º da lei, quais sejam: esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves
violações de direitos humanos mencionados no caput do art. da lei; promover o
esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados,
ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior; identificar e tornar públicos
as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de
direitos humanos mencionadas no caput do art. 1o e suas eventuais ramificações nos diversos
aparelhos estatais e na sociedade; encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer
informação obtida que possa auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais de
desaparecidos políticos, nos termos do art. 1o da Lei no 9.140, de 4 de dezembro de 1995;
colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração de violação de direitos
humanos; recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos
* Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); professor do curso
de Direito do Centro Universitário do Espírito Santo (U NESC); vinculado ao Grupo de Pesquisas "Estado,
Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais" da Faculdade de Direito de Vitória (FDV) ;advogado.
1 FH defende apuração apenas de crimes cometidos pelo Estado. Disponível em:
de-crimes-cometidos-pelo-estado-4908648>. Acesso
em: 13 jul. 2012.
2 INTEGRANTES da comissão da verdade diverge m sobre o foco das investigações. Disponível em:
da-comissao-da-verdade-divergem-sobre-foco-de-
investigacoes.html>. Acesso em 13 jul. 2012.
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humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional e promover,
com base nos informes obtidos, a reconstrução da história dos casos de graves violações de
direitos humanos, bem como colaborar para que seja prestada assistência às vítimas de tais
violações.3 Esse é mais um capítulo da já longa história relativa à implementação da Justiça de
Transição em nosso país, no âmbito tanto da satisfação das vítimas das arbitrariedades praticadas
quanto da pacificação social.4
As posições, no presente caso, são bastante claras. Sua correta identificação tem impacto
importante quanto à análise da amplitude que deve ter a atuação da Comissão.
Há, de um lado, um posicionamento que pode ser denominado de “amplo”, adotado por
aqueles que defendem que o papel da Comissão da Verdade é investigar de maneira irrestrita os
fatos ocorridos durante o período compreendido entre 18 de setembro de 1946 e a data de
promulgação de nossa atual Constituição Federal, sem qualquer espécie de diferenciação quanto
às motivações dos atos praticados se de resistência ao Regime Militar ou de defesa dele
bastando para tanto que sejam os mencionados atos considerados, de qualquer forma, ofensivos
aos Direitos Humanos.
Dessa maneira, abrir-se-ia caminho para investigação não apenas dos atos praticados por
agentes do Estado em defesa do Regime, mas também dos atos perpetrados por tantos quantos a
ele resistiram e, nesse resistir, desrespeitaram Direitos Fundamentais.
De outro lado, há os que defendem e estes parecem ser a maioria que a Comissão deverá
apenas buscar informações a respeito de atos praticados por agentes do Estado, deixando ao
largo a investigação e, consequentemente, o conhecimento dos fatos praticados pelos que
resistiam ao Regime Militar, posicionamento que traz embutido a muitas vezes não confessada
pré-compreensão de que todos os atos praticados pelos resistentes eram justificáveis, ainda que
seja possível acomodá-los, teoricamente, na moldura de desrespeito aos Direitos Humanos,5
apoiando uma tese, bastante discutível, de que, “[...] durante a ditadura brasileira houve uma clara
contraposição entre o Bem (os grupos da resistência) e o Mal (os agentes da repressão), cabendo
3 BRASIL. Lei 12.528/2011. Disponível em:
2014/2011/Lei/L12528.htm>. Acesso em: 27 jun. 2012.
4 SABADELL, Ana Lucia; DIMOULIS, Dimitri. Anistia: a política além da política e da verdade. Acervo, Rio
de Janeiro, v. 24, n 1, p. 79-102, jan./jun./2011. p. 95.
5 SAFATLE, Vladimir. Do uso da violência contra o estado ilegal. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir
(Coord.). O que resta da ditadura. São Paulo: Boitempo Editorial, 2010. p. 237 -252

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