Amicus curiae e audiências públicas: instrumentos para uma jurisdição constitucional democrática

AutorNicole P. S. Mader Gonçalves
CargoGraduada em Direito no ano de 2006 pela Universidade Federal do Paraná, mestranda em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná e bolsista da CAPES.
Páginas385-401
GONÇALVES, N. P. S. M 385
Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Unipar, v. 11, n. 2, p. 385-401 jul./dez. 2008
AMICUS CURIAE E AUDIÊNCIAS PÚBLICAS: INSTRUMENTOS
PARA UMA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICA
Nicole P. S. Mader Gonçalves*
GONÇALVES, N. P. S. M. Amicus curiae e audiências públicas: instrumentos
para uma jurisdição constitucional democrática. Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Uni-
par. Umuarama. v. 11, n. 2, p. 385-401, jul./dez. 2008.
RESUMO: Considerando a clássica tensão entre jurisdição constitucional e de-
mocracia, o trabalho demonstra como amicus curiae e as audiências públicas atu-
am dentro da idéia de uma democracia deliberativa e contribuem para a produção
de decisões judiciais legitimadas democraticamente.
PALAVRAS-CHAVE: Jurisdição constitucional. Democracia deliberativa.
Amicus curiae. Audiência pública.
*Graduada em Direito no ano de 2006 pela Universidade Federal do Paraná, mestranda em Direito do
Estado pela Universidade Federal do Paraná e bolsista da CAPES.
1 A defesa dos direitos fundamentais é um dos elementos centrais do projeto político liberal, que, ao
lado de outros, como, por exemplo, a separação entre Estado e igreja, a separação dos poderes e a
limitação do poder estatal, criam uma esfera de liberdade individual marcada pela garantia de direitos
constitucionalmente reconhecidos. Em outras palavras: a questão dos direitos fundamentais é apenas
uma das dimensões do projeto político liberal.
2 É importante notar está-se partindo de um contexto no qual o arranjo político fundamental é o da
democracia liberal. Este arranjo apresenta, em diversos níveis, a diculdade de lidar com valores
(igualdade e liberdade) que vivem em permanente tensão, eis que decorrentes de tradições distintas e
não absolutamente convergentes: o liberalismo e a democracia.
SUMÁRIO: 1. O conito entre jurisdição constitucional e democracia 2. A con-
tribuição da teoria de democracia deliberativa 3. O processo constitucional e a
democracia deliberativa no âmbito da jurisdição constitucional 4. Institutos do
processo constitucional 4.1 O amicus curiae 4.2 As audiências públicas. 5. Con-
siderações nais.

A discussão acerca da legitimidade democrática da jurisdição constitu-
cional instalou-se com a instituição do controle judicial de constitucionalidade
das leis. Em todos os sistemas em que se adotou esse tipo de controle de consti-
tucionalidade, o problema central que se destacou foi o mesmo: a tensão gerada
entre a armação da supremacia dos direitos fundamentais1, pelo constitucio-
nalismo e a efetividade da democracia sustentada pela soberania popular2. As
diculdades impostas pelo conito entre os dois pilares do Estado Democrático
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Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Unipar, v. 11, n. 2, p. 385-401 jul./dez. 2008
de Direito tornam-se evidentes nas palavras de Carlos Santiago Nino:
“O casamento entre democracia e constitucionalismo não é simples.
Sobrevivem tensões quando a expansão do primeiro conduz a um en-
fraquecimento do segundo e, por outro lado quando o fortalecimento
do ideal constitucional se converte em um freio para o processo de-
mocrático. Essas tensões não são fáceis de se detectar com precisão
devido à falta de certeza a respeito do que é que faz a democracia
para maximizar o seu valor e devido à obscuridade da própria noção
de constitucionalismo.”3
A identicação dessa tensão produz conseqüências imediatas na legi-
timação democrática da jurisdição constitucional, uma vez que a declaração de
inconstitucionalidade produzida por um agente estatal, não eleito pelo povo – o
juiz constitucional –, em nome da tutela de um direito fundamental inserto na
Constituição, nega a vontade popular representada na lei elaborada por um re-
presentante eleito democraticamente. Em síntese, pode-se dizer que a jurisdição
constitucional traduz, na prática, o conito indicado por Nino, ao colocar em
posições antagônicas a Constituição e a lei, que nada mais é do que o próprio
conito entre os direitos fundamentais tutelados e a democracia.
Em virtude dessa problemática, Robert Alexy arma que é necessário
compreender os direitos fundamentais a partir de uma concepção realista4. Isto
é, entender que os direitos fundamentais são, ao mesmo tempo, democráticos e
anti-democráticos. São democráticos na medida em que são a garantia para o
desenvolvimento de um procedimento democrático através da tutela da isonomia
e da liberdade. Porém, por outro lado, são antidemocráticos, pois são o parâmetro
de adequação entre as decisões da maioria parlamentar legitimada pelo povo e a
Constituição.
Diversas teorias foram desenvolvidas para conciliar os direitos funda-
mentais e a democracia, e, assim, conferir legitimidade à jurisdição constitucio-
nal.
Nos Estados Unidos, onde o controle judicial da constitucionalidade da
lei foi consagrado pela célebre decisão do Chief John Marshall, no caso Mar-
bury vs. Madison, a concepção do juiz como legislador negativo enfrentou duas
diculdades: a de que o Judiciário é composto por agentes não eleitos (counter-
majoritarian difculty5) e que suas decisões não estão sujeitas a nenhum tipo de
3 NINO, C. S. , Barcelona: Gedisa, 1997, p. 14.
4 ALEXY, R. . Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Cons-
titucionales, 2002, p. 37.
5A expressão “diculdade contramajoritária” (the counter-majoritarian difculty) foi cunhada por
Alexander Bickel em sua célebre obra The least dangerous branch que teve sua primeira edição

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